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1ª Turma do STJ confere nova interpretação a tratados para evitar a bitributação

Foto Pexels

Corte analisou convenções celebradas pelo Brasil com Alemanha, Argentina e China

Em julgamento encerrado no último mês de outubro, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deu provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional para autorizar a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em remessas ao exterior realizadas por empresas brasileiras como contrapartida de serviços prestados sem transferência de tecnologia por empresas na Alemanha, Argentina e China, que não possuem estabelecimento permanente no Brasil.

Trata-se do Recurso Especial 1.753.262/SP, distribuído à relatoria do ministro Benedito Gonçalves, prolator do voto condutor do acórdão.

Apesar de o Brasil não ser membro da OCDE, o país tem adotado o modelo proposto por esta organização para a celebração de tratados internacionais tributários, cuja finalidade mais relevante consiste na distribuição, entre os países signatários, de competências para cobrar Imposto de Renda sobre determinados tipos de rendimentos.

Segundo essa diretriz, os lucros de uma empresa de um Estado Contratante são tributáveis neste mesmo Estado (competência do local onde a sociedade contratada estiver domiciliada), salvo se a empresa exercer sua atividade em outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente aí situado. Neste caso, os lucros serão tributáveis no outro Estado Contratante, mas unicamente na medida em que corresponderem a esse estabelecimento permanente. É o que dispõe o artigo 7º das convenções tributárias brasileiras, a respeito dos “lucros das empresas”.

Nesse contexto, considerando que a remuneração pelos serviços administrativos prestados sem transferência de tecnologia se enquadra no conceito trazido no artigo 7º dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação celebrados pelo nosso país com os referidos países, no caso analisado pelo STJ o contribuinte defendeu a ausência de competência do Brasil para exigir o IRRF sobre os pagamentos efetuados em favor das empresas estrangeiras, diante da competência exclusiva do país de residência do prestador para a tributação da renda, valendo-se, inclusive, da jurisprudência consolidada da Corte sobre a matéria.

A Fazenda Nacional, por sua vez, inicialmente defendeu o enquadramento destes pagamentos aos artigos 21 e 22 dos tratados internacionais, que tratam de “outros rendimentos” e autorizam a tributação no Brasil, com  o argumento de que tais valores não comporiam o lucro das empresas estrangeiras e, assim, não poderiam ser enquadrados no artigo 7º dos tratados.

Já em fase recursal, a Fazenda inovou os seus argumentos ao defender que os serviços administrativos prestados pelas empresas no exterior se tratavam de “serviços técnicos e de assistência técnica”, ainda que sem transferência de tecnologia, cujo tratamento deveria ser equiparado a royalties para fins de incidência do IRRF, por força dos protocolos anexos aos tratados internacionais em questão, que preveem a aplicação das disposições relativas aos royalties aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos.

Na ocasião do julgamento no STJ, a matéria foi apreciada sob este novo prisma pelos eminentes ministros da Corte.

O Colegiado afirmou ser “incontroverso que se trata de rendimentos provenientes da prestação de serviços técnicos ou assistência técnica, sem transferência de tecnologia”, diante do que decidiu dar provimento ao recurso especial fazendário, com o entendimento de que as convenções firmadas pelo Brasil com Alemanha, Argentina e China estabelecem, em seus protocolos adicionais, que aos rendimentos provenientes de serviços de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis os artigos 12 das referidas convenções, que tratam da tributação de royalties – cujos pagamentos são caracterizados pela transferência do direito de uso, gozo ou fruição de um direito –, de modo que estariam sujeitos à tributação no Brasil. Esse foi a questão de grande relevância não observada na decisão.

Segundo o voto-vista proferido na ocasião do julgamento pela ministra Regina Helena Costa, “os protocolos anexos dos tratados firmados com a Alemanha, Argentina e China estabelecem, respectivamente, uma nítida equiparação de tais rendimentos”, razão pela qual estaria, no caso, autorizada a tributação no Brasil.

Assim, por entenderem que o Brasil teria intencionalmente se afastado do modelo-padrão da OCDE, com vistas a atender os interesses brasileiros enquanto país majoritariamente importador dos serviços aqui tratados, concluíram os eminentes ministros da 1ª Turma que “não se aplicam aos rendimentos em questão as disposições dos artigos 7 dos tratados em testilha”.

Apesar de não possuir efeito vinculante, referido precedente merece atenção porque nitidamente altera a reiterada e acertada jurisprudência do STJ acerca da matéria, que reconhece a não incidência de IRRF sobre os pagamentos remetidos ao exterior em decorrência de serviços prestados sem transferência de tecnologia, inclusive, em casos análogos a este em análise, envolvendo a aplicação de tratados internacionais compostos por protocolo adicional (vide REsp 1.475.779/RS e  REsp 1.890.708/SP).

Contudo, não sendo esta a conclusão alcançada pelos ministros da 1ª Turma no julgamento do REsp 1.753.262/SP, os quais consideraram “irrelevante a existência de transferência de tecnologia” para fins de aplicação da chamada “cláusula de equiparação” prevista nos protocolos adicionais dos tratados internacionais, o contribuinte opôs embargos de declaração apontando vícios no julgado que dizem respeito à natureza dos serviços efetivamente prestados no caso concreto (correspondentes a serviços administrativos, e não serviços técnicos ou de assistência técnica, sendo esta a premissa que fundamentou o acórdão), bem como requerendo a modulação de efeitos do julgamento de mérito, na medida em que o recente entendimento exarado pela 1ª Turma contraria o posicionamento consolidado da Corte sobre a matéria, configurando inequívoca alteração jurisprudencial. Referido recurso encontra-se pendente de julgamento no âmbito da 1ª Turma e requer um acompanhamento especial por parte dos contribuintes, já que o Colegiado terá uma nova oportunidade de se debruçar sobre o assunto para definir importantes contornos da presente questão jurídica.

A esse respeito, é importante que o STJ enfrente, ainda, a própria definição de royalties trazida pelos tratados internacionais, que descarta qualquer possibilidade de equiparação entre o tratamento fiscal dos royalties e aquele atribuído à prestação de serviços de qualquer natureza.

Conforme parecer da lavra do professor-doutor Sergio André Rocha, acostado ao recurso aqui tratado[1], “o que se buscou com a regra do protocolo foi simplesmente evitar a fragmentação contratual em casos onde a prestação de serviços fosse meramente acessória ou instrumental a contratos tipicamente remunerados mediante o pagamento de royalties“. Assim, “independentemente do conceito de serviço técnico, o mesmo somente poderá ser tratado como royalty caso haja uma relação entre o serviço e um fato econômico que tipicamente se enquadre como tal”.

A apreciação de tais pontos é demasiadamente relevante para o correto enfrentamento da controvérsia.

[1] ROCHA, Sergio André. Parecer. Contratação de serviços de assistência administrativa sem transferência de tecnologia prestados por residentes na Argentina e na China. Qualificação no artigo 7º do tratado tributário celebrado entre o Brasil e estes países. Inexistência de estabelecimento permanente no país da fonte dos rendimentos. Ausência de competência do Brasil para tributar tais rendimentos. Tributação exclusiva nos países de residência das entidades prestadoras. Jul./ 2023.

Fonte: Jota

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