Empresas que fornecem vale-alimentação ou refeição para os empregados têm conseguido liminares nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) para continuar a deduzir esses custos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). O chamado novo Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), desde dezembro, passou a impor algumas limitações para essa espécie de benefício.
O TRF da 3ª Região, com sede em São Paulo, e o TRF da 1ª Região, localizado em Brasília, foram favoráveis a empresas. Na contramão, o TRF da 4ª Região, em Porto Alegre, tem decisão negando pedido de liminar.
O PAT foi instituído pela Lei nº 6.321, de 1976. As empresas participantes são em maioria as de grande porte, com alto número de funcionários, que recolhem o IRPJ com base no lucro real. Podem fazer a dedução de 10% dos valores gastos com os benefícios de vale-refeição e alimentação, desde que não ultrapasse 4% do imposto devido no ano.
Contudo, em 11 de novembro, o governo federal editou o Decreto nº 10.854, com novas condições para essa dedução. O novo texto permite a aplicação do desconto apenas sobre a despesa com trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos (R$ 5,5 mil). A menos que a empresa ofereça serviço próprio de refeições ou as distribua com o auxílio de cooperativas.
Antes, havia a possibilidade de estender o benefício aos trabalhadores de renda mais elevada, contanto que fornecido a todos os empregados que recebam até cinco salários mínimos.
A nova norma ainda diz que, a cada mês, a empresa poderá deduzir, no máximo, o valor equivalente a um salário-mínimo por empregado. As restrições estão em vigor desde o dia 11 de dezembro.
A medida impactou em cheio as empresas que participam do programa. E deverá haver reflexo no caixa da União. Atualmente, o PAT conta com mais de 290 mil empresas beneficiárias inscritas, que abrangem 23 milhões de trabalhadores, segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência. Desses, 19,6 milhões recebem até cinco salários mínimos.
Diante das novas limitações, diversas empresas resolveram entrar com ação na Justiça. Segundo advogados, o Poder Executivo criou, por decreto, restrições que a Lei do PAT não prevê. Além disso, ao limitar o abatimento das despesas com alimentação, o governo teria aumentado indiretamente a carga tributária das empresas.
Já haviam liminares concedidas na primeira instância do Judiciário, ao menos em Belo Horizonte, São Paulo e Jundiaí (SP) para derrubar as novas limitações. Agora, o assunto chegou aos tribunais colegiados.
No TRF da 3ª Região, a desembargadora da 4ª Turma, Monica Autran Machado Nobre, confirmou liminar que já havia sido concedida em primeira instância. Entendeu que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “é firme no sentido de que as normas infralegais que estabelecem custos máximos das refeições individuais dos trabalhadores para fins de cálculo da dedução do PAT, bem como aquelas que alteram a base de cálculo da referida dedução para fazê-la incidir no IRPJ resultante, ofendem os princípios da estrita legalidade e da hierarquia das normas”.
De acordo com a desembargadora, o Decreto nº 10.854, de 2021 (artigo 186), extrapola a sua função ao alterar a base de cálculo das deduções dos custos do PAT, gerando majoração do IRPJ. “Trata-se de afronta ao princípio da legalidade tributária, bem como aos princípios da anterioridade nonagesimal e anual”, diz, na decisão (processo nº 5001504-62.2022.4.03.0000).
Os advogados que assessoram a instituição financeira no processo, Leo Lopes e Andre Henrique Azeredo Santos, do FAS Advogados, afirmam que a decisão é a primeira que se tem notícias no TRF em São Paulo. Lopes acrescenta que os precedentes do STJ, citados na decisão do tribunal, referem-se a decreto anterior que restringia o benefício. Por isso, para eles, as chances de êxito são grandes.
O impacto da discussão é significativo, segundo Lopes. “Ao limitar o benefício fiscal, isso configura um aumento de tributo para as empresas”, diz. Ele ainda ressalta que como o decreto é de novembro de 2021, algumas consultorias orientam que isso deverá valer para todo ano calendário já do ano passado. Ou seja, não teriam sido respeitados os princípios da anterioridade anual e nonagesimal (90 dias) para a entrada em vigor, o que também tem sido alegado nas ações judiciais.
Neste sentido, já existe liminar do TRF da 1ª Região, que afastou os efeitos do Decreto 10.854 para a apuração do IRPJ do exercício de 2021. A desembargadora Rosimayre Gonçalves de Carvalho também ressalta que as limitações por decreto extrapolam o que diz a lei. Por fim, diz que “a despeito de tratar-se de um benefício fiscal é certo que ele não pode ser suprimido ou limitado senão que a partir do ano calendário subsequente, uma vez que supressão implica pagamento maior de tributo” (processo nº 1045197-58.2021.4.01.0000).
Para o advogado que assessora a empresa, Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, existe violação ao princípio da legalidade tributária. E mesmo que fossem válidas as alterações, a sua aplicabilidade está sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal.
O entendimento, contudo, não tem sido unânime. A desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrèrre, do TRF da 4ª Região, em Porto Alegre, negou pedido de liminar a uma empresa, ao entender que não há urgência (processo nº 5000826-20.2022.4.04.0000).
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não retornou até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico
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