Contribuintes que aderirem aos meios alternativos de resolução de conflitos poderão ter multa reduzida
A comissão de juristas criada para reformar os processos administrativo e tributário prevê um canhão de soluções para tirar Fisco e contribuintes da Justiça. Os projetos de lei que começarão a tramitar no Senado incluem desde programas de conformidade e novas regras para a consulta fiscal até a regulamentação de métodos alternativos de resolução de conflitos – mediação e arbitragem.
Como estímulo, oferece redução de multa. Os contribuintes que optarem por aderir aos novos meios serão beneficiados. Hoje, quem sofre um auto de infração recebe, automaticamente, uma multa de ofício. A Receita Federal, por exemplo, aplica 75%. Com a reforma, esse percentual poderá ser calibrado – 75% seria o teto. É o que vem sendo chamado de “dosimetria da pena”.
Para o Fisco, por outro lado, haveria a chance de receber de forma mais rápida e com custos bem menores do que se gasta para manter a massa de processos judiciais.
Fisco e contribuintes têm uma relação marcada por conflito. Além de sufocar o Judiciário – são mais de 38 milhões de discussões fiscais em tramitação -, tumultua o ambiente de negócios. O Brasil tem R$ 5,4 trilhões em disputas entre contribuintes e a Receita Federal, segundo estudo do Insper, o equivalente a 75% do PIB.
“O contribuinte tem que estudar e interpretar a lei, recolher o tributo e ainda precisa ficar cinco anos rezando para ter certeza de que fez tudo corretamente e não será autuado”, diz o advogado Valter Lobato, que participa da comissão.
Esse ambiente de insegurança, frisa, pode mudar se Fisco e contribuintes estiverem mais próximos. “Não é que deixará de existir litígio. Mas hoje existe litígio até quando não há interpretação divergente”, afirma Lobato.
Há proposta para incluir no Código Tributário Nacional (CTN) o uso de meios de prevenção e resolução de conflitos por municípios, Estados e União e também para criar novas leis, regulamentando algumas das hipóteses citadas no código.
Duas leis são específicas para a União: a da Consulta Fiscal e de Mediação. A outra, da Arbitragem, abrangeria todos os entes.
A comissão de juristas foi instituída em março por ato conjunto do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de reduzir a litigiosidade tributária. Um pacote com oito anteprojetos de lei foi entregue na semana passada. Agora, a expectativa é a criação de uma comissão especial para dar agilidade à tramitação das propostas.
“Ficou claro que o caminho seguido até hoje, da cobrança conflituosa, adversarial, se esgotou. Não está mais dando certo pra ninguém”, afirma Manoel Tavares de Menezes Netto, coordenador-geral da Representação Judicial da PGFN e membro da comissão.
As propostas para reduzir a judicialização têm dois eixos. Um é a prevenção e, para isso, foram criados mecanismos como programas de conformidade, autorregularização e a Lei da Consulta Fiscal. O outro eixo são os meios consensuais e alternativos de resolução de conflitos: transação, mediação e arbitragem.
O programa de conformidade que se pretende incluir no CTN, por exemplo, possibilita que a administração pública crie um canal de diálogo e cooperação – especialmente com o setor produtivo. Existe, atualmente, um projeto caminhando nesse sentido em âmbito federal, chamado Confia. Está sendo desenhado pela Receita Federal em parceria com grandes contribuintes.
A ideia é criar uma estrutura que permita uma espécie de consulta mais personalizada. A empresa poderia abrir operações e planejamentos para o Fisco opinar previamente, o que evitaria cobranças futuras.
A comissão de juristas coloca os programas de conformidade na lista de atenuantes para reduzir a multa de ofício. Os contribuintes que aderirem – tanto na esfera federal, como estadual e municipal – poderão ter diminuição de até 50% na pena.
Já a proposta de criação da Lei da Consulta, que atinge especificamente a União, torna mais efetiva a comunicação com o contribuinte. Atualmente, há as soluções de consulta, mas estão previstas só em normas internas e não têm alcance tão amplo como o que se pretende dar.
Hoje, por exemplo, se o fiscal não compreendeu bem os fatos descritos, indefere o pedido. Já a comissão obriga o fiscal a dar oportunidade para o contribuinte esclarecer o que está perguntando. Além disso, depois da resposta, teria direito a embargos de declaração – recurso para sanar possíveis dúvidas.
As consultas passariam a ser públicas e vinculantes. Haveria mudanças, ainda, nos prazos para as respostas. O limite, que hoje é de 360 dias, passaria para 120.
O outro eixo da proposta da comissão, que inclui meios consensuais e alternativos de solução de conflitos, prevê mais força às transações. Esse instrumento permite que contribuintes e Fisco sentem à mesa para negociar.
A União vem utilizando esses meios desde 2020, quando foi editada lei com os requisitos para os acordos, incluindo descontos e parcelamentos que podem ser concedidos. De lá para cá, foram renegociados mais de R$ 300 bilhões pela PGFN.
O CTN já prevê a possibilidade de transação. O que a comissão de juristas propõe é um texto mais detalhado, com diretrizes para Estados e municípios. Hoje, apesar da experiência da União, são poucos os que usam esse instrumento.
Já a Lei da Mediação Tributária que está sendo proposta seria específica para a União. O texto prevê reduzir 70% da multa de ofício para o contribuinte que optar por resolver o seu conflito por esse meio.
Já existe um exemplo concreto de mediação tributária. Desde março, em Porto Alegre, virou lei. No mesmo mês, foi divulgado o primeiro grande acordo, com a concessionária do aeroporto Salgado Filho, a alemã Fraport.
“Precisamos prevenir litígios e esse é um caminho a seguir. O projeto da comissão se baseia integralmente na lei de Porto Alegre”, diz Ricardo Almeida, assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), que participou do desenvolvimento do projeto de mediação do município.
Na arbitragem, no entanto, a solução não é consensual. A proposta se assemelha à arbitragem comercial. Aqui, árbitros especializados nos temas são escolhidos pelas partes e decidem o caso – sem possibilidade de recurso à Justiça.
Há uma diferença importante, no entanto, entre os dois modelos. Na arbitragem comercial, o processo e as decisões são confidenciais. Na tributária, tudo seria público.
O projeto estabelece as regras gerais e a administração pública, por ato próprio, indicaria temas, processos e valores que aceitaria discutir.
O contribuinte, ao optar por esse meio, também teria redução de multa. Antes da instauração do processo administrativo, seria de 60%, durante 30% e, se o caso já estiver no Judiciário, de 20%.
Fonte: Valor Econômico