Espera-se que o STF, no julgamento, não tenha por base somente argumentos de cunho econômico, mas leve em consideração os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima
A controvérsia acerca da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias foi objeto de longa discussão no passado. Referida controvérsia envolvia a própria definição da natureza jurídica da verba: se remuneratória ou indenizatória.
O tema em questão, não obstante, continua gerando grande insegurança jurídica para os contribuintes, pois ao longo dos últimos anos diversas empresas ajuizaram ações judiciais respaldadas em decisão com efeito vinculante, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e na própria jurisprudência, à época, pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF). Outros contribuintes simplesmente deixaram de recolher os valores da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias. Há casos de empresas que obtiveram decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias com fulcro na então jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, e agora se viram obrigadas a rever internamente tal posicionamento.
Com efeito, em 2014, o STJ, por meio do julgamento do REsp nº 1.230.957/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, fixou o posicionamento no sentido de que o terço constitucional de férias não deveria sofrer a incidência de contribuições sobre a folha de pagamento.
Em linha com esse julgamento, o STF entendia que a discussão relativa à natureza jurídica do terço constitucional de férias, para fins de incidência da contribuição previdenciária, teria caráter nitidamente infraconstitucional.
A própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio da Nota PGFN/CRJ nº 115/2017, recomendou que o referido tema fosse incluído na lista de dispensa de contestação e recurso.
Contudo, para surpresa de todos, em 2020, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.072.485/PR (Tema 985), o STF deu uma guinada de 180 graus no posicionamento sobre o tema, tendo fixado a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.
De fato, houve uma mudança de entendimentos no próprio critério adotado para solucionar a controvérsia: ao invés de se considerar apenas a natureza jurídica da verba, se indenizatória ou remuneratória, passou-se a analisar também se a parcela paga a título do terço constitucional de férias seria habitual, ou não.
Dessa forma, foram opostos diversos embargos de declaração buscando, entre outras finalidades, a modulação dos efeitos da decisão. Em 26 de março de 2021, deu-se início à análise dos embargos de declaração em ambiente virtual, tendo esse julgamento sido interrompido por pedido de destaque do ministro Luiz Fux, pelo que o julgamento dos embargos de declaração será reiniciado em sessão presencial do Plenário, o que permitirá os ministros, mesmo aqueles que já votaram, a alterarem os seus posicionamentos, se for o caso. Não obstante, até o momento, a maioria dos votos está a favor da modulação.
Ato contínuo, a Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat) requereu a suspensão nacional dos processos que tratassem da mesma matéria versada no Tema nº 985, até o julgamento definitivo dos embargos de declaração opostos em face do acórdão paradigma produzido pelo Tribunal Pleno.
Em decisão prolatada em 26 de junho, o ministro André Mendonça deferiu o pleito da Abat, para determinar a suspensão nacional de todos os processos – judiciais e administrativos – potencialmente atingidos pela possível modulação de efeitos da referida decisão. A suspensão permanecerá em vigor até que o Plenário do STF julgue definitivamente os mencionados embargos de declaração.
Ao deferir o pleito de suspensão, o ministro André Mendonça teve em mente (i) evitar resultados anti-isonômicos entre contribuintes em situações equivalentes, tendo em vista a existência de decisões monocráticas de ministros do STF que determinaram o sobrestamento na origem de processos que versam sobre o Tema nº 985; e, (ii) a ausência de previsão do julgamento definitivo dos embargos de declaração vis-à-vis o cenário encontrado no Plenário Virtual, em que se verificava, até o pedido de destaque, uma discordância entre os ministros da Suprema Corte sobre a modulação de efeitos.
Como se não bastasse todo esse cenário de insegurança jurídica, não se perca de vista que a situação dos contribuintes foi ainda agravada com o recente julgamento dos Temas 881 e 885, nos quais o STF decidiu pela quebra automática da coisa julgada em matéria tributária.
Portanto, caso não haja modulação dos efeitos da decisão referente ao Tema nº 985, até mesmo os contribuintes que deixaram de recolher a contribuição previdenciária em exame com base em decisão judicial transitada em julgado poderão vir a ser afetados. Ou seja, na hipótese do novo entendimento do STF ser aplicado a essas situações, em tese, não seria sequer necessário o ajuizamento da ação rescisória por parte da Fazenda Nacional.
No que se refere à aplicação da modulação dos efeitos de decisões pelo STF em processos tributários, o instituto em questão tem sido aplicado majoritariamente a favor do Fisco.
Nesse contexto, quando do exame do pleito de modulação dos efeitos da decisão prolatada nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.072.485/PR, espera-se que o STF não tenha por base somente argumentos de cunho econômico, mas leve em consideração os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, assegurados pelo artigo 927, parágrafo 3º, do CPC para os casos, tais como o presente, em que houve um cenário de boa-fé do contribuinte e de evidente alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores sobre a discussão.
Fonte: Valor Econômico