Medida permitirá obtenção de maior desconto para quitação de débitos em transação tributária
Uma decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou a mudança do rating de um contribuinte, o que permitirá a obtenção de maior desconto na negociação de débitos tributários com a União – a chamada transação tributária. A empresa terá uma nova classificação da capacidade de pagamento (Capag).
A decisão, segundo advogados, é fruto da pouca clareza dos critérios usados pela Fazenda Nacional para avaliar a capacidade de pagamento dos contribuintes. Apesar de ser uma tutela provisória (espécie de liminar), a medida é vista como importante precedente para as demais transações em andamento.
Recente balanço da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre transações tributárias revela que, desde 2020, o instrumento ajudou a União a regularizar R$ 466,6 bilhões em dívidas.
O caso analisado pela Justiça é de uma indústria do setor de óleo e gás, com dívidas tributárias de aproximadamente R$ 22,3 milhões – R$ 11,77 milhões de principal e R$ 10,6 milhões de juros, multa e encargos. Como ela precisava de uma certidão negativa de débitos para operar para a Petrobras, decidiu fechar uma transação com a Fazenda Nacional.
Para a negociação, a PGFN se baseia na capacidade de pagamento. A Portaria nº 6757, de 2022, traz as classificações A, B, C, e D. A “D”, por exemplo, é a de quem tem créditos considerados irrecuperáveis, inscritos na ativa há mais de 15 anos. Quanto menor essa capacidade, maiores são os benefícios na transação.
” O que incomoda é a falta de clareza nos critérios e a demora”
— Florence Haret
Essa indústria fez uma consulta com a Fazenda Nacional e teria capacidade “C”. Na prática, daria a ela a possibilidade de pagar o que deve em 120 parcelas, com redução de 100% de juros, multa e encargos. Ainda seria possível usar prejuízo fiscal e base negativa da CSLL.
Mas enquanto se preparava financeiramente para firmar a transação, foi surpreendida, de acordo com o processo, com uma mudança do seu rating pela PGFN. Foi colocada na categoria “B”. Nela, só teria direito a parcelar a dívida em até 60 vezes, sem redução de juros, multa e encargos.
Segundo o advogado Janssen Murayama, do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, que representa a indústria no processo, o faturamento dessa empresa aumentou, mas, ao mesmo tempo, ela foi se endividando para manter o capital de giro. “Contratamos dois laudos mostrando que piorou a capacidade de pagamento da empresa”, diz.
Na portaria da transação está previsto que é possível impugnar decisão da Fazenda Nacional sobre a Capag (artigo 27). “Antes de entrar com a ação judicial pedimos a revisão da capacidade de pagamento, o que foi indeferido porque, conforme as métricas do sistema, estaria correto”, afirma Murayama. “Mas a dívida correspondia a três vezes o patrimônio líquido da indústria”, acrescenta.
Ao analisar a ação anulatória, o juiz Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu que a empresa teria Capag “C” para a transação. “Tendo em conta não estar clara a metodologia utilizada pela Fazenda para a alteração da classificação da autora, em prejuízo da contribuinte, considero verossímeis as alegações da parte autora, especialmente considerando a documentação apresentada juntamente com a inicial, que contém indicativos da efetiva piora na situação financeira da empresa”, diz (processo nº 5071493-74.2023.4.02.5101).
Já há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Capag, mas só em relação a acordos entre a União e Estados. “São casos em que a União alterou a métrica, isso aumentou o valor das parcelas e os Estados contestaram”, afirma Murayama. Em uma das recentes ações, o Estado do Rio Grande do Norte obteve tutela provisória favorável (ACO 3.596).
Para o advogado, o precedente obtido pela indústria é importante para outras empresas endividadas que questionem as métricas usadas pela Fazenda Nacional na transação. “Não é só o faturamento que determina a capacidade de pagamento”, aponta. “E demonstramos que a empresa quer se regularizar.”
Especialistas em geral criticam o fato de haver pouca transparência sobre o que leva o contribuinte para o enquadramento A, B, C ou D. “Essa decisão judicial é fruto dessa pouca clareza”, diz Leonardo Martins, sócio do tributário do Machado Meyer.
Embora a portaria da Fazenda Nacional traga os critérios para identificação da Capag, acrescenta o advogado, é a procuradoria que analisa e gera o rating. “Em um estado democrático de direito, o contribuinte tem que saber exatamente quais os critérios usados até para permitir que ele peça a revisão da Capag de modo fundamentado”, afirma.
No Machado Meyer, segundo o tributarista, há muitas negociações e pedidos de revisão em andamento. “Nada judicializado ainda, mas é um caminho provável o da ação anulatória se algo semelhante ocorrer”, diz Martins. “E essa decisão da Justiça do Rio pode servir de precedente.”
Florence Haret, sócia tributária do NHM Advogados, lembra que a transação é benéfica tanto para os contribuintes quanto para a Fazenda. “O que incomoda é a falta de clareza nos critérios e a demora”, afirma. Para ela, tudo relativo à transação tem que estar na lei, não em portarias. “Isso traria mais segurança jurídica para o contribuinte montar um plano efetivo para negociação.”
A advogada não conhecia decisão judicial favorável à mudança da Capag de uma empresa. Lembra de um acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de março, que manteve o indeferimento de pedido de alteração (processo nº 5008342-57.2023.4.04.0000). Ela destaca que, além de a tutela provisória ser um precedente, é relevante por deixar claro que “com um laudo técnico e documentos contábeis redondos, fica mais fácil transacionar”.
Florence aponta, contudo, que se o procurador não tem disponibilidade para explicar a decisão da Fazenda, há violação do direito ao devido processo legal. “Também já sei de mandados de segurança propostos no Judiciário porque, como não há prazo para a PGFN se manifestar, muitas vezes, o contribuinte perde o prazo para entrar em uma transação excepcional”, afirma.
Quanto à decisão da Justiça do Rio, a PGFN diz que avalia eventual interposição de recurso. Por meio de nota, afirma que todo contribuinte tem acesso e conhecimento integral das métricas usadas para estimar sua capacidade de pagamento e pode apresentar pedido de revisão.
“Nessa oportunidade, poderá apresentar seu fluxo de caixa e a demonstração contábil resultados do exercício, de modo a evidenciar, com vistas à preferência do crédito tributário, a margem financeira disponível para pagamento do passivo fiscal”, diz.
Fonte: Valor Econômico