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A aposta no ‘jogo da tributação’

Foto Freepik

Aspectos tributários da regulamentação das apostas esportivas no Brasil

As apostas esportivas foram autorizadas no Brasil em 2018 pela Lei 13.756/2018 e, apesar de o prazo para regulamentação ter se encerrado no final de 2022, ainda não receberam a devida normatização, seja no campo regulatório, seja no aspecto da tributação dos operadores de apostas online, conhecidos por “bets”.

Atualmente, em razão desse vácuo regulatório, todas as “bets” que anunciam no Brasil estão estabelecidas no exterior, o que significa que o país deixa de arrecadar anualmente bilhões de reais com a tributação dos lucros advindos de tal atividade. Daí porque a regulamentação dos operadores de apostas esportivas é cada vez mais urgente.

Desde março deste ano, tramita no Senado o PL 845/2023 e, no mês de maio, uma minuta de proposta de medida provisória foi apresentada pelo Ministério da Fazenda a outras pastas do governo[1]. Circularam notícias, também, de uma eventual negociação entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para transformar a MP das apostas esportivas em projeto de lei[2], mas até então não se tem notícia de qualquer evolução sobre a matéria.

A norma obrigaria as “bets” que divulgam sua marca em uniformes de clubes de futebol do país e que pretendem receber apostas de IPs brasileiros a se estabelecerem no Brasil, com o pagamento ao governo de uma licença de operação, a submissão a uma série de aspectos regulatórios e ao pagamento de tributos no país, com destaque para a criação de uma contribuição incidente sobre a receita bruta de jogos obtida por tais empresas (“Gross Gaming Revenues” – GGR).

Quanto aos apostadores, o art. 31 da Lei 13.756/2018 estabelece a tributação na fonte dos prêmios recebidos a uma alíquota de imposto de renda de 30%, com isenção, para cada ganho, sobre o valor do prêmio que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), atualmente de R$ 2.112.

Segundo informações do assessor especial do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, existiu uma discussão sobre a diminuição da tributação para 15%, porém sobre todas as apostas e sem faixa de isenção. Contudo, após constatarem que 75% dos prêmios são abaixo de R$ 2.112 (ou seja, dentro da faixa de isenção), bem como participarem de reuniões com empresas e associações, decidiram manter a disposição já existente na Lei 13.756/2018[3].

A tributação é a mesma aplicada aos prêmios de loterias, o que vem sendo criticado por entidades do setor[4], que destacam diferenças essenciais entre os tipos de apostas. Neste sentido, observam que enquanto a loteria convencional está baseada tão somente na sorte, já que as probabilidades de um evento acontecer são fixas, imutáveis e matematicamente aferidas, as apostas esportivas contam com probabilidades variáveis e precificação que necessariamente envolve um trabalho de análise de estatísticas, índices de performance, fatores circunstanciais e climáticos e uma série de outros aspectos que podem alterar as probabilidades. Assim, diferentemente das loterias convencionais, onde o jogo é puramente aleatório e não exige nenhuma habilidade, nas apostas esportivas há condições para que o apostador seja profissional, valendo-se do estudo das probabilidades do evento, de modo que possa auferir ganhos de valores consideráveis, constantes e de longo prazo.

Outro aspecto importante de diferenciação é o de que, nas loterias, o valor a receber é incerto e depende do número de ganhadores, já nas apostas esportivas o valor do prêmio é definido antes mesmo de a partida terminar. Por isso, aliás, diz-se que na loteria a aposta é contra outros apostadores, uma vez que quanto mais ganhadores houver menor será o prêmio, enquanto nas apostas esportivas as apostas são feitas contra a casa, pois o valor do prêmio independe do número de ganhadores.

A defesa de um sistema em que os prêmios pagos aos jogadores não sejam tributados leva em conta tais diferenças, aliadas à constatação de que apostadores perdem mais dinheiro do que ganham, havendo estudo a demonstrar que haveria cerca de 97% de chance de o lucro do apostador ser na verdade prejuízo[5].

O fato de ainda não existir regulamentação no Brasil não significa, porém, que os apostadores não devam tributos sobre os valores dos prêmios recebidos das “bets” estrangeiras. Pelo contrário.

Por meio da Solução de Consulta Cosit 61/2018, a Receita Federal esclareceu que os rendimentos recebidos do exterior por pessoa física residente no Brasil, decorrentes de ganhos em apostas online, estão sujeitos à tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, calculado mediante utilização da tabela progressiva mensal vigente no mês do recebimento (alíquotas de até 27,5%), devendo o imposto ser recolhido até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento do rendimento. Em tal consulta, a Receita Federal também observou que não há previsão legal para a dedução, na apuração da base de cálculo do imposto, de eventuais perdas nas apostas realizadas, o que se soma à crítica das entidades do setor, já que a compensação de perdas poderia minimizar a tributação e revelar a efetiva renda do apostador.

No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), apesar de não se ter notícia sobre julgamentos relacionados às “bets”, o Conselho já analisou casos sobre a validade da cobrança de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre o valor de prêmio pago a ganhador de aposta de corrida de cavalos. A última decisão sobre o assunto, publicada em 19 de junho, cancelou a cobrança de IRRF efetuada contra o Jockey Club Brasileiro, afirmando a validade do Parecer CST 102/1982 – norma que, ao mesmo tempo que reconhece haver isenção para uma específica modalidade de apostas (mediante “pules”), afirma ser devida a tributação quanto aos prêmios pagos na modalidade concurso[6].

Como se percebe, há diversos aspectos a serem considerados e a regulamentação das apostas esportivas, apesar de urgente, precisa ser debatida com o devido cuidado. Ao que tudo indica, há uma disputa entre o Senado, a Câmara dos Deputados e a Presidência da República para regulamentar a Lei 13.756/2018, apostando que a tributação trará uma arrecadação entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões. Diante disso, só nos resta aguardar os próximos trâmites e verificar quem de fato regulamentará a matéria, que promete um “prêmio” de bilhões de reais para os cofres públicos.

Fonte: Jota

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