Para tribunal, direito à exclusão do ICMS do PIS/Cofins vale para qualquer regime fiscal.
Uma decisão inédita do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) garante que o direito à exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins – a chamada “tese do século” – independe do regime pelo qual a empresa é tributada. No caso concreto, a fabricante de bebidas Ambev se livrou de uma autuação fiscal de aproximadamente R$ 400 milhões por compensação tributária indevida (valor atualizado, com juros e multa).
No julgamento da “tese do século”, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o valor do imposto estadual deve ser retirado do cálculo das contribuições sociais por se tratar de receita do Estado, e não do contribuinte (Tema 69). Mas a Receita Federal entende que essa tese não se aplica para setores que apuram o PIS e a Cofins por meio de regimes especiais – como os de bebidas e combustíveis.
Especialistas ponderam que se o direito à exclusão do ICMS não valesse para as empresas desses setores, que calculam o valor das contribuições aplicando uma alíquota fixa sobre a produção por litros ou metros cúbicos, o impacto financeiro da “tese do século” para os cofres da União, que deve superar os R$ 300 bilhões, poderia ser reduzido de forma significativa.
Com a definição da “tese do século”, no ano de 2017, praticamente todas as empresas que pagam PIS e Cofins, entre elas a Ambev, buscaram obter no Judiciário a declaração do direito aos créditos das contribuições sociais com a exclusão do ICMS da conta e de usá-los em compensações tributárias. Contudo, no caso da fabricante de bebidas, mesmo com decisão transitada em julgado (contra a qual não cabe mais recurso), a Receita Federal negou o pedido porque a companhia não apuraria PIS e Cofins sobre receita.
As empresas do setor de bebidas recolhem as contribuições sociais por meio de um regime especial, em que a base de cálculo é a quantidade de litros produzidos – calculados por meio de medidores de vazão aos quais a Receita Federal tem acesso. Advogados das empresas, porém, afirmam que essa seria apenas uma técnica diferente de se medir a receita. O regime especial de tributação das bebidas consta na Lei nº 10.833, de 2003. O dos combustíveis, na Lei nº 9.718, de 1998.
A decisão do Carf corrobora a argumentação dos contribuintes. “Entendo, neste ponto, que a adoção do regime já disposto inicialmente, mediante mensuração por unidade de litro, para se contabilizar a operação de venda, por se utilizar de preços médios de mercado, em nada desconfigura o conceito de receita e faturamento, constitucionalmente disposto, de modo que deve a fiscalização guardar devida observância e exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme mandamento judicial”, afirma em seu voto a relatora do caso, a conselheira Mariel Orsi Gameiro (processo nº 10880.908971/2022-17).
Esse é o primeiro caso sobre o assunto julgado pelo Carf, segundo especialistas. A decisão foi proferida, por unanimidade, pela 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento. Por isso, é um importante precedente para outras empresas que também se submetem a regimes especiais para o pagamento do PIS e da Cofins.
Adoção do regime especial em nada desconfigura o conceito de receita”
— Mariel Gameiro
Essa insegurança tributária eclodiu no ano de 2019, quando a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 177, passou a orientar os fiscais do país no sentido de que empresas sob regime diferenciado de apuração não têm como excluir o ICMS do PIS e da Cofins. O argumento adotado foi o de que, nessa situação, o imposto estadual não estaria explícito na base de cálculo das contribuições sociais. A consulta havia sido feita por uma empresa do setor de combustíveis.
O advogado tributarista Fabio Calcini, sócio do escritório Brasil Salomão e Mathes Advocacia, destaca que várias dessas empresas, dos setores de bebidas e combustíveis, têm créditos de PIS e Cofins parados até hoje por insegurança jurídica. “Temos dado parecer na mesma linha da decisão do Carf, indicando que a empresa pode compensar e usar o crédito. Não indicamos judicialização”, afirma.
Segundo o tributarista Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto Advogados, essa decisão poderá ser útil para outras empresas, como clientes do escritório do setor de bebidas, porque demonstra o que a banca tem defendido na esfera administrativa. “Embora seja de câmara baixa e ainda caiba recurso da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional], a decisão é importante porque para a discussão subir para a Câmara Superior do Carf só se houver algum acórdão paradigma, sobre o mesmo assunto, em sentido contrário, o que desconhecemos”, afirma.
Por meio de nota, a Ambev afirmou ao Valor que “a decisão do Carf se pautou nos aspectos técnicos e jurídicos, reafirmando que a postura da companhia seguiu
e segue a correta interpretação e aplicação da legislação tributária brasileira”.
Procurada pelo Valor, a PGFN informou que não vai comentar a decisão do Carf.
Fonte: Valor Econômico