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Carf admite dedução de multas não tributárias do IRPJ

Decisão representa mudança de entendimento da Câmara Superior

Empresas multadas por órgãos reguladores, ambientais ou de proteção ao consumidor ganharam um importante precedente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A 1ª Turma da Câmara Superior, última instância do órgão, entendeu que essas penalidades podem ser abatidas do Imposto de Renda (IRPJ).

A decisão, por maioria de votos, representa, segundo especialistas, uma mudança de entendimento da Câmara Superior, que até então vinha negando a dedução de multas não tributárias – aplicadas, por exemplo, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Ibama ou Procon.

A discussão envolve o artigo 311 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580, de 2018). O dispositivo trata da possibilidade de dedução das despesas “necessárias, usuais ou normais” do cálculo do Imposto de Renda. Mas não especifica o que estaria autorizado.

Nos processos, os contribuintes alegam que essas multas não tributárias devem ser consideradas como despesas necessárias, uma vez que fazem parte do risco do negócio. Argumentação que foi aceita recentemente pela 1ª Turma da Câmara Superior.

O caso analisado é de uma empresa produtora de açúcar, etanol e bioeletricidade da Bahia, que deduziu do IRPJ o que teria pago de multas do Instituto do Meio Ambiente (IMA). A decisão foi dada em recurso da Fazenda Nacional contra acórdão a favor do contribuinte de turma ordinária (processo nº 10530.721720/2014-81).

‘ Essas multas são muito comuns, em decorrência das atividades das empresas”
— Leandro Cabral

A Fazenda Nacional alega, no recurso, ser inconcebível multas de natureza não tributária serem consideradas dedutíveis. Entende não serem necessárias para a atividade empresarial, além de decorrerem da falta de zelo do contribuinte.

O relator, conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, representante da Fazenda, aceitou a argumentação da Fazenda Nacional, mas ficou vencido. Para ele, “admitir a dedução da multa e, por consequência, reduzir o pagamento do IRPJ da infratora equivale a dividir o custo da infração com a sociedade”.

Ele destaca, no voto, que entre as atividades exercidas pela empresa está a fabricação de açúcar e álcool, que no seu processo produtivo elimina um resíduo conhecido como vinhaça. Esse resíduo, se não tiver um tratamento adequado e for descartado em rios ou diretamente no solo, acrescenta, provoca sérios danos ambientais, como morte de peixes por falta de oxigênio, “o que afeta direta e imediatamente toda a população ribeirinha, provocando dano de valor social e ambiental incalculável”.

A divergência foi aberta pelo conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, também representante da Fazenda. Ele destaca, no voto, que, desde 2017, tem o entendimento de que a lei só impede a dedução de multas tributárias, mais especificamente daquelas que tratam do descumprimento de obrigação principal – ou seja, aplicadas em autos de infração.

De acordo com Mendes, as multas pelo descumprimento de deveres tributários diversos da falta de pagamento de tributos podem ser deduzidas por expressa previsão legal, conforme o parágrafo 5º artigo 41 da Lei nº 8.981, de 1995. E no caso das multas de natureza não tributária, acrescenta, “não faz sentido considerar indedutíveis”, por não haver previsão em lei que proíba.

“Podemos dizer com a mais absoluta segurança que é praticamente impossível, em muitos setores econômicos, conseguir guiar um empreendimento sem arcar com multas impostas pela administração pública. O risco faz parte do negócio, e suas consequências também, inclusive aquelas de cunho pecuniário punitivo”, diz ele em seu voto.

Leandro Cabral, do escritório Velloza Advogados, afirma que a decisão altera o posicionamento que predominava na Câmara Superior. Em decisão publicada em 2008, por exemplo, cita, a mesma 1ª Turma impediu a Light Serviços de Eletricidade de descontar da base de cálculo do IRPJ e da CSLL multas aplicadas pela Aneel, que somam R$ 7,8 milhões. A dedução foi realizada em 2007 (processo nº 1401-001.793).

Para o especialista, a nova decisão foi acertada. Se não existe lei para vedar a dedução de multas não tributárias do IRPJ, diz, a medida seria permitida. “Se por lei é expressamente permitida a dedução de multas que não decorrem de falta de pagamento de tributo, mais razão ainda teria para as multas não tributárias.”

Cabral considera que não se pode aceitar o argumento da Fazenda de que a dedução seria quase um incentivo para tomar multa. “Não faz sentido. É como se a empresa trabalhasse para tomar multa. Se ela toma uma multa de R$ 1 milhão, poderia deduzir 34% do Imposto de Renda, que seria R$ 340 mil. Não compensa”, afirma ele, acrescentando que o precedente pode ser usado por outras empresas que deduziram do IRPJ valores de multas. “Essas multas são muito comuns, em decorrência das atividades das empresas.”

Segundo o advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, o mais importante da decisão é o reconhecimento do Carf de que o exercício da atividade empresarial implica necessariamente assunção de multas e penalidades. “Isso é inerente ao exercício das atividades empresariais, sobretudo nas entidades reguladas por entes públicos”, diz. ”Não é uma despesa que elas querem ter, mas têm por necessidade.”

Faro afirma que, no caso de receitas, sendo elas lícitas ou ilícitas, serão tributadas. “Na mesma perspectiva, a despesa necessária por conta de um descumprimento de obrigação também tem que ser considerada em nome da neutralidade tributária.”

Fonte: Valor Econômico

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