Negociações com governo ocorrem no momento em que se busca reduzir os preços das passagens
Representantes das maiores companhias aéreas do Brasil pediram ao Ministério da Fazenda uma negociação de dívidas tributárias que totalizam R$ 4 bilhões na intenção de dar um alívio financeiro para o setor, segundo apurou o Valor. As negociações ocorrem com a pasta no momento em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer, de outro lado, que as empresas diminuam os preços das passagens aéreas, ponto que preocupa a equipe econômica pelo peso na inflação.
As empresas alegaram à Fazenda que há dificuldade para aderir às negociações abertas por meio das transações tributárias para os valores que estão na dívida ativa por causa da chamada capacidade de pagamento (Capag), espécie de rating estabelecido para os contribuintes – quanto maior, menor o desconto. Com a revisão da nota, querem que a Fazenda reconheça que sua situação econômica é pior do que foi avaliado anteriormente. As dívidas de todo o setor ultrapassam R$ 30 bilhões, mas as que pediram negociação somam R$ 4 bilhões.
As aéreas estão nas categorias A e B e tentam rebaixar essas notas para C ou D – o que poderia gerar desconto de até 100% em multa, juros e encargos legais. Querem que seja levado em consideração o leasing das aeronaves e o acúmulo de dívidas com outros órgãos, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).
A capacidade de pagamento desconsidera o leasing e as aeronaves acabam entrando na conta como patrimônio. Porém, lembram, terão que ser devolvidas ou substituídas pelas companhias às empresas em algum momento.
Ao mesmo tempo, o governo do presidente Lula tem procurado alternativas para reduzir o preço das passagens aéreas. No fim de dezembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que é justamente isso que preocupa no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). Dados do IBGE mostraram que o componente avançou 47,23 em 2023 no IPCA.
”Deve-se evitar que se crie um incentivo distorcido às empresas”
— Felipe Salto
“O que está nos preocupando em relação ao IPCA é um item, as passagens aéreas. Cresceram nos últimos quatro meses 65%”, apontou o ministro na ocasião. “Já estavam caras quatro meses atrás e agora subiram 65%”, complementou. Semanas antes, o governo anunciou um acordo com as companhias, que se comprometeram a oferecer passagens a preços mais acessíveis aos consumidores.
Na avaliação do ex-diretor da Anac Ricardo Fenelon, sócio do escritório Fenelon Barretto Rost, como o setor “ainda está muito pressionado do ponto de vista financeiro pelos custos da pandemia, qualquer medida do governo que possa aliviar o fluxo de caixa das empresas é muito bem-vinda”.
Porém, para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, ao mesmo tempo em que é positivo aumentar as transações tributárias para resolver conflitos e promover incrementos na receita, é preciso buscar um equilíbrio. “Deve-se evitar que se crie um incentivo distorcido às empresas, no sentido de acumular dívidas para negociar lá na frente. Isso acabaria erodindo a arrecadação tributária a médio prazo”, pondera.
Pedir a revisão da capacidade de pagamento é comum a diferentes setores e empresas, segundo o tributarista Flávio de Haro Sanches, sócio do CSMV Advogados. Ele avalia que o pedido sobre o leasing parece coerente. “Já vi uma empresa, de outro setor, apresentar os dados e mostrar no balanço dificuldades e um cenário de complicação, inclusive com laudo de auditoria, que atestou para a Fazenda que havia dificuldade financeira”, afirma.
O advogado faz um paralelo com a recuperação judicial, em que é importante mostrar que há dificuldade financeira mas também chance de melhoria no futuro. Ele também destaca que existe judicialização por causa da capacidade de pagamento e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se comprometeu a revisar a Capag, por ver como foco de judicialização, justamente o que se tenta evitar com a transação.
Segundo Sanches, havia uma certa caixa preta sobre como era feito o cálculo da Capag e, por isso, criou-se uma tese jurídica para questionar o rating. “Já existe a possibilidade administrativa de pedir para a procuradoria a revisão, justamente porque eles querem evitar a judicialização”, afirma.
De cada dez transações, em cerca de três há pedido de revisão da Capag e um é concedido, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) do segundo semestre de 2023. Na época havia na Justiça 71 casos de questionamento do rating (classificação) aplicado pela Fazenda, com 18 recursos na segunda instância, sendo que 15 foram negados em primeiro grau.
Em outubro de 2023, a Portaria nº 1.241 teve como objetivo tornar mais transparente o cálculo realizado para medir a capacidade de pagamento. Foi aberto no site do órgão um caminho para que possam questionar os enquadramentos.
A portaria determina que a PGFN oriente o contribuinte sobre como pedir a revisão da Capag, quando ele entender que os dados usados não foram adequados e que o rating não reflete sua atual situação. A norma ainda abre a possibilidade de o devedor apresentar recurso se for negado pedido de revisão. E garante a apresentação de novo pedido, quando julgado definitivamente o anterior, se demonstrada a ocorrência de fato superveniente que afete a análise original da capacidade de pagamento.
Fonte: Valor Econômico