Brechas da legislação do Perse podem gerar diversas interpretações e autuações fiscais
Empresas direta ou indiretamente relacionadas ao setor de eventos e turismo — hotéis, bares e restaurantes, entre outros — devem ficar atentas, segundo especialistas, a lacunas da legislação do Perse, o Programa Especial de Retomada do Setor de Eventos e Turismo, que podem levar a autuações fiscais. O objetivo do programa é compensar o impacto econômico negativo da pandemia.
O Perse traz vantagens para a renegociação de dívidas tributárias, facilita o acesso a crédito e prorroga a validade de certidões negativas, que comprovam que a empresa está com tudo em dia. Um dos benefícios mais atrativos da lei é a redução a 0% do PIS, Cofins, CSLL e IRPJ por cinco anos.
O programa entrou em vigor por meio da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021. O advogado Ricieri Calixto, coordenador tributário do escritório Salamacha Advocacia, entretanto, afirma que brechas da legislação do Perse podem gerar diversas interpretações por contribuintes e fiscais.
“Há detalhes legais e contábeis na lei que podem fazer a diferença no momento de a empresa aproveitar o benefício com governança ou, no pior cenário, gerar risco, se mal executada”, destaca Calixto, especialista em Contabilidade e Finanças e em Direito Tributário.
Para ajudar empresários do setor de turismo e eventos a sanar dúvidas a respeito da lei, o Salamacha Advocacia elaborou um e-book, que contém informações sobre a aplicação do programa. Conforme Calixto, há cinco principais armadilhas que podem gerar transtornos aos empresários. Confira:
1) CNAE na lista de atividades beneficiadas
Isso não é o suficiente para usar o Perse. O artigo 2º da Lei do Perse define como “pertencentes ao setor de eventos” as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem direta ou indiretamente as atividades de eventos, hotelaria, cinema e turismo. Já a Portaria do Ministério da Economia (ME) nº 7.163/2021 trouxe a listagem de CNAEs para os quais o programa é aplicável. Mas é preciso que a sua inclusão e utilização seja anterior à data de 4 de maio de 2021. Também é necessário considerar, conforme Calixto, se há faturamento relevante por meio dessas atividades, e se as empresas realmente atuam no ramo.
2) Uso do programa por empresas relacionadas ao turismo
Não é automático. O Anexo II da Portaria ME nº 7.163/2021 trouxe a lista de códigos CNAE das atividades que se enquadram no inciso IV do artigo 2º da Lei do Perse, que trata da “prestação de serviços turísticos”. Mas, além do CNAE prévio à publicação da lei, é exigida inscrição regular no Cadastur desde 4 de maio de 2021. Ao exigir o Cadastur, a portaria trouxe limitação não prevista na Lei do Perse, o que violaria o princípio da legalidade estrita tributária, de acordo com Calixto. As empresas injustamente excluídas do Perse, acrescenta, podem procurar o Judiciário para fazer jus aos benefícios, só que sob pena de autuação pela Receita Federal no prazo de cinco anos.
3) Base de cálculo para aplicação da alíquota zero
O artigo 4º da Lei do Perse prevê que ficam reduzidas a 0% as alíquotas de PIS, Cofins, CSLL e IRPJ incidentes sobre o “resultado auferido pelas empresas”, pelo prazo de 60 meses. Contudo, conforme Calixto, o benefício não é para todo e qualquer faturamento. A Receita Federal provavelmente fiscalizará e limitará a utilização desses benefícios apenas sobre as receitas auferidas com os CNAEs previstos na Portaria ME nº 7.163/2021, segundo ele. Pode haver, afirma, autuação fiscal caso a empresa ofereça receitas financeiras, por exemplo, de aluguéis, à tributação a 0%.
4)A partir de quando vale a alíquota zero
Inicialmente, o presidente da República vetou alguns artigos da Lei do Perse. Porém, depois, o Congresso Nacional derrubou esse veto. Dessa forma, só a partir de 18 de março deste ano — e não 4 de maio de 2021 — entraram em vigor alguns dos artigos com os principais benefícios fiscais da lei, inclusive o artigo 4º que trata da alíquota 0%, explica Calixto. Ao considerar a retificação de obrigações para a implementação do programa, a empresa deve atentar-se para não deixar de pagar os impostos de datas anteriores a 18 de março, sob pena de autuação pela Receita Federal.
5) Sair do Simples Nacional para usar o programa
Como a legislação do Simples Nacional impede a cumulação de outros benefícios fiscais, a Lei do Perse não se aplica a esse sistema. Segundo Calixto, empresas de pequeno porte do setor de eventos e turismo podem cogitar sair do regime simplificado e migrar para o lucro real ou presumido. O advogado alerta, porém, que nem sempre a mudança de regime será vantajosa. Os tributos sobre a folha de salários, explica, são muito mais onerosos no lucro real ou presumido, bem como há outros entraves em relação ao ISS e ICMS, já que a complexidade aumenta.
Fonte: Valor Econômico