Sistema multiportas avança no âmbito da Receita Federal
Prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN) como forma de extinção da obrigação tributária[1], a transação fiscal requer, para a devida implementação, a existência de veículo legislativo tratando da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, em razão da indisponibilidade e da supremacia do interesse público sobre o particular[2]. Disto, inicialmente a Lei 10.522/2002 instituiu normas gerais para a cobrança judicial e administrativa da dívida ativa da União, dos estados, do DF e dos municípios, prevendo a possibilidade de celebração de acordos de transação ou de parcelamento entre o devedor e a Fazenda Pública.
Com o paradigma da Lei 13.988/2020, a transação tributária cresceu em diversos Estados, bem como na União. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disponibilizou desde então transações individual, por adesão, conforme a capacidade de pagamento, além da recente encerrada Transação de pequeno valor do Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal.
Em verdade, a transação tributária promove uma gestão dialógica da coisa pública, fomenta a aproximação entre o poder público e os contribuintes, bem como a arrecadação fiscal no País, de suma importância para a retomada fiscal em uma economia claramente fragilizada após o período pandêmico.
Ainda em 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) regulamentou a transação tributária do contencioso administrativo, ou seja, de débitos em disputa na esfera administrativa (inclusive de processos que tramitavam no CARF), sendo ainda mais abrangente do que a transação da dívida ativa quanto à utilização dos créditos de prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL para abater o valor do débito após os descontos, conforme portaria RFB 208/2022. Ademais, a regulamentação da Receita não trouxe as restrições da Portaria 6.941/2022 PGFN, que abrange a negociação de débitos da dívida ativa. No entanto, deixou claro que a autorização para uso dos créditos ficará a critério exclusivo do fisco.
Não obstante as críticas feitas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, acerca da competência da RFB para realizar esse tipo de transação, o órgão continuou a utilizar instrumentos multiportas de resolução de conflitos[3], reduzindo a litigiosidade, além, claro, de facilitar a arrecadação.
Nesse ínterim, a partir de sexta-feira, 5 de janeiro[4], até 1º de abril, está aberto o prazo de adesão ao programa Autorregularização Incentivada de Tributos, criada pela Lei 14.740/2023, sancionada em novembro.
Agora, os contribuintes com pendências com o Fisco poderão quitar as dívidas tributárias sem multa e juros. Será permitido aos contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas, que reconheçam a existência de débitos, paguem somente o valor principal e desistam de eventuais ações na Justiça em troca do perdão dos juros e das multas de mora e de ofício e da não realização de autuações fiscais.
A dívida consolidada pode ser quitada com desconto de 100% das multas e dos juros. O contribuinte pagará 50% do débito como entrada e parcelará o restante em 48 meses. Quem não aderir à autorregularização pagará multa de mora de 20% do valor da dívida[5]. Contudo, somente débitos com a Receita Federal podem ser autorregularizados, isso porque o programa não abrange a dívida ativa da União, quando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional passa a cobrar o débito na Justiça, amenizando os ânimos entre os órgãos.
Quase todos os tributos administrados pela Receita Federal estão incluídos na autorregularização incentivada, com exceção das dívidas do Simples Nacional. Todavia, será possível abater créditos de precatórios, dívidas do governo com o contribuinte reconhecidas pela Justiça em sentença definitiva, tanto próprios como adquiridos de terceiros, a redução das multas e dos juros também não será computada na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, da CSLL, do Programa de Integração Social (PIS), do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) [6].
A transação tributária, uma faculdade para o contribuinte que torna-se obrigatória para a Administração Pública[7], tem como objetivo a busca de soluções consensuais e cooperativas para as disputas fiscais, oferecendo benefícios tanto para a Fazenda Pública quanto para os contribuintes, permitindo a busca de soluções individualizadas, a redução de litígios, a economia de recursos e a preservação das relações entre as partes. De tal modo, o estabelecimento de um diálogo construtivo e a busca por soluções cooperativas além de ser vantajosos para as partes representa importante instrumento de redução da macrolitigância fiscal.
[1] Luís Eduardo Schoueri em adequada advertência menciona que, a despeito do CTN utilizar a expressão ‘extinção do crédito tributário’, em verdade tem-se que o crédito decorre da obrigação porque é ela própria é ela própria identificada, quantificada e exigível. (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 723).
[2] COSTA, Regina Helena. Código Tributário Nacional Comentado: em sua moldura constitucional. 3. ed.. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 390-391.
[3] https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/comunicado-adesao-ao-programa-de-autorregularizacao-incentivada-se-iniciara-a-partir-da-proxima-sexta-feira
[4] COSTA, Regina Helena. Código Tributário Nacional Comentado: em sua moldura constitucional. 3. ed.. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 390-391.
[5] Dados disponíveis em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-01/autorregularizacao-de-dividas-com-receita-federal-comeca-nesta-terca
[6] Lei 14.740/2023, art. 3º § 2º Para efeito do disposto no inciso I do caputdeste artigo, admite-se a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, independentemente do ramo de atividade.
[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 737.
Fonte: Jota