Havendo motivação para a dispensa, não poderia se falar em abusividade da cláusula que prevê a perda do direito
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que é abusiva cláusula contendo previsão de perda do direito às opções que ainda não atingiram o vesting, no contexto de plano de opções de compra de ações (stock option plan – SOP), presumindo como obstativa a dispensa sem justa causa nesses moldes e condenando o empregador a conceder todas as opções ajustadas ao empregado, independentemente do lapso temporal.
Diante dessa realidade, analisamos a celeuma levando em consideração as peculiaridades dos SOPs, o conceito da dispensa imotivada ou arbitrária e, ao fim, a problemática advinda da junção desses dois institutos.
Havendo motivação para a dispensa, não poderia se falar em abusividade da cláusula que prevê a perda do direito
No Brasil, a Lei das Sociedades Anônimas foi a primeira lei a fazer menção à possibilidade compra de ações e criar certos requisitos para sua viabilidade, tais como previsão estatutária de capital autorizado e de outorga da opção de compra com base em um plano aprovado por assembleia geral.
Em resumo, os SOPs preveem uma forma de aquisição ou subscrição de ações da empresa em um determinado prazo de vesting e por um preço previamente determinado ou determinável. Por esse mecanismo, a empresa outorga aos beneficiários por ela eleitos a possibilidade de uma vantagem financeira, dado o potencial lucro desse instrumento quando da valoriza
Para a empresa outorgante, a vantagem do SOP consiste na continuidade do serviço e exploração do know-how do beneficiário em seu favor, bem como no aumento do interesse deste no sucesso da empresa, o que propiciará melhor avaliação do preço das ações no mercado e, consequentemente, maior lucro no momento do exercício das opções concedidas.
Assim, a materialização do SOP é essencialmente contratual e mercantil, devendo ser regida pelos termos e condições acordados entre as partes e, mais do que isso, interpretada de forma restritiva, inclusive diante da liberalidade do ajuste dos termos do instrumento e a ciência dos riscos a ele inerentes, não havendo motivos para se presumir ilegali
É comum que as empresas incluam nos SOPs uma cláusula condicional prevendo a perda do direito às opções em caso de pedido de demissão ou dispensa pelo empregador, com ou sem justa causa, durante o período de vesting. As discussões na Justiça do Trabalho versam sobre essa cláusula.
O atual conceito de dispensa sem justa causa advém da interpretação do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores a “relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Originalmente a Constituição Federal, de forma protetiva, previu segurança absoluta ao emprego, vedando a dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado. Todavia, não há lei complementar regulamentando o artigo constitucional. O Supremo Tribunal Federal, em 1996, em decisão proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 179.193/PE, concluiu que a proteção constitucional se restringe à indenização compensatória, excetuadas condições de estabilidade permanente ou plena.
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que complementou o inciso I, do artigo 7º, da Constituição, vedou a dispensa arbitrária ou sem justa causa apenas dos empregados eleitos para ocupar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e das empregadas gestantes. A CLT, por sua vez, ao tratar dos cipeiros, dispôs em seu artigo 165 que somente é considerada arbitrária a dispensa que “não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”
Portanto, o que se percebe é que a jurisprudência e doutrina majoritárias convergem no sentido de que, como regra, a dispensa imotivada consiste em direito potestativo do empregador, sendo a multa de 40% do saldo do FGTS a indenização cabível ao empregado dispensado.
A recente decisão do TST trouxe como fundamento principal o fato de que a cláusula prevendo perda do direito às opções que ainda não superaram o vesting, no contexto de uma dispensa sem justa causa, representa condição abusiva, presumindo que a dispensa tenha sido maliciosa ou obstativa, já que impediu a aquisição do direito às opções por parte do empregado.
Por outro lado, o TST, ao analisar a questão dos empregados participantes da Cipa, apresenta diversos julgados que avaliam o mérito da dispensa sem justa causa, no intuito de qualificá-la à luz do previsto no artigo 165 da CLT, justificando-a, por exemplo, na hipótese de crise financeira com extinção de estabelecimento.
O acórdão recente, que tratou da dispensa presumidamente obstativa ao SOP, sinalizou na mesma direção, qual seja, de que eventual motivação ou qualificação da dispensa (ainda que sem justa causa) por razões que podem ser de ordem técnica, disciplinar, econômica ou financeira poderia elidir a conclusão de nulidade de cláusula, dada a ressalva expressa feita pelo relator que a conclusão seria diferente se tratássemos de “dispensa por justa causa ou ao menos motivada”. Restou esclarecer quais seriam os motivos aceitos para afastar a presunção de nulidade.
De todo modo, a conclusão a que se chega é a de que, em havendo fundamentos para motivar a dispensa do participante do SOP, ainda que esta seja tecnicamente sem justa causa, não haveria que se falar em abusividade da cláusula que prevê a perda do direito às opções caso ainda não superado o vesting, tampouco em abuso do direito potestativo por parte do empregador.
Fonte: Valor Econômico
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