A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) observará aspectos ambientais, sociais e de governança nas transações tributárias. A partir de 1º de novembro, com base em uma portaria publicada na última segunda-feira (16/10), a procuradoria poderá, por exemplo, propor aumento de prazo a contribuintes que desenvolverem projetos sociais.
A novidade consta na Portaria PGFN 1241/23, que também institui a possibilidade de recurso contra pedidos de revisão da capacidade de pagamento do contribuinte. A norma ainda prevê que seja dada transparência à forma de cálculo da capacidade de pagamento.
Segundo Theo Lucas Borges de Lima Dias, coordenador-geral da Dívida Ativa da União e do FGTS da PGFN, a norma que prevê a observância ao ESG (ou ASG, na sigla em português) consolida algo que já vinha sendo feito pela procuradoria. Ele cita duas transações realizadas este ano com companhias de saneamento do Pará e do Piauí envolvendo cifras bilionárias.
Nestes casos, os acordos foram feitos tendo em vista a ampliação do serviço público disponibilizado. “É basicamente a transação auxiliando em políticas de saneamento básico no âmbito da Amazônia Legal”, afirma o procurador.
Além disso, há notícias de transações nas quais há, como contrapartida, o desenvolvimento de projetos de assistência social ou de erradicação da exploração sexual.
Outra previsão já existente relacionada ao tema consta na Lei 10522/02 e na Portaria PGFN 2382/21, que preveem prazo especial a empresas em recuperação judicial que tenham projetos sociais. Essas companhias têm um período maior para quitar débitos transacionados.
“Isso é algo que já está previsto nas normas da PGFN, mas nunca chamamos de ESG. E como não chamávamos de ESG, não dávamos esse enfoque e esse destaque todo, nós não tínhamos contribuintes nos procurando com esses projetos, e nem ficávamos atentos para explorar e contribuir de alguma maneira no desenvolvimento sustentável a partir da transação”, diz Dias.
De acordo com o procurador, os aspectos ambientais, sociais e de governança serão observados tanto nas transações individuais quanto nas transações por adesão. Com base nesses critérios, a PGFN poderá, por exemplo, conceder maior prazo ou flexibilizar as garantias. “Os aspectos discricionários da transação serão pautados pelos efeitos benéficos ou maléficos que eventualmente decorrerem da tributação, do acordo que for feito, para a sociedade e para os aspectos de desenvolvimento sustentável”, afirma o procurador.
Não poderá, por outro lado, ser concedido desconto maior aos contribuintes, já que esta variável está ligada à capacidade de pagamento da pessoa física ou jurídica.
O tema é especialmente relevante pelo fato de a PGFN estar em fase de elaboração de novos editais de transação, que deverão conter cláusulas relacionadas a ESG. Com base em inovações trazidas pela Lei 14.689/23, segundo a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Ruas de Almeida, podem ser disponibilizadas transações voltadas a temas de PIS e Cofins.
A medida é bem vista por tributaristas consultados pelo JOTA. Houve preocupação, porém, com o subjetivismo que a norma traz e com a necessidade de fiscalização das contrapartidas apresentadas pelas empresas. “Não adianta só prever. Eu acho que temos que ter também como fiscalizar, para que seja de fato uma contraprestação adimplida”, diz a advogada Andréa Mascitto, professora da pós graduação da FGV Direito SP e sócia do Pinheiro Neto Advogados.
Já o advogado Felipe Kneipp Salomon, do Levy & Salomão Advogados, teme que a observância aos princípios passe a ser uma condicionante aos novos acordos. “Dada a subjetividade da norma, há uma preocupação de que a adoção de políticas ASG passe a ser uma condicionante de novas transações. O que é ruim, pois cria-se custo (burocrático e financeiro) que consumirá recursos que poderiam estar sendo melhor aplicados em outras soluções ASG, mais complexas que demandem maior tempo de maturação”, opina.
Transparência e divergências entre PGFN e Receita
Além da mudança relacionada ao ESG, a Portaria PGFN 1241/23 prevê a possibilidade de recurso contra pedidos de revisão da capacidade de pagamento do contribuinte. A norma ainda define que seja dada transparência à forma de cálculo da capacidade de pagamento.
As mudanças são vistas por especialistas como favoráveis ao contribuinte. A capacidade de pagamento é utilizada para a concessão de descontos às empresas: quanto pior a situação, melhores são as condições de pagamento. Muitos contribuintes, entretanto, passaram a questionar, até mesmo judicialmente, a avaliação da PGFN, e apontar que os critérios para a aferição não eram claros.
A portaria também expõe divergências entre PGFN e Receita Federal quando o assunto é transação tributária. Com base em um parecer da AGU que reconheceu como obrigatória a participação prévia da PGFN nas transações, a procuradoria deixa claro que o critério que até então definia como irrecuperáveis os débitos com mais de dez anos em contencioso administrativo fiscal poderá ser flexibilizado daqui para frente.
A regra dos dez anos consta na Portaria 247/ 22, da Receita. Na prática, por serem consideradas irrecuperáveis, essas dívidas poderiam ter condições melhores de negociação. De acordo com a portaria 1241/23, os atos firmados de acordo com esta regra até 16 de outubro ficam convalidados. Daqui para frente, segundo um procurador ouvido pelo JOTA, o assunto será analisado caso a caso.
Fonte: Jota