Entendimento está em recente solução de consulta, que orienta os fiscais do país
A Receita Federal publicou um entendimento com impacto para herdeiros de cotas de fundos fechados de investimento multimercado. Marcou posição de que devem recolher o Imposto de Renda (IRPF) na transferência desse patrimônio para os seus nomes. A tributação ocorre se houver ganho de capital, ou seja, se o valor recebido for maior que o de aquisição declarado pelo investidor original – o pai ou a mãe, por exemplo.
No fim das contas, dizem advogados, esses herdeiros ficam sujeitos a dois impostos: o IRPF, devido à União, e o ITCMD, o imposto sobre doações e herança, exigido pelos Estados. A alíquota do IRPF varia de 15% a 22,5%, a depender do ganho obtido. A alíquota do ITCMD, por sua vez, pode chegar a 8%. Em São Paulo, é de 4%.
“O ITCMD é a regra e está ok. Mas sobre o IRPF existe respaldo em lei para discutir, por isso a manifestação da Receita é absurda”, afirma Alamy Candido, sócio da banca Candido Martins Advogados. “A autoridade fiscal interpreta a regra desconsiderando um fundamento legal, o que é muito grave”, acrescenta.
O Fisco se posicionou por meio da Solução de Consulta nº 245, publicada no dia 1º deste mês. Nela, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) orienta os auditores fiscais do país a fiscalizarem o pagamento do Imposto de Renda sobre essas heranças.
Existem hoje, segundo o governo, 2,5 mil brasileiros com recursos em fundos fechados – que reúnem poucos cotistas e não são abertos ao público em geral. Eles acumulam, juntos, patrimônio de R$ 756,8 bilhões.
As novas regras de tributação de fundos fechados, aprovadas na Câmara dos Deputados e sob análise agora no Senado, podem minimizar o problema relacionado à herança, segundo advogados.
Pela norma atual, os rendimentos só são taxados no resgate das cotas. O Projeto de Lei nº 4.173 estende para os fundos fechados uma taxação periódica, nos meses de maio de novembro. É o chamado come-cotas, que já vale para outros tipos de fundos.
O montante aplicado no fundo, explicam especialistas, estará sempre atualizado a valor de mercado para fins de recolhimento do Imposto de Renda semestral. Logo, não haveria saldo relevante sem tributação para justificar um questionamento na transmissão do patrimônio por herança.
Os questionamentos, acrescentam, tendem a continuar, no entanto, para os fundos que, pelo projeto, estão excluídos do come-cotas, como os de investimento em direitos creditórios (FDIC) e os de investimento em ações (FIAs).
Advogados relatam que existe uma briga entre herdeiros e gestores dos fundos, que exigem que as cotas sejam transferidas a valor de mercado e o Imposto de Renda pago sobre o ganho de capital. Isso, dizem, acaba levando contribuintes a buscar aval na Justiça para o não recolhimento.
“A jurisprudência sobre o assunto ainda não é muito evoluída. Mas a judicialização é a solução para o investidor que se sentir lesado”, afirma Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados.
A manifestação da Receita Federal veio em resposta justamente à consulta de dois herdeiros que discordaram da exigência do imposto feita pelo administrador do fundo.
Na solução de consulta, o órgão frisa que o espólio é o contribuinte, mas a responsabilidade por recolher o imposto é do administrador do fundo ou da instituição que intermediar recursos por conta e ordem de seus clientes.
Advogados de contribuintes argumentam que só haveria imposto a recolher no momento do resgate da aplicação financeira. Citam o artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997.
O dispositivo dá, segundo Juliana Cardoso, sócia do Humberto Sanches e Associados, uma opção ao contribuinte: transferir os bens a valor de mercado ou pelo valor informado na declaração do Imposto de Renda do falecido.
“A decisão de entrar com uma ação judicial varia de acordo com o perfil do cliente. Alguns preferem pelo montante alto envolvido. Mas fato é que orientamos que discuta porque a lei permite a transmissão do bem pelo montante original”, afirma.
Na solução de consulta, a Receita Federal, no entanto, afastou a aplicação do artigo 23. Entende que a transferência de cotas de fundos fechados por herança é um tipo de alienação do ativo, o que justifica a incidência do imposto sobre eventual ganho de capital.
Ao afastar a aplicação do dispositivo, a Receita afirma que o objetivo de permitir a transferência de patrimônio pelo custo de aquisição é evitar que os herdeiros tenham de alienar outros bens (que não os transferidos) para pagar o Imposto de Renda no ato da mudança de propriedade.
“Motivação totalmente inaplicável no caso de fundos de investimento que, sabidamente, possuem, em seu ativo, instrumentos financeiros dotados de liquidez suficiente para serem alienados (em mercado secundário), de forma a fazer face ao pagamento do Imposto sobre a Renda e sem qualquer necessidade de disposição de bens adicionais pelos herdeiros”, afirma a receita.
Existe um precedente recente da Justiça a favor da tese dos contribuintes. A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, foi contra a exigência do imposto na transferência de cotas a uma viúva.
Os desembargadores entenderam que a sucessão por morte não pode ser considerada como resgate dos rendimentos financeiros (processo nº 5012411-08.2017.4.03.6100). A Fazenda Nacional recorreu dessa decisão, mas ainda não há decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fonte: Valor Econômico