Ideia é diferenciar tratamento àquele que age de boa-fé em relação ao devedor contumaz
O pacote de projetos para a reforma do processo tributário, que começará a tramitar no Senado, inclui a criação de um Código de Defesa dos Contribuintes. A ideia é separar aquele que age de boa-fé e tem um histórico de bom comportamento do devedor contumaz, que não quer, simplesmente, pagar tributos.
A comissão de juristas que elaborou a proposta entende que essa diferenciação é importante para que se possa estabelecer tratamentos diferentes para uma e outra situação.
Hoje, por exemplo, todos os contribuintes que sofrem um auto de infração recebem, automaticamente, uma multa de ofício. E costuma ser pesada. A Receita Federal aplica 75% sobre os valores cobrados.
A proposta prevê que os contribuintes com bons antecedentes tenham benefícios. Dentre eles, redução de até 50% da multa de ofício e a possibilidade de pagar os tributos por meio de transação, com direito a descontos e parcelamento, ou resolver os conflitos com o Fisco na mediação ou arbitragem.
O novo código também permitiria acesso a canais de atendimento simplificados para orientação e regularização dos débitos, flexibilização das regras de aceitação ou substituição de garantias e prioridade na análise de processos administrativos (em especial os de devolução de créditos).
Já os contribuintes caracterizados como devedores contumazes, além de não terem direito aos benefícios dos bons contribuintes, seriam tratados com mais rigor. Ficariam impedidos, por exemplo, de aderir a parcelamentos e quitar os débitos com o uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.
Esse contribuinte ficaria proibido, ainda, de propor recuperação judicial ou seguir com o seu processo caso seja caracterizado como devedor contumaz.
“Temos a exata noção de que o sistema tributário é extremamente complexo e as multas são elevadas, o que torna o ambiente de negócios ruim. Há, em geral, uma grande dificuldade de os contribuintes adimplirem as obrigações tributárias. Mas sabemos também que existem aqueles que realmente não querem pagar tributo”, diz o juiz federal Marcus Lívio Gomes que coordena a comissão de juristas dedicada à reforma do processo tributário.
A comissão é presidida pela ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e tem, entre os integrantes, representantes do Fisco, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), advogados de contribuintes e acadêmicos. Na semana passada foram entregues oito anteprojetos de lei ao Senado, que prevê criar uma comissão especial para agilizar a tramitação das propostas.
O Código de Defesa dos Contribuintes que se pretende criar define o conceito de devedor contumaz e estabelece como deve ser a forma de caracterização. A administração tributária – de municípios, Estados e União – teria que instaurar um processo administrativo próprio para caracterizar o devedor contumaz e o contribuinte teria o direito de se defender.
Esse processo só poderia ser instaurado depois da inscrição do débito em dívida ativa, ou seja, depois de todo o processo administrativo de discussão da cobrança. Ficaria a cargo da administração pública, além disso, provar que o contribuinte tem a conduta de devedor contumaz.
O código especifica quais seriam essas condutas: falsificação de documentos, simulação ou dissimulação de atos, negócios ou operações com o intuito de promover fraudes contra o Fisco, prática de sucessão empresarial mascarada, esvaziamento patrimonial, dentre outras.
“Separando o joio do trigo conseguiremos tratar o bom contribuinte da forma correta e, ao mesmo tempo, identificar o contumaz e fazer com que não se misture e não receba o mesmo tratamento”, frisa Eduardo Sousa Pacheco Cruz e Silva, chefe de gabinete da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ e também membro da comissão de juristas.
A distinção entre o bom e o mau contribuinte, com a definição do conceito de devedor contumaz, a forma de caracterização e as sanções às quais estaria sujeito, é uma das principais diferenças desse projeto para um outro, em tramitação na Câmara dos Deputados, que também prevê a criação de um Código de Defesa dos Contribuintes.
Trata-se do PLP 17, apresentado em março pelo deputado Felipe Rigoni (União-ES). Estabelece direitos e deveres, com tratamento diferenciado aos bons pagadores e a proibição de abusos por parte do Fisco. Teve como inspiração o “Taxpayer Bill of Rights”, dos Estados Unidos.
Mas foi duramente criticado por auditores fiscais. Uma carta conjunta assinada, em junho, por entidades que representam auditores federais e estaduais falava que, se aprovado do jeito que estava, impediria o combate à sonegação.
As manifestações contrárias tiveram como efeito a elaboração de um texto substitutivo, apresentado pelo relator do PLP, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Os auditores consideram o texto menos gravoso, mas, ainda assim, veem problemas.
Os auditores federais e estaduais enviaram nova carta aos deputados afirmando que o projeto de lei “ainda apresenta graves retrocessos” e “cria obstáculos à tributação dos maiores contribuintes e ataca a autonomia técnica da administração tributária”.
Esse projeto tramita em regime de urgência. Pode ser votado diretamente no plenário da Câmara. Entrou e saiu de pauta várias vezes – a última delas no dia 31 de agosto.
Fonte: Valor Econômico