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A (não) incidência de PIS e Cofins sobre as bonificações recebidas

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Quando o adquirente apura o PIS e a Cofins pelo regime cumulativo, normalmente aquelas empresas sujeitas a tributação pelo lucro presumido, a base de cálculo do PIS e da Cofins é definida pela receita das operações próprias da empresa, ou seja, a receita decorrente da venda de mercadorias ou prestação de serviços. As bonificações, por serem contabilizadas como “outras receitas”, não compõem esta base cálculo.

É bastante comum que, nas negociações de compra e venda de mercadorias entre empresas, o fornecedor conceda ao adquirente algum tipo de bonificação. As razões para essas concessões são as mais diversas: viabilizar o acesso de determinada marca ou produto ao varejista, incentivar alguma ação comercial, ou simplesmente induzir o adquirente a adquirir um maior volume de produtos. Essas bonificações, geralmente, são previstas em contratos de fornecimento complexos, e podem ser concedidas das mais variadas formas: em mercadorias, em descontos ou até mesmo em dinheiro.

Quando o adquirente apura o PIS e a Cofins pelo regime cumulativo, normalmente aquelas empresas sujeitas a tributação pelo lucro presumido, a base de cálculo do PIS e da Cofins é definida pela receita das operações próprias da empresa, ou seja, a receita decorrente da venda de mercadorias ou prestação de serviços. As bonificações, por serem contabilizadas como “outras receitas”, não compõem esta base cálculo.

Por outro lado, há discussão em relação às empresas que apuram o PIS e a Cofins pelo regime não-cumulativo, pois, neste caso, essas contribuições incidem sobre todas as receitas auferidas, independentemente da sua classificação contábil. É por esta razão que a Receita Federal do Brasil (RFB) entende que as bonificações recebidas, independentemente da forma ou conteúdo do contrato entabulado entre as empresas envolvidas, devem ser tributadas pelo PIS e pela Cofins pela empresa recebedora, uma vez que, de uma forma ou de outra, podem ser contabilizadas como receitas. Isso está retratado na Solução de Consulta nº 202 – Cosit, publicada em dezembro de 2021, buscando unificar o entendimento da administração tributária federal sobre a incidência de PIS e Cofins, quando apurados pelo regime não-cumulativo, sobre as bonificações recebidas em mercadorias.

Ousamos discordar do entendimento da RFB. Assim como não é dado ao contribuinte alterar a classificação contábil de uma receita para fazê-la escapar da tributação, também não é dado ao fisco atribuir a qualquer ingresso financeiro ou movimentação positiva no ativo a condição jurídica de receita, somente porque a quantia é assim classificada pela contabilidade. Neste ponto, vale citar o entendimento da Min. Rosa Weber, no julgamento do RE 606.107:

O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.

Daí que o recebimento de bonificações, independentemente da sua forma ou conteúdo, está sempre atrelado ao fornecimento de mercadorias e, neste quadro, tem a função de atuar como redutor do custo de aquisição, devendo ser contabilizado em conta específica. A receita, por outro lado, deve ser qualificada como “ingresso de recursos financeiros no patrimônio da pessoa jurídica, em caráter definitivo, proveniente dos negócios jurídicos que envolvam o exercício da atividade econômica ou empresarial, que corresponda à contraprestação pela venda de mercadorias, pela prestação de serviços, assim como pela remuneração de investimentos ou pela cessão onerosa e temporária de bens e direitos a terceiros, aferindo instantaneamente pela contrapartida que remunera cada um desses eventos”[1].

Em denso artigo sobre o tema, José Antonio Minatel[2] afirma que:

Dessa forma, sendo “receita” conceito mais abrangente que alcança, inclusive, os ingressos provenientes do “faturamento” (espécie de “receita”), pode-se afirmar que a base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS alcança todos os valores provenientes de operações que reúnam os atributos para serem qualificados como “receita” (gênero) e, diante dessa natureza e magnitude, torna-se irrelevante a “denominação ou classificação contábil” adotada no respectivo registro. Alerta-se que o reverso também é verdadeiro, ou seja, ainda que os valores das “bonificações” ora em estudo sejam registrados contabilmente como “receita” com o objetivo de neutralizar “custos” anteriormente registrados a maior, não cabe incluir tais valores na base cálculo dessas contribuições, em respeito à mesma advertência de que é irrelevante a “denominação ou classificação contábil” adotada.

E complementa o referido autor:

Não se pode falar em “receita” para a adquirente, pois no momento em que concretiza a operação de compra ainda não há atividade inerente à sua obtenção, tampouco ingresso financeiro; pelo contrário, no recebimento de “mercadorias bonificadas”, ou da confirmação de “desconto financeiro” que torna definitiva a redução do custo e confirmação do preço da operação, é pertinente a aferição de conteúdo  de outra realidade: a mensuração dos “custos” dos bens adquiridos, como já mencionado em item precedente em que se definiu a natureza dos valores recebidos a título de “bonificações” e “descontos”.
 

A bonificação interfere, com isto, na mensuração dos estoques, não possuindo a qualidade jurídica de receita, sendo esta definida “como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”[3].

Dadas estas premissas, as bonificações – sejam em mercadorias, descontos ou compensações financeiras, quando vinculados às compras – não devem receber a qualificação jurídica de receita, ainda que assim sejam registradas na contabilidade, com o objetivo de neutralizar registro anterior a maior, uma vez que não preenchem os requisitos necessários para que sejam tidas como receitas e, desta forma, sofrerem a incidência das contribuições ao PIS e a Cofins.

No entanto, reconhecendo o posicionamento contrário do fisco, não é aconselhável que se deixe de submeter as bonificações à incidência de PIS e Cofins sem prévio respaldo de decisão judicial.

Por Samuel Hickmann


[1] MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico Para Sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. p.124.[2] MINATEL, José Antônio. Bonificações e descontos obtidos nas compras: qualificação jurídica impede a incidência de Pis/Cofins. Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, 10 ago. 2018. Disponível em: https://www.ibet.com.br/bonificacoes-e-descontos-obtidos-nas-compras-qualificacao-juridica-impede-a-incidencia-de-piscofins-por-jose-antonio-minatel/. Acesso em: 14 fev. 2022.[3] RE 606107, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-231  DIVULG 22-11-2013  PUBLIC 25-11-2013 RTJ VOL-00227-01 PP-00636

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