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A industrialização por encomenda e a não-incidência de ISS

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Muitas empresas que realizam industrialização por encomenda estão sendo surpreendidas pelos Fiscais de Tributos Municipais, os quais estão intimando os contribuintes que jamais prestaram serviços, a apresentarem Notas Fiscais de Serviços dos últimos 5(cinco) anos.

Muitas empresas que realizam industrialização por encomenda estão sendo surpreendidas pelos Fiscais de Tributos Municipais, os quais estão intimando os contribuintes que jamais prestaram serviços, a apresentarem Notas Fiscais de Serviços dos últimos 5(cinco) anos, bem como sugerindo que efetuem uma espécie de “denúncia espontânea”, sob pena de efetuarem lançamento fiscal relativo à suposta prestação de serviços realizada.
 
A surpresa é grande, pois estas empresas sequer possuem Notas Fiscais de serviços, uma vez que jamais prestaram serviços, apenas industrializam por encomendas produtos destinados à industrialização ou ao comércio.
 
Os Municípios passaram a tentar tributar tais operações em razão da alteração legislativa advinda com a Lei Complementar 116/03, especialmente sobre restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer, como estipulado no subitem 14.05 da lista anexa à citada lei.
 
A cobrança tem gerado ou pode gerar uma onerosidade bastante grande às empresas que realizam essas atividades, apesar de indevidamente cobradas.
 
Mas perguntaria o contribuinte: Como indevida se está na lei?
 
Sim, está na lei, mas esta deve ser interpretada juntamente com uma série de outros dispositivos, fazendo-nos chegar à conclusão de que não incide o ISS sobre a realização das atividades acima relacionadas quando se configuram em atividade meio, estando incluídas no processo de industrialização de um produto.
 
Conclui-se desta forma ao analisar-se a delegação de competência para instituir tributos feita pela Constituição Federal, outorgando aos Municípios a possibilidade de instituírem o ISS sobre as atividades que não estivessem abrangidas pelo ICMS.
 
No caso da industrialização, seja ela feita na sua integralidade por uma só empresa, seja ela pulverizada por uma série empresas, não há a incidência do ISS, já que incide o ICMS e o IPI. É a decorrência lógica do processo produtivo, já que se assim não fosse, a empresa que possui o processo integral de industrialização seria tributada de uma forma e a que encomenda alguns processos teria o seu produto tributado de outra, ferindo o princípio da igualdade, além de atingir o princípio da não-cumulatividade, pois quem adquire produto tributado pelo ISS não tem como adquirir créditos para abater dos débitos de IPI e ICMS, por exemplo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o pagamento do ICMS sobre essas atividades é diferido para a próxima etapa, ao passo que as empresas beneficiadoras não são responsáveis pelo pagamento desse tributo.
 
A incidência do ISS nessas atividades ficaria restrita às situações em que é realizado o serviço a consumidor ou usuário final, em bens deste. É o entendimento da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO E FISCAL. ISSQN. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. NÃO-INCIDÊNCIA. A Constituição Federal ao instituir o sistema tributário nacional estabelece as competências tributárias dos entes federados e define os tipos tributários. A competência constitucional tributária delimita a definição positiva e negativa dos tipos tributários e condiciona o legislador complementar de modo que este, nem mesmo dentro da atribuição prevista no art. 156, III, da CF/88, pode redefinir os termos constitucionais a ponto de degenerar o tributo. A industrialização terceirizada ou por encomenda não se confunde com prestação de serviços. E não sendo prestação de serviço, não pode a Lei Complementar ser interpretada de modo a colocá-la na Lista de Serviços como sendo serviço de qualquer natureza tributável pelo Município, seja porque a Constituição Federal não dá competência aos Municípios para tributar o que não seja serviço de qualquer natureza, seja porque a tipicidade fechada que decorre da Constituição não permite que a Lei Complementar transforme a industrialização em prestação de serviço. Assim, a industrialização por encomenda não pode ser tributada pelo Município no exercício da competência prevista no art. 156, inciso III, da CF/88, devendo-se interpretar a Lista Anexa constante da Lei Complementar respectiva ou da lei ordinária municipal de acordo com as competências definidas na Lei Maior, resolvendo-se satisfatoriamente os conflitos aparentes entre o ICMS, o IPI e o ISS, ex vi dos arts. 155, § 2º, IX, `b¿, 153, IV, e 156, III, da CF/88. Exegese dos arts. 4º da Lei nº 4.502/64, 5º, 9º, 35, 42, 132 e 143 do RIPI, 46 do CTN, 1º do Livro III do RICMS e 1º e subitem 14.05 da Lista Anexa da LC nº 116/2003. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70014791693, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 11/04/2007)     APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70026244129, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 03/06/2009)

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇOS PREVISTOS NO SUBITEM 14.05 DA LISTA ANEXA À LC Nº 116/03: A INCIDÊNCIA DO ISS OCORRERÁ SOMENTE SE OS SERVIÇOS FOREM PRESTADOS A CONSUMIDOR OU USUÁRIO FINAL, EM BENS POR ELE FORNECIDOS PARA ESSE FIM. Os serviços de beneficiamento previstos no subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/2003 (¨restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer¨) somente se sujeitam ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), da competência municipal, se prestados a consumidor ou usuário final, em bens deste. Se, ao contrário, os referidos serviços forem prestados a indústrias, em produtos destas e sujeitos a IPI e a ICMS, serão eles alcançados por esses impostos, mesmo que haja suspensão ou diferimento do seu pagamento, que é clara forma de incidência, ainda que em etapa posterior. Ademais, nos termos do inciso III do art. 156 da Constituição Federal os Municípios somente podem instituir imposto sobre serviços não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar, ou seja, quando não incidente o ICMS. DECISÃO: Recurso provido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70026357699, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 11/03/2009)

2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS

Em vista disso, como os Municípios continuam entendendo pela incidência do ISS sobre todas as operações de beneficiamento, seja qual for o seu destino, devem as empresas que se sentirem prejudicadas buscar o direito de ver afastada a cobrança ajuizando o remédio jurídico próprio.
 
Por Samuel Hickmann

29/07/2009

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