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Afinal, as locações em condomínios por meio de plataformas digitais estão proibidas no Brasil?

Imagem: Arte Migalhas
Em que pese as próprias plataformas autointitulem seu serviço como locações por temporada, o debate envolve a caracterização dos negócios celebrados nesses novos meios, se esses configuram contratos de locação residencial ou contratos atípicos de hospedagem - uma vez que ainda não há uma regulamentação específica que determine a natureza jurídica dessa modalidade de contratação.

Em virtude da transformação das relações na sociedade de consumo no decorrer dos anos, mormente pela implementação de novas ferramentas tecnológicas, é possível vislumbrar o surgimento de novas formas de celebrar contratos. Um exemplo são os negócios realizados por meio das plataformas digitais, como no caso do Airbnb, Booking, Homeaway, Tripadvisor, entre outros serviços online em que é possível o anúncio de imóveis a serem fruídos pelos usuários.

O caso a ser abordado é especificamente o do Airbnb, considerando a discussão recente trazida pelo julgamento do STJ a respeito do tema. Em que pese as próprias plataformas autointitulem seu serviço como locações por temporada, o debate envolve a caracterização dos negócios celebrados nesses novos meios, se esses configuram contratos de locação residencial ou contratos atípicos de hospedagem – uma vez que ainda não há uma regulamentação específica que determine a natureza jurídica dessa modalidade de contratação.  

Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão (REsp 1.819.075/RS) entendendo que, no caso de locação em condomínios por meio de plataformas digitais, em que o usuário utilize o imóvel para fins econômicos, como por exemplo, oferecer café da manhã, serviço de lavanderia, locação de quartos, estaríamos diante de um contrato atípico de hospedagem. No caso em comento, a proprietário do imóvel teria realizado reformas a comportar a hospedaria, tratando-se de uma espécie de hostel.

Na referida decisão, a Turma concluiu ser essencial a previsão, em convenção de condomínio, no tocante à destinação das unidades. Mais especificamente, entendeu que se a destinação das unidades condominiais for residencial, os proprietários estarão proibidos de realizar esse tipo de contrato, compreendido como serviço de hospedagem, mediante plataformas digitais.  

Acerca da discussão em testilha, trazida pelo aludido julgado, é necessário destacar que se trata de um caso específico levado ao Judiciário, uma exceção. Vislumbra-se que, no caso em tela, o contrato teve sua finalidade desvirtuada, considerando que o usuário da plataforma utilizava o imóvel para atividade o exercício de atividade econômica – a ensejar um contrato de hospedagem – e não como locação residencial.

Todavia, a celebração de contrato por meio da plataforma digital Airbnb, de acordo com a própria empresa, configura locação por temporada, cuja previsão encontra-se no artigo 48 da Lei de Locações/lei 8.245/911. Ademais, é direito garantido pelo artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal2, e artigo 1.228 Código Civil Brasileiro3. No mais, insta salientar que a legislação não prevê um número mínimo de diárias para se estabelecer uma locação por temporada, apenas limita a duração do contrato ao prazo não superior a 90 dias.

Por conseguinte, no caso de condomínios edilícios, a convenção condominial tem o condão de criar regras específicas para admissão desses contratos desde que tais regras constem expressamente nessa convenção originária, ou, futuramente, que a proibição de locação por essas plataformas seja unânime entre os proprietários, bem como não estejam em desacordo com a legislação. Todavia, nos parece que proibir o proprietário do imóvel de exercer seu direito de locação, vai em desacordo à previsão do ordenamento jurídico.

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (processos 1009601-48.2016.8.26.01004 e 2115834-61.2016.8.26.00005), ao confirmar que o condomínio não pode impedir o anfitrião de alugar o seu imóvel através de plataforma digital sob a justificativa de que estaria exercendo atividade hoteleira. E ainda, que a locação por temporada, no caso do Airbnb, em nenhuma hipótese equivaleria à locação para fins comerciais.
Tendo em vista que no caso julgado pelo STJ o contrato foi interpretado como equivalente a serviço de hospedagem, a decisão em comento não possui efeitos vinculantes para demais casos tradicionais de utilização da plataforma digital, justamente por ser uma situação isolada. Nessa senda, a questão relativa às locações – ou eventual contrato de hospedagem – por meio dessas plataformas, ainda está longe de ser encerrada.

Em que pese a questão não tenha sido esgotada, não se pode olvidar que a aludida decisão foi um marco importante para que sejam iniciadas maiores discussões envolvendo o tema, atualizações que tratem acerca dos negócios celebrados por meio de plataformas digitais. Prova disso é que após a decisão, o Airbnb realizou ajustes em seu website, trazendo informações ainda mais esclarecedoras sobre seus termos e políticas, inclusive, esclarecendo que sua atividade constitui locação por temporada.6

Ademais, sobre o tema em comento, mister salientar que existe um Projeto de Lei tramitando junto ao Senado7, no qual é discutida a necessidade ou não de previsão na convenção de condomínio para a locação para temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios. Desde o dia 25/2/21 o projeto está aguardando designação do relator.

É importante frisar, portanto, que o entendimento da Corte Especial não passou a proibir a utilização do Airbnb e as demais plataformas e aplicativos que permitem essa forma de contratação no país, uma vez que isso, consequentemente, infringiria, por exemplo, a lei que prevê a locação por temporada. Mas sim, entendeu ser necessária a previsão, em convenção de condomínio, no tocante à destinação das unidades.

Isto é, se os usuários da plataforma utilizarem o imóvel para fins “hoteleiros”, estarão desvirtuando não apenas a finalidade residencial, mas deixando de observar as próprias normas do proprietário e regras das plataformas. Cumpre salientar que esse tipo de fato ocorre não apenas nesta modalidade de locação, mas em diversas outras também.

Independente das divergências no tocante à natureza jurídica dessas relações, a privação das locações por meio de plataformas digitais acarreteria uma perda econômica enorme, uma vez que além de as plataformas gerarem incentivos para o turismo local, são um novo mercado em crescimento constituindo um movimento econômico recente e inovador.

Na nossa opinião, o Airbnb, bem como as demais plataformas digitais de locação de imóveis, devem sempre possuir informações acessíveis e regulamentos com informações mais precisas possíveis no tocante às condições de locação, sejam elas em condomínios ou casas. Dessa forma, será possível continuar usufruindo dessas tecnologias e incentivando o seu crescimento, ocasionando em um ganho para toda a sociedade.

Por último, importa salientar que, enquanto não houver regulamentação específica sobre o tema, os usuários da plataforma devem estar atentos à regulamentação das plataformas digitais, bem como das convenções condominiais, as quais sempre deverão respeitar as normas jurídicas de conduta, a fim de evitar a violação de direitos e conflitos. Caso contrário, os usuários e eventuais prejudicados poderão buscar a solução através do Poder Judiciário.






Por Ana Cláudia Karg e Marina da Silva Costa 


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1 Art. 48. Considera – se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade.3 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.4 TJSP. Apelação n. 1009601-48.2016.826.0100. 38ª Câmara de Direito Privado. Des. Rel. Hugo Crepaldi.  27/10/17.5 TJSP. Agravo de Instrumento n. 2115834-61.2016. 6ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. José Roberto Furquim Cabella. 13/10/16.6 AIRBNB. Perguntas frequentes. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 maio 21.7 SENADO FEDERAL. Projeto de Lei 2474, de 2019. Disponível clicando aqui. Acesso em: 21 maio 21.0

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