Incorporadoras imobiliárias têm conseguido, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), cancelar a cobrança retroativa de IPTU sobre o chamado englobamento de imóveis – aquisição de terrenos vizinhos para o lançamento de um único empreendimento. Há decisões de mérito nas três Câmaras de Direito Público responsáveis por julgar o tema (14ª, 15ª e 18ª), favoráveis aos contribuintes, segundo balanço realizado pelo escritório Sigaud Advogados.
No setor da construção civil, é comum o incorporador adquirir diversos terrenos próximos uns dos outros para conseguir metragem suficiente para a construção de um grande empreendimento imobiliário. Porém, em geral, só quando a obra é concluída, a Prefeitura de São Paulo cancela o número do cadastro de cada imóvel (chamado de SQL do contribuinte) e faz um único do englobamento total.
É nesse momento da operação que a prefeitura tem desconsiderado os pagamentos de IPTU realizados de forma individualizada. O Fisco municipal exige o imposto, dos últimos cinco anos, sobre o SQL do empreendimento.
Para os contribuintes, a solução tem sido entrar com ação judicial. Alegam que não podem pagar o IPTU retroativo sobre o valor do imóvel unificado, uma vez que o imposto foi recolhido de forma individualizada, até que a situação fosse regularizada pela prefeitura. “Trata-se de cobrança de tributo já pago, o que configura exigência em duplicidade”, diz o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, que atua para incorporadoras e coordenou o levantamento no TJ-SP.
Já a Prefeitura de São Paulo afirma, nos processos, que os valores pagos são devolvidos em forma de créditos tributários para os contribuintes quitarem tributos devidos. Defende que deve haver o novo pagamento do IPTU dos imóveis englobados.
Além da dificuldade em reaver esses créditos, que devem ser solicitados pelos contribuintes e podem demorar meses para serem ressarcidos, os valores de IPTU cobrados de imóveis englobados, em geral, são mais altos, por haver alteração nas dimensões territoriais. A Prefeitura cobra 1,5% sobre o valor do imóvel.
Na Justiça, uma empresa de participações e empreendimentos conseguiu recentemente decisão favorável. De forma unânime, a 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP manteve sentença para anular a cobrança de IPTU de um englobamento referente aos anos de 2013 a 2018.
Segundo o processo, foram unificados dois imóveis em 2003 (apelação cível nº 1041221-20.2019.8.26.0053). A regularização na prefeitura foi iniciada em 2004 e finalizada apenas em 2018.
Contudo, segundo a defesa da empresa, durante o período foi recolhido o IPTU dos dois imóveis em separado e não poderia haver lançamento retroativo sem qualquer abatimento ou devolução dos pagamentos já realizados.
O desembargador Raul De Felice considerou que o município, “apesar de ter ciência do recolhimento do imposto, efetuou novos lançamentos para exigir mesmo tributo sobre a SQL descendente, configurando cobrança dúplice e, portanto, indevida”. Nesse mesmo sentido, citou outras decisões do TJ-SP (processos nº 1570423-05.2018.8.26.0090 e nº 1567157-10.2018.8.26.0090).
Em decisão recente da 18ª Câmara de Direito Público, também foi extinta execução fiscal que cobrava IPTU, entre 2013 a 2018, no valor de R$ 33 mil (apelação cível nº 1557846-58.2019.8.26.0090). Segundo o relator, desembargador Roberto Martins de Souza, não há fundamento jurídico para a cobrança retroativa de IPTU já quitado, “devendo o Fisco proceder à cobrança de forma englobada”.
A discussão ganhou mais força com o artigo 5º da Lei nº 17.092, de 2019. O dispositivo autoriza a compensação de valores pagos anteriormente com novos lançamentos. Em razão disso, uma incorporadora conseguiu decisão favorável, em novembro de 2021, na 14ª Câmara de Direito Público, que foi unânime ao autorizar a compensação do IPTU pago em 2020 (apelação cível nº 1000866-94.2021.8.26.0053).
A prefeitura alegou que, com o englobamento realizado em 2015, devolveu os valores aos contribuintes individuais por meio do sistema Devolução Automática de Tributo. Não poderia realizar a compensação porque, na época do englobamento, o artigo 5º da Lei 17.092 ainda não havia sido regulamentado.
Ao analisar o caso, os desembargadores mencionaram que o artigo 170 do Código Tributário Nacional permite a compensação e consideraram que, em 2020, a Lei nº 17.092 já vigorava.
De acordo com Sigaud, a inclinação da jurisprudência do TJ-SP em favor dos contribuintes “evita um desembolso de caixa adicional pelas incorporadoras, principalmente em um momento de crise econômica como a atual”. Além disso, ele diz que pedidos de restituição de valores cancelados ou unificados podem levar meses ou anos para serem concluídos.
As decisões do TJ-SP estão corretas, segundo o advogado Pedro Casquet, do escritório Andrade, Foz, Hypolito e Médicis Advogados. Ele afirma ainda que, no âmbito federal, isso também ocorre com alguma frequência em relação ao Imposto Territorial Rural (ITR), na medida em que o sistema também não faz a correlação entre o novo NIRF (equivalente ao SQL) e os valores pagos no passado. Para ele, uma vez que os tributos já foram pagos, essa cobrança não poderia retroagir.
Fonte: Valor Econômico
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