Para desembargadores, impostos devem ser calculados sobre a receita bruta do lucro presumido, e não sobre ganho de capital
Empresas do setor imobiliário conseguiram um importante precedente no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, para recolher menos tributos sobre a venda de imóvel. Os desembargadores garantiram a um contribuinte o direito de pagar Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins sobre a receita bruta do lucro presumido, e não sobre ganho de capital.
A decisão é relevante por ser significativa, entre as bases de cálculo, a diferença do valor a recolher. “Impacta muito na carga tributária. Ganho de capital é uma base mais onerosa do que a da tributação do lucro operacional”, explica Caio Malpighi, do VBSO Advogados.
O caso concreto analisado pelo TRF é um exemplo. A taxação pela venda do imóvel pelo ganho de capital (diferença entre o valor de venda e de aquisição) seria de cerca de R$ 5 milhões. Pela receita bruta operacional do lucro presumido, pouco mais de R$ 1 milhão, segundo Vinicius Barros, do escritório Teixeira Fortes, que representou a empresa.
Empresas com faturamento de até 78 milhões por ano recolhem os tributos no regime do lucro presumido. Contribuintes nessa modalidade somam as receitas que tiveram no período e aplicam um percentual de presunção de lucro – de 8% para IRPJ e 12% para a CSLL. Sobre esse resultado recai a alíquota desses tributos, que é de até 34%.
No ganho de capital, os 34% incidem diretamente sobre a diferença entre o valor de venda do imóvel e o valor de aquisição.
Por causa da diferença dos valores a serem recolhidos, a Receita Federal já editou regras para fechar o cerco contra planejamentos tributários abusivos – como abrir uma empresa imobiliária para vender um único imóvel e recolher menos tributos.
Uma dessas regras tem relação com uma questão contábil. O entendimento, segundo advogados, é de que se o bem foi contabilizado no ativo não circulante deve ser taxado como ganho de capital. Por outro lado, se contabilizado como ativo circulante, como receita bruta.
Na Instrução Normativa nº 1.700, de 2017, a Receita estabeleceu que o contribuinte deve recolher os tributos sobre ganho de capital nas vendas de bens do ativo não circulante imobilizado, investimentos e intangíveis – ainda que depois sejam reclassificados contabilmente para o ativo circulante com intenção de venda. É a previsão do artigo 3º do artigo 39 da norma.
Um ano depois, o Fisco editou a Solução de Consulta nº 251, de 2018, da Coordenação-geral de Tributação (Cosit). Nela, afirmou que a alienação de bem do ativo imobilizado por empresa do lucro presumido deve ser tributada segundo as regras do ganho de capital, ainda que tenha ocorrido a reclassificação do bem para o circulante.
“Foi visto no mercado como um alerta para quem fazia planejamento tributário”, lembra Caio Malpighi.
Em 2021, veio uma nova orientação. Foi pela Solução de Consulta Cosit nº 7. Ao analisar questionamento de contribuinte do ramo imobiliário, o Fisco entendeu que a classificação contábil do bem não é único elemento capaz de determinar a forma de tributação. Para fins de tributação pela receita bruta, deve-se verificar, segundo a Receita, o histórico da atividade da empresa e as evidências de que ela atua no ramo imobiliário.
“Não adianta abrir empresa e colocar atividade imobiliária como objeto social, mas só tem um imóvel e não tem histórico de vendas. É isso que a Receita quer evitar, esses planejamentos que considera abusivos”, explica Vinicius Barros.
No caso analisado pela 3ª turma do TRF-3, a empresa comprou uma casa em uma área nobre da cidade de São Paulo em 2011. Contabilizou-a como “propriedade para investimento” e a locou para terceiros. Depois, transferiu o imóvel para o “estoque” no registro contábil e vendeu o bem em meados de 2020. Ajuizou o processo no Judiciário antes da edição da Solução de Consulta nº 7.
Os desembargadores confirmam a posição de que deve ser considerada a receita bruta caso o objeto social da empresa seja a administração de imóveis. Para os julgadores, esse histórico prevalece “sobre eventuais erros na classificação e registro contábil para efeito de determinar que o produto da alienação deve ser enquadrado como receita operacional pelo desempenho de atividades típicas da empresa”.
“Demonstrou-se, nos autos, que a locação e a posterior venda do imóvel em questão enquadram-se nas atividades descritas no objeto social da empresa, pelas quais auferiu receita operacional tributada pelo regime de lucro presumido, cabendo a tributação pela receita bruta, nos percentuais definidos na legislação que rege cada espécie tributária e não pelo ganho de capital”, afirma o relator, Carlos Muta (processo nº 5021017-20.2020.4.03.6100).
Para Caio Malpighi, a decisão trouxe maior segurança às empresas imobiliárias. “Esse caso, junto com a solução de consulta, pode ser usado como paradigma para o contribuinte saber mais ou menos qual caminho é certo se quiser ser tributado como receita operacional”, afirma.
Vinicius Barros pondera que, ainda assim, paira dúvida no setor. “Embora tenha melhorado o cenário para os contribuintes, a análise fica caso a caso, o que pode gerar insegurança e a pergunta: será que eu tenho o histórico que a Receita Federal acha que eu devo ter?”
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico