No último dia 15 de junho entrou em vigor a Lei nº 14.597/2023, conhecida como Lei Geral do Esporte e que tem como principal objetivo regulamentar o desporto no país [1].
Além da construção de pontos importantes para o sistema nacional do esporte, tais como a promoção da paz nas praças de prática esportiva, incentivo ao esporte e combate à corrupção, há alterações relevantes na relação entre os atletas profissionais e às entidades de prática esportiva, merecendo destaque à tributação da imagem dos profissionais do esporte.
O direito de imagem ou na definição mais correta, a cessão de direitos de imagem dos atletas, é o campo para uma antiga e longa discussão que envolve os contribuintes e o fisco, mesmo com várias tentativas, por meio de alterações legislativas, que buscaram, no decorrer dos anos, pacificar os pontos mais controversos do debate [2].
Toda a polêmica está na possibilidade, ou não, dos atletas profissionais criarem pessoas jurídicas que lhe permitam explorar sua imagem, considerada como um direito personalíssimo. Como consequência da criação da pessoa jurídica com o objetivo exclusivo de exploração da imagem, os valores auferidos pelo profissional serão tributados com menor onerosidade se comparados com a alíquota de tributação realizada no rendimento auferido diretamente pela pessoa física.
Analisando o tema quando enfrentado pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), é possível identificar que não há um entendimento uniforme entre os conselheiros, podendo se verificar interpretações da legislação até então vigente, favoráveis aos contribuintes quanto ao fisco, no que diz respeito a tributação pela cessão do uso da imagem dos atletas.
Na tentativa de encontrar uma pacificação quanto ao assunto, a nova Lei Geral do Esporte buscou dar maior segurança jurídica aos contribuintes quanto à exploração da imagem na figura dos atletas, porém é necessário manter a atenção quanto a análise subjetiva que o fisco poderá realizar com o fito de comprovar efetivamente o uso da imagem do desportista.
Muito embora a Lei Pelé tenha sido alterada em 2011, através da Lei nº 12.395, adequando a redação do artigo 87 — A, deixando o texto mais evidente que a cessão do direito de imagem é permitida para exploração econômica, por força de ajuste contratual de natureza civil, com a devida fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo (CETD), a discussão na ótica do fisco não se encerrou [3].
A cessão do direito de imagem do atleta é derivada do contrato de trabalho e, por mais que o pacto principal esteja em legalidade, pode o fisco entender que a licença da exploração da imagem entabulada entre o atleta e a entidade de prática desportiva seja um drible de evasão fiscal.
Assim, a nova Lei Geral do Esporte no artigo 85, §1º vislumbra ao contribuinte uma maior segurança jurídica, pois é elucidativa ao definir que “o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil”.
Nítida a vontade do legislador expressa, indo ao encontro da doutrina e legislação pertinente no que diz respeito a possibilidade de celebração de dois contratos a partir de uma relação, quais sejam, o contrato especial de trabalho desportivo e o contrato de cessão de direito de imagem.
Nessa senda, o artigo 164 da nova Lei Geral do Esporte é ainda mais enfático na permissão de exploração econômica da imagem dos atletas, pois no caput do mencionado dispositivo é permitida a cessão ou exploração de terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja o atleta profissional sócio.
O parágrafo primeiro do artigo 164 é elucidativo quanto a cessão do uso da imagem do atleta profissional, frisando que inexiste impedimento para a formalização do instrumento junto à entidade de prática desportiva que mantém vínculo empregatício concomitantemente ao ajuste da exploração da imagem do esportista.
As alterações promovidas na legislação sobre a cessão da imagem do atleta, na Seção IV da Lei Geral do Esporte vão em linha com a proteção aos direitos da personalidade que estão conferidos no artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea “a” da Constituição.
É possível observar, ainda, que a nova redação é receptiva ao disposto pelo artigo 49 da Lei nº 9.610/98, possibilitando que direitos personalíssimos sejam utilizados por terceiros, através de licenciamento e cessão.
Aliás, a mencionada Lei foi editada com objetivo de regulamentar os direitos autorais e conexos, permitindo à pessoa detentora, o direito de conceder o seu uso a terceiro, sem qualquer óbice quanto a forma de exploração comercial, lhe rendendo frutos econômicos [4].
Nessa esteira, em 2005 foi sancionada a Lei nº 11.196, visando pacificar ainda mais a possibilidade de exploração de terceiros desse direito personalíssimo e, em seu artigo 129 estabeleceu que eles podem ser objetos de exploração pela pessoa jurídica.
A ideia principal do legislador à época foi de estabelecer que o direito personalíssimo pode ser explorado através da constituição de uma pessoa jurídica especifica para tal fim, sendo respeitados os aspectos tributários dessa exploração econômica.
Embora a legislação já tenha se adaptado e tentado pacificar o assunto, o fisco, em determinados casos, ainda entende que a prestação do serviço intelectual e a exploração da imagem de um atleta não poderia ser através da concessão de licença, pois os serviços não seriam efetivamente prestados pela pessoa jurídica constituída para tal fim, mas, sim, pela pessoa física, no caso o atleta, o que restaria configurado numa burla à tributação do imposto de renda pessoa física [5].
Assim, com o objetivo de pôr fim a essa interpretação, o parágrafo 3º do artigo 164 da nova Lei Geral do Esporte estabelece como sendo próprio de uma pessoa jurídica a cessão da imagem do esportista, pois independentemente da atividade empresarial, a sua atuação sempre dependerá, obrigatoriamente, de uma atividade humana, executada por um indivíduo que é a razão e o motivo da celebração do CETD e do contrato de exploração de cessão de direitos de imagem.
Entretanto, a leitura dos incisos I, II e III do parágrafo 3º do artigo 164 da Lei nº 14.597/23 deve ser realizada de modo exemplificativa e não taxativa, não sendo requisitos para a configuração da validade do contrato de cessão de imagem do atleta, pois a remuneração pela exploração dessa licença autorizada representa o pagamento pelo direito da entidade de prática desportiva de uma prerrogativa.
Em outras palavras, a nova Lei Geral do Esporte permite ao atleta a possibilidade de constituir uma pessoa jurídica para que seja explorada sua imagem junto ao Clube com quem mantém o vínculo empregatício, podendo este se valer da imagem do esportista em seus canais oficiais, redes sociais, revistas, programas de entretenimento, conforme o seu critério, mesmo quando opte por não utilizar tal modalidade de exploração econômica em sua intensidade máxima.
Assim, o parágrafo 4º do artigo 164 da Lei Geral do Esporte, estabelece uma redação positivista acerca da exploração da imagem do atleta, definindo que “deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a se combater a simulação e a fraude”.
Expectadores como todos somos do esporte, é notório que a prática esportiva e principalmente o futebol nacional está passando por uma transformação de consumo, deixando de ser encarado pelas novas gerações como uma paixão incondicional e migrando para mais uma opção de entretenimento, sendo uma consequência natural para os organizadores de competições e das entidades de prática desportiva uma maior exploração da imagem dos seus atletas com o objetivo gerar conteúdo para esse novo público.
Em outras palavras, como a evolução do esporte é cada vez maior, a produção de conteúdo de mídia com os atletas também é maior, tendo como consequência lógica o uso da cessão de imagem na concepção integral do parágrafo 4º do artigo 164 da Lei Geral do Esporte, afastando qualquer intenção de dolo para evasão fiscal.
Dito isso, mesmo que os empregadores não façam a utilização com frequência do uso da imagem dos atletas com quem possuem o contrato especial de trabalho desportivo, não caracterizará fraude ou simulação.
Assim, restando evidente no caput do artigo 164 da Lei Geral do Esporte que o direito do uso da imagem pode ser explorado por terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja o atleta sócio, maior é a segurança jurídica do contribuinte, afastando cada vez mais a possibilidade de simulação por constituir uma pessoa jurídica exclusivamente para o recebimento da remuneração referente a licença de imagem.
Aliás, embora o fisco ainda possa entender que a constituição da pessoa jurídica de um esportista para o recebimento de valores referente à cessão do uso da imagem seja um drible tributário, é necessário frisar que há muito tempo é autorizada pela legislação e, em especial pela do Imposto sobre a Renda, através da Lei nº 154/47 a permissão de pessoas jurídicas prestarem serviços cuja principal atividade fosse a pessoalidade.
É de longa data que o ordenamento jurídico, em especial a legislação tributária, uma pessoa jurídica posa realizar atividades envolvendo direitos de personalidade, pois no artigo 44 do Decreto nº 24.239/47, que versa sobre a incidência do imposto sobre a renda da pessoa jurídica, é estabelecido que para fins tributários são consideradas as sociedades comerciais quanto as civis.2
Todo esse embate existente se deve à diferença existente entre a carga tributária incidente sobre os resultados apurados diretamente na pessoa física se comparados com a pessoa jurídica constituída para tal fim, porém a ideia é que com a sanção da Lei nº 14.597/23 o assunto seja pacificado em favor dos contribuintes.
A diferença ao contribuinte quando tributado pela pessoa jurídica cuja principal atividade seja a exploração da imagem de um atleta e esteja ela submetida à sistemática da apuração do lucro presumido, por exemplo, estará diante de uma redução na carga tributária de mais de 50% (cinquenta por cento) em relação aos resultados apurados pelo idêntico rendimento na figura da pessoa física.
Outro ponto importante acrescentado no artigo 164 da Lei Geral do Esporte é o parágrafo 2º que aumenta o limite da porcentagem para 50% na soma total em conjunto com o valor recebido no contrato especial de trabalho desportivo, já que antes da entrada em vigor do dispositivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderia ultrapassar o limite de 40% da remuneração total paga ao atleta.
Assim, é evidente a preferência dos profissionais do esporte por apurar os seus rendimentos oriundos da cessão da imagem por meio de uma pessoa jurídica da qual seja sócio.
Ainda, considerando que a nova Lei Geral do Esporte concedeu maior segurança jurídica aos contribuintes nesse ponto, em sintonia com os já existentes dispositivos em nosso ordenamento que autorizam a exploração de direitos personalíssimos por meio da pessoa jurídica, esvaziam-se os argumentos do fisco de oposição à utilização da PJ por atletas para o recebimento dos direitos de imagem.
Por: Raphael Monteiro Fonseca Perdomo