Atualmente não há melhor aplicação financeira do que uma sentença judicial pendente de satisfação, uma vez que os títulos executivos judiciais fixam índices moratórios muito superiores aos pagos pelas instituições financeiras aos poupadores, a saber: juros de mora de 1% ao mês e incidência de correção monetária pelo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M). E os processos judiciais costumam tramitar por longos anos até seu desfecho, especialmente em razão de sucessivos recursos interpostos pelos devedores, com o fito único e exclusivo de procrastinar o pagamento da condenação.
É comum o crédito estar depositado judicialmente, seja por ato voluntário do devedor, seja por penhora de seus ativos financeiros, mas o credor não o receber em função das reiteradas impugnações feitas pelo sucumbente.
Infelizmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [1] havia sido firmada no sentido de que o depósito realizado para segurança do juízo e oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução se equivale ao depósito em pagamento e fazia cessar os efeitos da mora quanto aos encargos vincendos submetendo a dívida à remuneração do depósito judicial, que fica a cargo da instituição financeira depositária.
Ocorre que a remuneração inerente à espécie, por força de norma específica, consoante previsão do artigo 3º, §1º, da Lei Estadual nº 11.667/01, é muito inferior aos encargos decorrentes da mora previstos no título executivo judicial ou extrajudicial. A remuneração dos depósitos judiciais está atrelada a taxa de juros básica da economia, que hoje é de 2,75% ao ano. Ao passo que a variação do IGP-M nos últimos 12 meses foi de 31,10%.
Portanto, não há dúvida do prejuízo causado ao credor ao receber valor inferior aos consectários próprios da mora que faria jus conforme os ditames da condenação.
Todavia, no julgamento do REsp 1.475.859/RJ, a 3ª Turma do STJ quebrou o paradigma e deu nova interpretação ao entendimento supracitado, de sorte a compreender que a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os resultados próprios de sua mora, conforme previsto no título executivo, até que seja realizado o efetivo pagamento da obrigação ao credor. Ou seja, a simples realização do depósito não ensejaria na cessação da mora.
Por conseguinte, em virtude da divergência instaurada pelas interpretações assinaladas, a aplicação do Tema 677 do STJ, ou sua não aplicação, passou a oscilar nas ocasiões em que o depósito judicial não é feito com o fito de pagar o credor, de sorte a repercutir a discussão nos outros juízos e tribunais do país. Assim, em razão da latente necessidade de revisão, adequação e uniformização do aludido tema, foi suscitada a Questão de Ordem no Recurso Especial nº 1.820.963-SP (2019/0171495-5), de relatoria da ministra Nancy Andrighi.
Nessa senda, o tema em testilha foi submetido à revisão acerca da responsabilidade do devedor pelo pagamento de juros e correção monetária sobre o valor da condenação, na ocasião em que ocorre, durante a execução, a constrição de ativos financeiros ou depósito judicial voluntário do valor correspondente à obrigação em conta vinculada ao juízo.
Há insurgência do credor ou exequente contra a conclusão do Tema 677 do STJ, a defender que o depósito judicial não possui efeito liberatório ao devedor, de modo que estaria adstrito a arcar com os juros de mora e correção monetária previstos no título judicial até a data do efetivo levantamento da quantia pelo credor (REsp 1.475.859/RJ):
“Como o depósito em garantia do juízo visa ao oferecimento de impugnação ao valor exequendo, não constitui pagamento, inexistindo previsão legal que o equipare a tanto. Dessa forma, permanece o devedor em mora, responsabilidade que não pode ser transferida ao depositário judicial sem que se identifique na conduta desta hipótese de subsunção à regra do art. 394 do Código Civil” (REsp 1.475.859/RJ, 3ª Turma, relator ministro João Otávio de Noronha, DJe de 25/8/2016).
Portanto, conforme referido no acórdão da questão de ordem, verifica-se que a ratio decidendi do julgado acima colacionado parte do pressuposto de que, no ordenamento jurídico do brasileiro, não se verifica previsão específica que perceba o depósito em garantia do juízo como forma de pagamento, de modo a configurar o cumprimento da obrigação e ensejar eventual efeito liberatório do devedor.
A partir da análise detida do julgado (REsp 1.475.859/RJ), destaca-se a interpretação posta pelo ministro relator João Otávio de Noronha, de que “o pagamento é a expressão usada, em seu sentido lato, para designar o cumprimento de uma obrigação, a entrega da prestação devida ao credor, que passa, consequentemente, a ter sobre ela a plena disponibilidade”.
Outrossim, o ministro utiliza-se da analogia a declarar que o artigo 394 do Código Civil respalda que “o devedor que não efetuar o pagamento, vale dizer, não entregar a prestação devida ao credor no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer, estará em mora, porquanto não terá satisfeito sua obrigação”.
Em que pese os precedentes do Tribunal de Justiça gaúcho sejam no sentido de que a mora cessa com a operação do depósito judicial pelo devedor, cumpre salientar, de acordo com a discussão mencionada, que se vislumbra a tendência de reforma ao entendimento outrora consolidado. Frisa-se que a questão de ordem implicou na suspensão dos julgamentos que versam sobre a questão.
Se os novos precedentes se firmarem no sentido de que a simples realização do depósito judicial não cessa a mora do devedor, somada à alta dos índices de correção monetária, como o IGP-M, muito credores se beneficiação com expressiva complementação do valor relativo aos consectários de mora previstos nos títulos judiciais ou extrajudiciais.
Tema 677 do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.
Por Jussandra Hickmann Andraschko e Marina da Silva Costa