Transação Tributária Federal: A figura da CAPAG e sua relação com o desconto concedido

A transação tributária se tornou uma importante ferramenta para que as empresas com dificuldades financeiras retomem a sua saúde fiscal. No âmbito federal dos débitos inscritos na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), está regulada pela Lei 13.988/20 e Portaria PGFN 6.757/22. O seu objetivo é aproximar contribuintes devedores e o Fisco Federal para a extinção do passivo tributário, com condições especiais que podem chegar a descontos de até 70% e parcelamento em até 145 meses.

Esse método de autocomposição tributária vem trazendo resultados muito positivos. No ano de 2022, apenas com contribuintes de São Paulo foram deferidas transações individuais que somam quase R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)[1]. Créditos tributários esses que eram considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação pela PGFN.

A aplicação dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva aos métodos autocompositivos tributários se mostra efetiva, ao analisar a situação específica de cada contribuinte e concedendo-lhes condições que tornem possíveis o recolhimento do passivo tributário em mora.

Ainda que os resultados sejam positivos até o momento, é necessário que o contribuinte se atente a diversos pontos para que obtenha descontos e condições suficientes à pactuação da transação tributária. Aqui, trataremos sobre um elemento essencial e intrínseco ao desconto que será concedido pela PGFN: A CAPAG.

A figura da CAPAG (Capacidade de Pagamento) está prevista na Portaria 6.757/22 e é com base nela que se identifica o grau de recuperabilidade das dívidas sujeitas à transação. Ela nada mais é do que a capacidade que o contribuinte tem de pagar a dívida em cinco anos.

É a partir da CAPAG, também, que se verifica o grau de recuperabilidade da dívida. De acordo com o art. 24 da Portaria PGFN 6.757/22, os créditos são classificados entre “A”, “B”, “C” ou “D”.

  • Os créditos “A” são de alta perspectiva de recuperação, aqueles em que a CAPAG é igual ou superior a 2 vezes o valor consolidado da dívida, sem descontos;
  • Os créditos “B” são de média perspectiva de recuperação, com CAPAG igual ou superior ao valor da dívida, mas sem ultrapassar duas vezes o valor consolidado, sem descontos;
  • Os créditos “C” são de difícil recuperação, com CAPAG igual ou superior à metade da dívida, mas sem ultrapassar o valor consolidado, sem descontos; e

  • Os créditos “D” são considerados irrecuperáveis, nos quais a CAPAG do devedor é inferior à metade do valor consolidado, sem descontos.

A transação tributária individual, aquela na qual se tem maior possibilidade de negociação de condições com o Fisco, é aplicável, prioritariamente, aos créditos classificados como “C” e “D”. Isso pois a transação tem o objetivo de tornar viável o pagamento de dívidas consideradas irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Assim, para que se apresente uma transação individual e se obtenha descontos é necessário que a CAPAG do contribuinte seja inferior ao valor da dívida.  Aqueles contribuintes que tenham créditos classificados como “A” ou “B” não gozarão da concessão de desconto, haja vista sua CAPAG indicar a sua capacidade de pagar a dívida em sua integralidade, sem a concessão de desconto (CAPAG igual ou maior que dívida).

É essencial, então, a análise da CAPAG para que o contribuinte identifique as possíveis condições da sua transação. Além disso, importante que a CAPAG do contribuinte seja a menor possível, dentro da realidade da empresa, pois é com base nela que serão concedidos os descontos da transação.

Veja-se que a CAPAG tem relação direta com o desconto concedido. Em um exemplo abstrato, um contribuinte com dívida de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) que tenha uma CAPAG de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais), terá um desconto de R$600.000,00 (seiscentos mil reais), 60% da dívida. O saldo transacionado, após a concessão dos descontos, será igual à CAPAG, limitado às imposições legais.

Quanto menor a CAPAG, maior o desconto.

Entendida a importância da CAPAG, passa-se à sua análise e possível discussão sobre seu valor.

A análise estratégica da CAPAG do contribuinte – na prática – parte pela sua consulta, o que pode ser feito acessando o portal Regularize. É possível, também, verificar a fórmula e valores utilizados. Essa CAPAG pode ser chamada de presumida (CAPAG-p). Presumida, pois é resultado da aplicação de uma fórmula estatística desenvolvida pela PGFN, na qual são considerados alguns signos contábeis possíveis de serem obtidos nas obrigações acessórias da empresa, tais como: A totalidade da receita bruta declarada em PGDAs, o valor de recolhimentos de tributos, valor das notas fiscais de saída nas quais o contribuinte figura como destinatário, entre outros.

A CAPAG-p, como mencionado, é estatística e não analisa os documentos contábeis mais fidedignos a um efetivo cálculo de CAPAG. Com isso, é possível que ela não represente a realidade da saúde financeira e projeção para o futuro do contribuinte. Nesse sentido, não havendo concordância do contribuinte com a CAPAG-p, ele pode apresentar um pedido de revisão de CAPAG.

O pedido de revisão está previsto, também, na Portaria 6.757/22 e possibilita ao contribuinte a apresentação da CAPAG que ele entende por correta. A CAPAG calculada pelo contribuinte pode ser chamada de CAPAG efetiva (CAPAG-e), considerando que ela utilizará dos documentos contábeis oficiais, que tendem a ser mais fidedignos a um cálculo realista do que a fórmula estatística desenvolvida pela PGFN. O contribuinte deve demonstrar ao fisco a sua capacidade de geração de resultados futuros, o que pode fazer com base em fluxos de caixa presumido, estimativa por receita operacional presente e passada, entre outros.

Com o pedido de revisão de CAPAG, é inaugurado novo procedimento administrativo no qual a PGFN analisará os documentos e fundamentos apresentados pelo contribuinte para a redução de sua CAPAG. O sucesso do pedido de revisão deve representar um aumento direto no desconto concedido na transação.

Ainda que a transação tenha diversas outras etapas de negociação, como a elaboração de um plano concreto de pagamento do saldo transacionado, a Portaria PGFN 6.757/22 deixa clara a importância da CAPAG nas transações tributárias federais. A transação, assim, se apresenta como um método extremamente eficaz de autocomposição tributária. Entretanto, mostra-se, também, a complexidade do instituto para um efetivo uso de todos os seus benefícios. É essencial uma análise completa em todos os passos do processo de negociação, sob pena de não obtenção de todos os descontos permitidos pela legislação.

Por: Paulo César de Lima Júnior

DA ILEGAL VEDAÇÃO DO DIREITO AO CRÉDITO DE PIS/COFINS SOBRE O IPI NÃO RECUPERÁVEL

            Em dezembro de 2022, foi editada a Instrução Normativa RFB n° 2121/2022, que revogou a IN RFB 1919/2021, passando a se tornar a principal consolidação das normas infralegais sobre o PIS e a COFINS. Dentre as alterações trazidas pela nova IN há a exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos. Esta alteração resultou em redução nas apurações de créditos das contribuições para empresas não contribuintes de IPI que adquirem produtos sobre os quais o imposto é recolhido pelo fornecedor. A redução do crédito, é claro, resulta em um recolhimento maior de tributos.

            A IN 1919/2021 trazia a possibilidade de o contribuinte incluir na base de cálculo do crédito de PIS/COFINS a parcela do IPI não recuperável[1]. Ou seja, o valor de IPI que havia sido recolhido pelo fornecedor/indústria e não pode ser compensado pelo adquirente, uma vez que ele não seja contribuinte de IPI. Por não poder tomar o crédito de IPI, ele é, então, entendido como imposto não recuperável na escrita fiscal e poderia ser utilizado como base de cálculo de crédito do PIS/COFINS.

            O novo entendimento da RFB na IN 2121/2022, entretanto, trata a matéria de forma desfavorável ao contribuinte. Segundo o art. 170, II[2], as parcelas sobre as quais não incide o pagamento do PIS/COFINS não geram direito ao crédito. É expressamente citada a verba do IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor como uma parcela sobre a qual não se pode tomar crédito das contribuições. As empresas varejistas, atacadistas e distribuidoras, entre outras, são exemplos de contribuintes que foram afetados negativamente pela alteração. Assim, nas competências posteriores à IN 2121/22, a apuração de créditos de PIS/COFINS restou sendo significativamente reduzida para alguns contribuintes.

            A proibição abrupta do creditamento, contudo, não poderia ter sido realizada pelo modo como foi na IN 2121/2022. Isso por dois motivos: (i) O IPI não recuperável constitui custo de aquisição e (ii) não houve aplicação da regra da noventena.

I) O IPI não recuperável como custo de aquisição de mercadoria

As Leis 10.637/02 e 10.833/03 trazem em seu art. 3°, I[1] a possibilidade de se tomar crédito sobre o custo dos bens adquiridos para a revenda. Impende identificar, então, o que seria efetivamente custo de aquisição e se o IPI não recuperável o compõe ou não. O Regulamento do Imposto de Renda (RIR)[2] traz a definição do custo de aquisição e expressamente menciona que os tributos recuperáveis na escrita fiscal não compõem tal custo. O IPI sobre o qual se está discutindo aqui é o não recuperável que, logo, compõe o custo de aquisição.

Há tese com fundamentos semelhante em discussão no judiciário brasileiro: A inclusão do ICMS ST na base de cálculo do crédito do PIS/COFINS. Em ambas as teses se defende que os tributos não recuperáveis na escrita fiscal compõem o custo de aquisição e, em razão disso, o contribuinte poderia apurar créditos de PIS/COFINS sobre essas verbas. Na tese relativa ao ICMS- ST, a Primeira Turma do STJ vem entendendo de maneira favorável ao contribuinte, decidindo pela possibilidade de tomada do crédito analisado[3].

II) A não aplicação da regra da noventena

Ainda que venha a se entender pela aplicação da IN 2121/22 e a impossibilidade da tomada de créditos de PIS/COFINS sobre o IPI não recuperável, deve-se observar a regra da noventena prevista no art. 150, III, “c” da CF/88[4]. Não se pode cobrar tributos antes de noventa dias da publicação do ato que majorou a contribuição. Inegável, nesse sentido, que a redução dos créditos resulta nessa majoração da carga tributária, devendo, portanto, ser observado princípio da anterioridade nonagesimal.

Isso posto, verifica-se que a IN 2121/22 viola as Leis 10.637/02 e 10.833/03, ao limitar a tomada de crédito de PIS/COFINS sobre o IPI não recuperável, uma vez que essa parcela do imposto compõe o custo de aquisição do produto. As empresas afetadas por essa alteração têm fundamentos significativos e relevantes para judicializar a matéria e buscar a manutenção do entendimento anterior, no qual era possível a tomada de créditos. O resultado positivo dessa discussão resultaria na redução do PIS e da COFINS devidos mensalmente.

Por: Paulo César de Lima Júnior