Há quem diga que o Mundo atravessa o seu pior momento desde o final da Segunda Guerra Mundial. Há algumas semanas o Poder Público de diversas Nações obrigou a sociedade a parar em virtude das orientações da Organização Mundial da Saúde para conter a pandemia do COVID-19. Os entes federados decretaram situação de calamidade pública e adotaram medidas emergenciais para o enfrentamento da pandemia. A principal delas foi implantar a chamada “quarentena horizontal”, que busca o isolamento social para conter o avanço do contágio, proibindo o funcionamento de diversos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços cuja atividade é tida por não essenciais.
Pois bem. As atividades empresariais cessaram, a economia não gira e não há receita, e sem ela não há como se adimplir as obrigações trabalhistas, cíveis e tributárias.
O Governo brasileiro já se deu conta disso e deu um alento às pequenas e médias empresas, prorrogando por 90 dias os prazos para o pagamento dos tributos aos contribuintes optantes do Simples Nacional, por meio da Resolução CGSN n. 152/2020.
Mas esta moratória não contemplou as empresas sujeitas aos demais regimes de tributação, que suportam elevadíssima carga tributária sobre a folha de salários e, que também estão sentindo os efeitos da recessão econômica mundial. Diante do cenário que se apresenta, como adimplir todas as suas obrigações empresarias, especialmente a de natureza tributária, ante a prioridade de se pagar os salários?
Importante lembrar que a concessão de moratória depende de lei, a teor dos artigos 152 e 153, do Código Tributário Nacional.
Entretanto, há uma Portaria do Ministério da Fazenda, vigente desde janeiro de 2012 que prorroga o prazo para pagamento de tributos federais, inclusive objeto de parcelamento, de sujeitos passivos domiciliados em municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública. A Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012 prorroga o vencimento das obrigações tributárias federais para o terceiro mês subsequente ao mês da ocorrência do evento que ensejou o decreto de calamidade pública. Mas tal autorização, a teor do art. 3º da mencionada Portaria, depende da expedição de atos normativos por parte da Receita Federal do Brasil e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o que ainda não ocorreu.
Diante da inércia do Poder Legislativo e Executivo, empresas buscam autorização do Poder Judiciário para prorrogar os vencimentos dos tributos ou afastar a mora.
Além da Portaria 12/2012, para afastar a mora pelo inadimplemento, pode-se invocar a aplicação do art. 393 e 397, do Código Civil, ante a existência de uma situação de “força maior”, caracterizada pelo fato (quarentena horizontal) inevitável e imprevisível, que gera impossibilidade no cumprimento da obrigação. E não nos esqueçamos que o Direito Tributário, a teor do art. 109, do CTN, não pode alterar a definição, conteúdo e o alcance dos institutos do Direito Privado. Logo, se para o Direito Civil as empresas não estão em mora por conta da pandemia, pela mesma razão não deveriam estar para o Direito Tributário.
Outro fundamento importante, utilizado por um dos magistrados que já deferiu liminar à um contribuinte do Distrito Federal, autorizando, de forma excepcional, a prorrogação do vencimento dos tributos por 90 dias, foi a aplicação, por analogia, a Teoria do Fato do Príncipe. Ou seja, a empresa não deu causa à interrupção de suas atividades, foi impedida por ato do Poder Público. Uma ação estatal de ordem geral que não possui relação direta com relação jurídica tributária, mas que produziu efeitos sobre esta, impedindo a satisfação de determinadas obrigações.
Já se tem notícia de outras duas decisões liminares proferidas ontem, nas Justiças Federal de Campinas e Araçatuba, deferindo a prorrogação com base na aplicação automática da Portaria nº 12/2012, em que o Poder Judiciário cria uma solução provisória diante da omissão da Secretaria da Receita Federal.
O caminho não deveria ser este. É hora de concentrar os esforços para superar a crise, especialmente de invocarmos a aplicação dos deveres de colaboração, cooperação e proteção no Direito Tributário. Neste momento, os contribuintes clamam por prorrogação de prazos para pagamento, e é dever da Administração Pública Tributária zelar pela preservação de empregos e existência das empresas.
Por Jussandra Hickmann Andraschko