Matéria é considerada uma das mais polêmicas da agenda fiscal do ministro Fernando Haddad
Em meio às dificuldades para a medida provisória que trata das regras para subvenções de ICMS (MPV 1185/2023) avançar no Congresso Nacional, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia encaminhar um projeto de lei com teor similar para tramitar no parlamento.
A ideia é que o texto seja enviado com pedido de regime de urgência − o que provoca trancamento da pauta da casa legislativa em que estiver tramitando após 45 dias.
O instrumento já foi usado no envio do projeto de lei que prevê o fim da dedutibilidade dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) da base de cálculo de impostos federais. Neste caso, porém, a urgência foi retirada há um mês a pedido do próprio governo para viabilizar a votação de projeto que tratava do programa de renegociação de dívidas Desenrola Brasil.
A MPV das subvenções veio com o argumento de regulamentar decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entendeu que benefícios fiscais concedidos pelos Estados via ICMS não podem ser deduzidos da base de cálculo dos tributos federais − especificamente o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Mas o texto gerou a impressão no mundo político, entre empresários e especialistas de que o governo extrapolou o entendimento da Corte e ampliou o escopo da legislação − inclusive revogando dispositivo usado pelo tribunal naquela decisão − com o intuito de ampliar a base de arrecadação em busca do cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024.
Na avaliação de especialistas consultados pelo InfoMoney, o texto tem potencial de afetar de forma significativa os resultados de empresas de diversos setores da economia, especialmente do varejo e da indústria, que já haviam sido atingidos pelo entendimento formado pelo STJ.
As subvenções na prática resultaram em isenção ou redução nos impostos estaduais pagos pelas companhias como forma de estimular a criação ou a expansão de operações. E tal desconto era usado pelas companhias para reduzir a própria base de cálculo do IRPJ e da CSLL – o que passou a gerar questionamentos do atual governo em situações em que o benefício não era usado exatamente para investimentos, mas custeio.
Com a mudança proposta pelo governo, a tributação de todas as empresas voltaria ao padrão, para que as situações sejam avaliadas pela Receita Federal de acordo com as normas estabelecidas. A prévia habilitação por meio do Fisco visa conferir maior controle aos benefícios por parte do governo federal.
Para atacar eventual “desvirtuamento do instituto”, a MPV reconhece à pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção de qualquer ente federado para implantar ou expandir empreendimento econômico o direito de apurar crédito fiscal – enquanto espécie de direito creditório concedido a título de IRPJ e passível de compensação ou ressarcimento com outros tributos administrados pela Receita Federal.
O texto estabelece que, na apuração do crédito fiscal, poderão ser computadas somente as receitas que estejam relacionadas a implantação ou expansão do empreendimento econômico e sejam reconhecidas após a conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico e o protocolo do pedido de habilitação da pessoa jurídica.
Não poderão ser computadas: 1) as receitas não relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à instalação ou expansão do empreendimento econômico; 2) a parcela das receitas que superar o valor dessas despesas; 3) a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas pelo ente federado; 4) as receitas que não tenham sido submetidas à tributação do IRPJ e da CSLL; (5) as receitas decorrentes de incentivos de IRPJ e do próprio crédito fiscal; e (6) as receitas reconhecidas após 31 de dezembro de 2028.
A iniciativa faz parte do conjunto de medidas encaminhadas pelo Ministério da Fazenda para equilibrar as contas públicas e é vista como uma das mais polêmicas delas. A equipe econômica estima que seriam necessárias receitas adicionais na ordem de R$ 168,5 bilhões para que a meta de zerar o déficit fiscal em 2024 seja alcançada.
A expectativa é que o novo projeto de lei seja encaminhado nos próximos dias, conforme têm sinalizado representantes do governo nas últimas semanas, e indique maior disposição ao diálogo por parte do Palácio do Planalto na matéria.
Além disso, tal encaminhamento evitaria o persistente impasse entre Câmara dos Deputados e Senado Federal em torno do rito adequado para MPVs. Essa disputa tem prejudicado o andamento de agendas de interesse do governo neste formato, em razão das dificuldades para instalação das comissões mistas no parlamento.
Neste caso, o envio de um projeto de lei de mesmo teor soaria como um aceno ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que tem manifestado discordância com o regime de tramitação das MPVs por uma leitura de suposta sub-representação dos deputados no processo.
Enviada em 31 de agosto, a medida provisória que trata das subvenções ainda não teve seu colegiado formado, nem relator designado. A matéria está em seu 36º dia de tramitação. Vale salientar que medidas provisórias entram em vigor no momento da publicação no Diário Oficial da União (salvo se houver alguma indicação em sentido diverso no próprio texto) e têm validade de 120 dias. Caso não sejam votadas neste prazo, elas “caducam”. No caso das subvenções, as duas casas legislativas têm até o fim do ano para apreciar as mudanças propostas pelo Executivo.
Como sinal de resistência ao texto encaminhado, foram protocoladas 99 emendas por parlamentares com sugestões de alteração na redação proposta. Algumas delas já estão em negociação com a equipe econômica. Nos bastidores, há um entendimento de que a matéria sofrerá flexibilizações, mas o governo indica indisposição em ceder no principal: a possibilidade de abatimento do subsídio estadual na base de imposto federal apenas em caso de investimento, e não para custeio.
Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a medida tem potencial de arrecadação da ordem de R$ 35,3 bilhões em 2024, R$ 32,4 bilhões em 2025, R$ 34,1 bilhões em 2026 e R$ 36,1 bilhões em 2027.
Fonte: InfoMoney