Supremo já definiu que o legislador tem competência para regulamentar tomada de créditos de PIS e Cofins
A Lei 14.592/2013, fruto da recentíssima conversão em lei da MP 1147/22, já nasceu envolta em polêmicas. Entre outros pontos, a norma trata da proibição de inclusão do ICMS na base dos créditos de PIS e Cofins, tema que já levou pelo menos cinco contribuintes à Justiça. O placar entre os precedentes localizados conta com três liminares deferidas e duas indeferidas.
A restrição, que está vigente desde 1º de maio, constava originalmente na MP 1159/23, porém, após negociação política, o texto foi incluído na MP do Perse (1147/22), aprovada pelo Senado no último dia 24. A Lei 14.592, decorrente da conversão da medida provisória, consta do Diário Oficial da União da última terça-feira (30). Além da questão relacionada aos créditos, a norma permite a exclusão de setores do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e mantém a desoneração dos combustíveis.
Na Justiça, entre os argumentos utilizados para derrubar a eficácia da MP 1159 em casos específicos está o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento em que decidiu que o ICMS não entra na base do PIS e da Cofins, não ter tratado da questão dos créditos. A restrição trazida pela medida provisória, assim, reduziria a vitória dos contribuintes. Além disso, no caso das contribuições, a definição feriria o princípio da não cumulatividade.
De acordo com advogados, a judicialização deve aumentar com a conversão em lei da medida. Com a proibição do creditamento em lei, ainda, pode constar nas ações a argumentação de que o trecho relacionado aos créditos de PIS/Cofins pode ser considerado um “jabuti”, ou seja, um item sem pertinência temática ao tema original da medida provisória.
Alguns tributaristas, porém, veem com ceticismo a possibilidade de, a longo prazo, as empresas conseguirem grandes vitórias sobre o tema na Justiça. Isso porque o STF já definiu que o legislador tem competência para regulamentar a tomada de créditos de PIS e Cofins.
Liminares favoráveis em SP e no RJ
Entre as liminares favoráveis deferidas pelo Judiciário está a do processo 5001361-70.2023.4.03.6133, analisado pela 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes (SP). Entre outros argumentos, o juiz Paulo Bueno de Azevedo entendeu que na “tese do século” (RE 574.706), por meio da qual foi decidido que o ICMS não entra na base de cálculo do PIS e da Cofins, o STF não tratou da questão dos créditos das contribuições.
Segundo Azevedo, o julgamento do Supremo não alterou a forma de apuração dos créditos, permanecendo vigente a legislação sobre o tema. “O crédito no PIS/Cofins não levava em consideração o efetivo valor pago na tributação. Assim, não existe uma correlação necessária entre a exclusão do ICMS da base de cálculo PIS/Cofins e a sua inclusão no direito de crédito. O ICMS pago na aquisição de insumos continua sendo um tributo não recuperável”, afirmou o juiz ao deferir a liminar.
O advogado Felipe Mano, do FAV Advogados, atuou no caso defendendo a empresa. Segundo ele, no caso do PIS e da Cofins, a restrição ao crédito vai contra o princípio da não cumulatividade. “A não cumulatividade do PIS e da Cofins é de base contra base. A base de créditos está ligada ao preço, ao valor do bem em si. É um pouco diferente do que temos em relação ao ICMS e em relação ao IPI, que é o valor da nota”, diz.
O tributarista acredita que os contribuintes estavam esperando um cenário mais consolidado para ir à Justiça contra a restrição ao creditamento. Com a conversão em lei, para ele, pode surgir no Judiciário a argumentação de que a impossibilidade de inclusão do ICMS nos créditos de PIS e Cofins pode ser considerada uma emenda “jabuti” à MP do Perse.
“Se eu for novamente questionar isso, de fato vou questionar a emenda jabuti, que trouxe outras matérias e viola o processo legislativo como um todo”, diz.
Outra decisão favorável localizada pelo JOTA consta no processo 5058002-97.2023.4.02.5101, analisado pela 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro em 18 de maio. Para a juíza Frana Elizabeth Mendes, “a nova sistemática tratada pela respectiva MP [1159] praticamente anula o objetivo da tributação não cumulativa, vez que, em um primeiro momento, gera maior arrecadação ao Tesouro, mas, no médio e longo prazos, afigura-se danosa à economia, por onerar o impacto referente à tributação”.
Há, ainda, uma liminar deferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) no processo 5005005-17.2023.4.02.0000.
Levantamento feito pelo JOTA localizou, por outro lado, dois processos com liminares indeferidas. Tratam-se das ações 5015372-46.2023.4.04.0000 e 5016027-18.2023.4.04.0000, em tramitação no TRF4. Nestes casos, sem se alongar nos argumentos, os desembargadores consideraram que não há, nos casos, a figura do perigo da demora que justifique a concessão das liminares.
Em que pese defenderem, em alguns casos, a inclusão do ICMS na base dos créditos, especialistas consultados pelo JOTA acreditam que a chance de vitória a longo prazo não é tão certa na Justiça.
O advogado Felipe Kneipp Salomon, do Levy & Salomão Advogados, lembra que, por meio do RE 841979 (Tema 756), o STF definiu que o legislador ordinário é competente para regulamentar a não cumulatividade do PIS e da Cofins. Por isso, os contribuintes teriam uma discussão “dura” no Judiciário.
“Diferentemente do ICMS e do IPI, o comando [constitucional] da não cumulatividade não é tão completo com relação ao PIS/Cofins. O legislador ordinário tem mais margem de manobra”, afirma. O advogado, porém, salienta que é necessário ao legislador observar alguns parâmetros, entre eles as regras trazidas pela Constituição em relação ao próprio tributo e o princípio da razoabilidade.
O advogado Fábio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, tem a mesma posição. “A discussão não é simples. Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal onde ele diz que a lei calibra a não cumulatividade, embora tenha que respeitar a capacidade contributiva, isonomia, não confisco e neutralidade, acaba havendo uma liberdade do legislador”, afirma.
Fonte: Jota