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Recuperação judicial: novo status do crédito fiscal se reflete em mais transações

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A importância da transação tributária federal, importante e eficiente instrumento de política pública

Após a entrada em vigor da Lei de Falências[1], a jurisprudência adotou entendimento de que, por não ter sido editada lei que tratasse especificamente do parcelamento/tratamento dos débitos tributários das empresas em recuperação judicial, não se mostrava exigível a apresentação das certidões que trata o artigo 57[2], da Lei de Recuperação Judicial e Falências e a quitação exigida pelo artigo 191-A[3] do Código Tributário Nacional, sob pena de tornar inviável o instituto da recuperação judicial.

Além disso, se entendia que a dispensa das certidões negativas não traria prejuízo à Fazenda Pública, tendo em vista que as execuções fiscais não são atingidas pelo processamento da recuperação judicial.

O entendimento era de que, se empresas em crise acumulam dívidas perante diversos tipos de credores, como trabalhadores, bancos e fornecedores, tão ou mais frequente é o endividamento tributário. E não havendo mecanismo específico para regularização dos débitos tributários, a exigência de regularidade fiscal poderia simplesmente inviabilizar a reestruturação de empresas em crise.

Entretanto, após as alterações na Lei de Falência e na Lei 10.522/2002[4], introduzidas pela Lei 14.112/2020 – que conferiram ao fisco maiores prerrogativas no âmbito da recuperação judicial, ainda que seu crédito a ela não se encontre subordinado, bem como estabeleceram medidas facilitadoras para o equacionamento das dívidas tributárias federais –, a matéria foi revisitada e reformada pelos ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Este colegiado concluiu, no julgamento do Resp 2.053.240/SP[5], que, após a vigência Lei 14.112/2020, e havendo programa de parcelamento tributário, implementado não apenas na Lei 10.522/2002, mas também na Lei 13.988/2020 (lei da transação tributária federal), tornou-se indispensável a apresentação das certidões negativas de débito tributário – ou certidões positivas com efeito de negativas – para o deferimento da recuperação judicial. Com ressalva feita em relação aos débitos fiscais de titularidade das Fazendas Estaduais, do Distrito Federal e Municípios que não tenham implementado programas de regularização fiscal factíveis para empresas insolventes.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, após tais alterações legislativas, a exigibilidade de regularização fiscal para a concessão de recuperação judicial, “constituiu a forma encontrada pela lei para, em atenção aos parâmetros de razoabilidade, equilibrar os relevantes fins do processo recuperacional, em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro”.[6]

Embora a decisão não tenha sido proferida em sede de recurso repetitivo, trata-se de mudança importante de posicionamento da Corte, reafirmada em recente julgamento da 3ª Turma, no Recurso Especial 2.082.781[7], de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

No mesmo sentido tem sido as decisões da Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Para o desembargador Maurício Pessoa condicionar a concessão da recuperação judicial à regularidade fiscal, é “medida que busca conciliar o princípio da preservação da empresa com a necessidade de se dar efetividade às cobranças de créditos fiscais, as quais não raramente acabavam frustradas ante a escassez de patrimônio penhorável de sociedade em recuperação judicial”.[8]

Entretanto, ainda há tribunais, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[9], que flexibiliza a exigência de apresentação de certidões negativas de débitos tributários para a concessão da recuperação judicial.

Outra consequência das alterações introduzidas pela Lei 11.112/2020, foi a inserção do §7º-B, no artigo 6º, da Lei de Falência, que retirou do juízo do processo de recuperação a competência para liberar penhoras determinadas por outros juízos de execuções fiscais. O juízo da recuperação judicial passou a ter competência somente para autorizar ao devedor a substituição de bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial penhorados na execução fiscal, por um outro que seja suficiente a garantir a execução.

Em decorrência disso, houve o cancelamento do Tema Repetitivo 987, cuja questão submetida a julgamento discutia a possibilidade de atos constritivos contra empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal, por dívida tributária ou não tributária. Com o cancelamento do tema, o colegiado determinou o levantamento da suspensão nacional de processos relacionados ao repetitivo anteriormente afetado. Ou seja, muitas das execuções fiscais que estavam suspensas aguardando o julgamento definitivo do tema pela Corte voltaram a ter seguimento, com diversos pedidos de penhoras de ativos financeiros e expropriação de bens.

Portanto, apesar da jurisprudência ainda oscilar quanto à obrigatoriedade de certidão de regularidade para a concessão da recuperação judicial, é inegável que após as alterações legislativas e jurisprudenciais, que inclusive cancelou o Tema Repetitivo 987/STJ, houve uma mudança do status do crédito fiscal no contexto nos processos de recuperação judicial. E os impactos desta mudança de status já são verificados nos números das transações tributárias federais celebradas.

Isso porque, conforme se infere do 5º Relatório do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, o qual se dedicou ao estudo de dados específicos sobre transações tributárias individuais celebradas por contribuintes em recuperação judicial, foi identificado que aproximadamente um terço destas negociações envolvem empresas sujeitas a processos de recuperação judicial.

Dado interessante apontado pelo estudo é que, ao contrário da transação tributária, cujos números têm aumentado paulatinamente nos últimos anos, entre 2016 e 2022 o número de recuperações judiciais foi decrescente, tendo alcançado o menor patamar em 2022[10].

Ora, se ambos os institutos envolvem débitos de empresas em crise e ocorrem dentro de um mesmo cenário econômico, é provável que uma das principais causas para esta discrepância entre o aumento de transações individuais, mesmo diante das reduções de processos de recuperação judicial, sejam as alterações legislativas e jurisprudenciais. Referidas alterações permitiram ao fisco maior eficiência na cobrança de seus créditos e maior poder de pressão sobre as empresas em recuperação judicial, inclusive com a possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência em caso de não pagamento do parcelamento tributário.

Ademais, a existência de uma grande demanda reprimida de débitos tributários de difícil recuperação ou irrecuperáveis, por métodos autocompositivos de resoluções de conflito em matéria, é outra causa para o aumento expressivo do número negociações por empresas em recuperação judicial. Daí a importância da transação tributária federal, este importante e eficiente instrumento de política pública que visa não apenas arrecadar, mas dar o correto tratamento àqueles contribuintes que não possuem capacidade de pagamento.

Portanto, resta demonstrado que a exigência de regularidade fiscal para concessão do plano de recuperação judicial e o prosseguimento das execuções fiscais por conta do cancelamento do Tema 987/STJ têm refletido no aumento de transações tributárias individuais celebradas por contribuintes em recuperação judicial. Acredito que os números de acordos de transação celebrados certamente só não são maiores por conta das dificuldades práticas que os contribuintes enfrentam nas tentativas de negociação com o fisco federal, em especial o prazo demasiadamente longo para a análise do pedido de transação tributária individual.

[1] Lei 11.101/2005.

[2] Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

[3] Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

[4] Foi introduzido o art 10-A, que passou a prever um parcelamento dos débitos com a fazenda nacional, de natureza tributária em 120 meses, e na hipótese de exclusão deste, outorgaram à Uniao a faculdade de requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 2053240/SP. Terceira Turma, julgado em 17/10/2023. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/dl/ju/juiz-agora-exigir-regularidade-fiscal1.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2024.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 2053240/SP. Terceira Turma, julgado em 17/10/2023. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/dl/ju/juiz-agora-exigir-regularidade-fiscal1.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2024.

[7] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RE nº 2.082.781/SP. Terceira Turma, julgado em 28/11/2023. Disponível em:<https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=219846820&registro_numero=202302259896&peticao_numero=&publicacao_data=20231206&formato=PDF>. Acesso em: 04 de mar. de 2024.

[8] TJSP. Agravo de Instrumento nº 2024687-41.2022.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Itapevi – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2022; Data de Registro: 11/08/2022.

[9] Agravo de Instrumentos n. 51101695620238217000, n. 51861953220228217000 e 51318562620228217000.

[10] CANADO, Vanessa Rahal. (coord.). 5º Relatório de pesquisa (data-base 30.06.2023). Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper – Linha de pesquisa: observatório de transações tributárias. Disponível em:< https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2023/02/Insper_Nucleo-Tributacao_Observatorio-transacao-Tributaria_Relatorio.pdf>. Acesso em: 04 de mar. de 2024.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko

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