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Reforma tributária: as maiores vítimas da Covid-19 serão as mais oneradas

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Apesar da majoração da alíquota, a proposta vem acompanhada de um discurso cativante de que não haverá aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais, pois haverá creditamento amplo e exclusão dos tributos sobre o consumo de sua base de cálculo.

Assim como a economia global, a economia brasileira atravessa o seu pior momento desde o final da Grande Depressão, resultante da maior crise sanitária mundial da nossa época [1]. E, segundo a economista-chefe do FMI, Gina Gopinath, essa crise é diferente de tudo o que o mundo já viu, e trará consequências devastadoras para os mais pobres. Ao contrário das demais, em que a indústria registrava pior queda, nesta será o setor dos serviços o mais prejudicado [2].

A solução para saída dessa crise não é outra senão a produção e distribuição de vacinas ou a descoberta de tratamentos eficazes para combater a doença. Para isso, precisamos de tempo, e não se sabe de quanto. Ou seja, é imprevisível o tamanho do impacto e o momento da retomada econômica, especialmente do setor que mais emprega no Brasil, que é o de serviços. As medidas adotadas para controle da pandemia já fecharam mais de dois milhões de postos de trabalho [3]. E, com o desemprego, vem o aumento da pobreza.

Todavia, mesmo diante desse caos econômico, o governo federal apresentou a primeira parte da proposta de reforma tributária, o PL 3887/2020, que unifica apenas dois dos tributos sobre o consumo, o PIS e a Cofins, criando a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Nele, o que mais chama a atenção é a alteração de alíquota, pois propõe que sejam majoradas as atuais alíquotas somadas de PIS/Cofins de 3,65% (no regime cumulativo) e 9,65% (no regime não cumulativo) para 12%.

Apesar da majoração da alíquota, a proposta vem acompanhada de um discurso cativante de que não haverá aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais, pois haverá creditamento amplo e exclusão dos tributos sobre o consumo de sua base de cálculo [4].

Ainda que a não cumulatividade seja plena, como também prometem as PEC’s 45/2019 e 110/2019 — que visam a criar um Imposto sobre Bens e Serviços —, por utilizar pouco insumo capaz de gerar crédito fiscal e empregar muita mão-de-obra, haverá severo aumento da carga tributária para o setor de serviços. Passarão da alíquota de 3,65% para 12%, já que o seu maior custo não enseja creditamento. Também não cabe o argumento de que poderá ser repassado ao cliente, porque, se prestado ao consumidor final, será totalmente absorvido como custo do contribuinte.

Em suma, o setor mais atingido pelos efeitos econômicos da pandemia será também o mais onerado com quaisquer das três propostas de reforma tributária em tramitação.

Sem falar que os serviços de saúde, ora tão essenciais a toda a população, também terão de repassar esse aumento da carga tributária aos seus usuários, sejam eles dos planos de saúde, serviços médicos e hospitalares.

Outro ponto importante a ser analisado, fortemente presente na PEC 45/2019, assim como na recente proposta de reforma tributária apresentada pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, é o fim da aplicação do princípio da seletividade para graduar a alíquota de acordo com a essencialidade do bem. A primeira prevê alíquota única (25%), a segunda, apenas duas (17% e 25%). Ou seja, a intenção é tributar de maneira uniforme e linear todos os bens e serviços, grosso modo, da mesma maneira o quilo do arroz e a arma de fogo.

Se hoje, mesmo com a desoneração de 16 bilhões sobre produtos da cesta básica [5], os trabalhadores que ganham até um salário mínimo nacional têm carga tributária real de 37% sobre os produtos que consomem, questiona-se de quanto será essa carga se aprovado quaisquer dos projetos, seja do IVA Dual ou do Nacional [6]. Para mitigar o impacto, os projetos propõem que parte do imposto pago pelas famílias mais pobres seja devolvido através de mecanismos de transferência de renda. Entretanto, tais políticas são incertas e podem ser contingenciadas em momento de crise.

Ora, enquanto empresas clamam por diferimento de tributos, não exclusão de parcelamentos especiais por inadimplemento e os desempregados necessitam de auxílio emergencial para ter acesso a produtos essenciais à sua sobrevivência, são descabidas quaisquer propostas que impliquem criação ou majoração de tributos.

É necessário cuidado com o eufemismo das propostas: “simplificação do sistema”, “aumento da produtividade” e “crescimento econômico” encobrem o aumento de carga para as duas maiores vítimas da Covid-19: o setor de serviços e as pessoas mais pobres.

Por Jussandra Hickmann Andraschko 


[1] “OMS considera coronavírus ‘maior crise sanitária mundial da nossa época'”. Jornal de Brasília, Brasília, DF, 16 mar. 2020. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/mundo/oms-considera-coronavirus-maior-crise-sanitaria-mundial-da-nossa-epoca/. Acesso em: 3/8/2020.
[2] CRISE atual é ‘diferente de tudo o que o mundo já viu’ e terá consequências devastadoras para os mais pobres, diz economista-chefe do FMI. G1, [s. l.], 16/6/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/16/crise-atual-e-diferente-de-tudo-o-que-o-mundo-ja-viu-e-tera-consequencias-devastadoras-para-os-mais-pobres-diz-economista-chefe-do-fmi.ghtml. Acesso em: 3/8/2020.
[3] DESEMPREGO diante da pandemia tem alta pela 4ª semana seguida, aponta IBGE. G1, [s. l.], 3/7/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/03/cerca-de-11-milhao-de-pessoas-voltaram-ao-trabalho-no-pais-na-segunda-semana-de-junho-diz-ibge.ghtml. , [s. l.], 16/6/2020.
[4] Item 15 da Exposição de Motivos. PODER EXECUTIVO. Projeto de Lei nº 3887/2020. Institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, e altera a legislação tributária federal. Brasília, 21/7/2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6F223052AFCE98EA3036B8582183E6A0.proposicoesWebExterno1?codteor=1914962&filename=PL+3887/2020. Acesso em: 3/8/2020.
[5] GRANER, Fábio. “Desoneração da cesta básica tem custo de 16 bi”. Valor Econômico, Brasília, 26/9/2019. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/09/26/desoneracao-da-cesta-basica-tem-custo-de-r-16-bi.ghtml. Acesso em: 3/8/2020.
[6] GOMES, Luiz Flávio. “Quem paga menos impostos no Brasil?” Jusbrasil, São Paulo, out. 2014. Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121933009/quem-paga-menos-impostos-no-brasil. Acesso: 3/8/2020.

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