Ao analisar caso da Bunge, 2ª Turma decidiu, pela primeira vez, sobre situação de exportadores no regime especial “fast track”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, pela primeira vez, sobre um tema de impacto para as empresas exportadoras. Envolve o chamado “fast-track”, regime em que a Receita Federal permite o ressarcimento de créditos acumulados de PIS, Cofins e IPI de forma antecipada.
Ficou decidido que se a fiscalização constatar que o crédito ressarcido não era devido, a empresa que recebeu o dinheiro terá que devolvê-lo de forma imediata para a União. Na prática, o contribuinte terá que fazer o pagamento, mesmo se não concordar com o Fisco. Depois poderá iniciar um processo administrativo para contestar a decisão que invalidou o crédito.
A situação é diferente do que ocorre com as cobranças fiscais em geral. Normalmente, enquanto o contribuinte discute no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a exigibilidade do tributo fica suspensa.
A primeira decisão sobre esse tema no STJ foi proferida pela 2ª Turma em um caso envolvendo a Bunge, multinacional de alimentos e agronegócio. Todos os ministros do colegiado votaram pela devolução imediata dos valores (REsp nº 2.071.358).
Especialistas dizem que essa discussão é relevante para o mercado como um todo. Isso porque as empresas exportadoras costumam acumular muitos créditos por conta do regime da não cumulatividade. Compram matéria-prima com tributos, que geram créditos, mas eles não têm vazão porque as vendas para o exterior são isentas de tributação.
”O objetivo [do fast-track] é melhorar o fluxo de caixa das exportadoras”
— Bruno Fajersztajn
Vem daí a possibilidade de ressarcimento. A legislação brasileira prevê que, quando uma empresa acumula crédito por três meses, ela pode apresentar pedido para receber esse crédito acumulado em espécie. A forma tradicional disso, no entanto, costuma ser burocrática e demorada.
O chamado “fast-track” foi uma medida criada para acelerar esse processo. A Receita antecipa os valores para as empresas que estão habilitadas no regime antes de fazer a análise do crédito.
“Representa alívio de caixa. Para algumas empresas é questão de vida ou morte”, diz Marcos Matsunaga, sócio do escritório Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados.
Para as exportadoras em geral esse adiantamento é de até 50% do valor total do pedido. Já a Bunge está em um regime mais benéfico, direcionado para a cadeia da soja, em que podem ser adiantados até 70% dos valores.
A discussão, no STJ, envolve cerca de R$ 150 milhões referentes à restituição de créditos acumulado de PIS e Cofins. A empresa havia perdido no Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, e recorreu, então, à Corte superior.
No dia do julgamento, o advogado Bruno Fajersztajn, representante da Bunge no caso, defendeu aos ministros que “um mero indeferimento por parte da Receita Federal, objeto de recurso, não poderia justificar” a devolução dos valores.
Passaria por cima do devido processo legal e do direito ao contraditório e à ampla defesa, disse, acrescentando que a empresa não se opõe em devolver os valores se houver a confirmação da existência do débito.
“Interpretação [pela devolução imediata] é excessivamente rigorosa. Descabida”, afirmou Fajersztajn aos ministros. “O objetivo [do fast-track] é melhorar o fluxo de caixa das empresas exportadoras”, enfatizou.
Mas não foi suficiente para convencer a 2ª Turma do STJ. O relator, ministro Francisco Falcão, leu somente a ementa do seu voto. Concluiu rejeitando o recurso da empresa e deu o caso por encerrado.
O ministro Mauro Campbell Marques foi o segundo a proferir o voto. Mas ele tratou o tema de forma mais detalhada. Disse que, em virtude do artigo 74 da Lei nº 9.430, de 1996, “não há que se falar na suspensão do débito nos casos em que o valor objeto de ressarcimento tenha sido indeferido pela Receita Federal, ainda que se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa”.
Campbell afirmou ainda que há precedente na Corte para afastar a suspensão da exigibilidade quando as compensações são consideradas como não declaradas pela Receita Federal. “Para ressarcimento se aplicam esses mesmos efeitos, ou seja, não há direito líquido e certo da suspensão da exigibilidade do débito a ser devolvido”, complementou.
Os demais ministros da 2ª Turma não leram os seus votos no dia do julgamento. Informaram apenas que concordavam com o entendimento do relator e do ministro Campbell.
A Bunge ainda pode apresentar embargos de declaração à turma. Esse recurso, no entanto, não muda o mérito. Serve somente para esclarecer dúvidas e obscuridades do acórdão.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou, por meio de nota, que o valor objeto de devolução não tem natureza de dívida tributária e, por esse motivo, não se aplica a regra da suspensão da exigibilidade.
“Trata-se de devolução de valores recebidos a título de créditos presumidos, obtidos em sede de ressarcimento. Ou seja, valores decorrentes de um favor fiscal previsto no artigo 31 da Lei nº 12.865, de 2013”, disse.
Consta também na nota que o contribuinte, “ao valer-se da faculdade de postular o pronto ressarcimento de 70% de seus créditos, assumiu o risco de ter que devolver, tão prontamente como recebeu, o montante que fosse glosado” pelo Fisco. “Tal consequência restava expressamente prevista na Portaria MF nº 348, de 2014”, concluiu a PGFN.
Fonte: Valor Econômico