- INTRODUÇÃO
O Regime especial de reintegração de valores tributários para empresas exportadoras – REINTEGRA é, ou deveria ser, um importante instrumento para auxiliar às empresas exportadoras brasileiras a ter competitividade no mercado externo. A Lei instituidora do REINTEGRA confere ao Poder Executivo a tarefa de fixar o percentual do REINTEGRA, o qual incidirá sobre o valor das receitas de exportação.
Ocorre que, atualmente, tal percentual corresponde a míseros 0,1%. Ou seja, pode-se afirmar que hoje essa importante ferramenta para dar competitividade às empresas exportadoras é irrisória. No entanto, é possível recorrer ao Poder Judiciário para buscar a modificação de tal percentual. Existem sólidos argumentos jurídicos para sustentar que o percentual aplicável deve ser aquele que reflita a real desoneração da cadeia produtiva exportadora, podendo superar, inclusive, os 3% anteriormente fixados pelo Poder Executivo.
Para compreender as razões pelas quais os contribuintes possuem grandes chances de aumentar o percentual do REINTEGRA, primeiramente, é necessário entender o contexto que levou à instituição do REINTEGRA. Nessa linha, é importante analisar o cenário da tributação envolvendo as empresas exportadoras.
- O SURGIMENTO DO REINTEGRA
Buscando assegurar a competitividade das empresas brasileiras no mercado externo e assegurar o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF), o Constituinte consagrou a desoneração da cadeia produtiva dirigida à exportação. Nesse sentido, é possível observar que ao legislador infraconstitucional não foi outorgada competência para instituição de IPI (art. 153, § 3º, III, da CF), ICMS (art. 155, § 2º, X, a, da CF), ISS (art. 156, § 3º, II, da CF) e PIS/ COFINS (art. 149, § 2º, I, da CF) sobre as operações envolvendo exportação.
Tais imunidades tributárias buscam concretizar o princípio do país destino. Sobre o tema, SCHOUERI assevera que “a imunidade às exportações se explica a partir da decisão do constituinte brasileiro – seguindo tendência universal – de o País adotar, em suas relações internacionais, o princípio do destino na tributação do consumo.” [1]
Ocorre que, apesar das desonerações presentes na Constituição Federal e da inegável introdução do princípio do país do destino em nosso ordenamento jurídico, a cadeia produtiva exportadora ainda convive com resquícios da tributação em cascata característica do sistema tributário brasileiro.
Diante desse cenário, em 2011, foi instituído pela primeira vez o REINTEGRA. Analisando a exposição de motivos da Medida Provisória que o instituiu, constata-se que o REINTEGRA foi criado com o objetivo de contornar as dificuldades encontradas pelas empresas brasileiras exportadoras de competir em igualdade de condições em um ambiente de competição cada vez mais acirrada, o que justifica sua urgência e relevância. O prazo de vigência do REINTEGRA findava-se em 31 de dezembro de 2013, mas ainda era necessário desonerar a cadeia produtiva exportadora. Assim, o REINTEGRA foi novamente instituído em 2014.
Demonstrado o arcabouço normativo do REINTEGRA e as razões de sua instituição, cumpre analisar qual a sua natureza jurídica.
- O REINTEGRA É UM BENEFÍCIO FISCAL?
Inicialmente, para correta compreensão do tema, importante fixar a premissa de que o REINTEGRA não é mera subvenção econômica. Sobre o tema Tércio Sampaio Ferraz Júnior leciona que a concessão do referido crédito não constitui subvenção. isso porque subvenções representariam vantagens financeiras dadas pelo governo para tentar alcançar resultados econômicos desejados, diferentemente do que ocorre com o reembolso real (efetivamente existente) da carga tributária da atividade, implicando sua redução ou exclusão. […] Ou seja, a própria lei referiria que se trata de um ressarcimento, uma devolução de parte do que a empresa já pagou, para desonerar a exportação dos tributos residuais incidentes na cadeia produtiva, tais como as verbas previdenciárias.” [2]
Também não pode ser caracterizado como simples benefício fiscal, pois a compensação decorrente do REINTEGRA não se enquadram “…propriamente, diante de qualquer “vantagem” ou “benefício”. Trata-se, antes, de imunidade objetiva, isto é, não interessa a pessoa do contribuinte, mas apenas o objeto que no caso são as receitas decorrentes de exportação”.[3]
Demonstrado que o REINTEGRA não pode ser caracterizado como incentivo fiscal ou subvenção econômica, Tércio Sampaio Ferraz Júnior conclui, nas palavras do Ministro Edson Fachin, tratar-se de espécie sui generis de repetição de indébito considerando que o valor creditado ou pago ao contribuinte nada mais é do que ressarcimento do ônus fiscal incorrido ao longo da cadeia exportadora constitucionalmente exonerada por regras de imunidades tributárias.
Seguindo essa linha, SCAFF posiciona-se no sentido de reconhecer o REINTEGRA como uma repetição de indébito, a ser devolvido mediante compensação tributária, via PERDCOMP, pois tem origem em uma cobrança indevida de tributos na exportação.[4]
Pelas razões expostas nos parágrafos anteriores, pode-se concluir que o REINTEGRA é uma espécie sui generis de repetição de indébito, existente para concretizar a desoneração das exportações, garantir que não haja perda parcial da eficácia da norma imunizante das exportações de bens e serviços e assegurar o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF).
- O AUMENTO DO PERCENTUAL DO REINTEGRA
Considerando que a Lei nº 13.403/2014 reintroduziu o REINTEGRA ordenamento jurídico com o objetivo de sanar falha estrutural do sistema tributário brasileiro, representada pela existência de resíduos tributários na cadeia produtiva exportadora, não restam dúvidas que essa ferramenta é uma extensão da imunidade tributária e um retrato da aplicação do princípio pais do destino.
Nesse sentido, o Ministro Edson Fachin, em seu voto proferido no julgamento das ADIs 6040 e 6055, reconheceu que o REINTEGRA opera como instrumento/garantia do princípio do país do destino que albergado no princípio da isonomia (art.150, II) e positivado na Constituição Federal mediante as regras de imunidade tributária, que por sua vez estão a contemplar não somente o método da exoneração, mas, também, o método do crédito/reembolso em consonância com as regras do Sistema Multilateral do Comércio, com destaque para o previsto no GATT (General Agreement Trade Tarifs) e ASMC (Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias) , conforme reconhecido em julgamento em painel instaurado perante o Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC). (Dispute Settlement – DS n.472, Apellate Body- World Trade Organization).[5]
Além de tais constatações sobre o REINTEGRA, é importante fixar a premissa de que as imunidades tributárias relativas às exportações devem ser interpretadas de forma teleológica para que lhe sejam concedidas a maior abrangência possível, assegurando a máxima efetividade da legislação infraconstitucional editada para conferir aplicabilidade à imunidade.
Nessa linha de raciocínio, a Ministra Rosa Weber, no julgamento do RE 627815, consignou que nas inúmeras oportunidades em que debatida a questão da hermenêutica constitucional aplicada ao tema das imunidades, adotou a interpretação teleológica do instituto, a emprestar-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efetividade.[6]
Diante de tais premissas, não restam dúvidas que o REINTEGRA, uma vez criado para devolver resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados, não pode ter seus percentuais livremente alterados pelo Poder Executivo, pois a interpretação da legislação instituidora deve ser de forma teleológica a fim de garantir a imunidade das exportações.
Sobre o tema, José dos Santos Carvalho Filho leciona que o poder regulamentar é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo.[7]
Nessa linha, o artigo 22 da Lei n.13.043/2014 ao prever ressarcimento “mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo” como delegação legislativa, considerando a complexidade da avaliação e mensuração dos ônus fiscais de cada regime tributário setorial e fase das diferentes cadeias produtivas exportadoras.[8]
Ocorre que, a discricionariedade do Poder Executivo para redução das alíquotas do REINTEGRA encontra barreiras na própria lei instituidora do programa, cuja finalidade, relembre-se, era devolver o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados.
Assim, qualquer redução de alíquota deve ser pautada por estudos técnicos que traduzam a real oneração da cadeia produtiva exportadora e demonstrem que a alíquota é compatível com a restituição dos resquícios tributários da cadeia. Diante dessa realidade, qualquer alteração da alíquota que mire objetivo diverso, estará maculada por manifesto desvio de finalidade, afrontando diretamente o art. 37 da Constituição Federal.
No entanto, apesar da vedação à redução aleatória do percentual do REINTEGRA, o Poder Executivo o reduziu sem qualquer estudo técnico por meio dos Decretos n° 8.543/2015, n° 9.148/2017 e n° 9.393/2018. A título de exemplo, importante trazer à baila que a redução realizada no ano de 2018 foi efetuado para fazer frente aos benefícios concedidos aos caminhoneiros, no intuito de acabar com a greve realizada pela categoria.
Uma vez compreendido que a Legislação instituidora do benefício não pode conceder ampla discricionariedade ao Poder Executivo no que se refere à alteração da alíquota do REINTEGRA, é necessário demonstrar qual a interpretação constitucionalmente adequada da Lei n.º 13.043/2014.
Desde logo, importante afastar qualquer interpretação no sentido de que a possibilidade de devolução parcial do benefício, prevista no art. 21 da Lei nº 13.043/2014, confere ao Poder Executivo discricionariedade para fixas as alíquotas em descompasso com os resíduos tributários da cadeia exportadora.
Essa interpretação não encontra amparo na garantia constitucional de desoneração das exportações. A locução “devolver parcial” deve ser interpretada no sentido de que, em decorrência do dinamismo das relações tributárias, nunca será possível a fixação de um índice que efetivamente recomponha todo o custo tributário da cadeia produtiva exportadora.
Diante desse cenário, visando a efetiva aplicação do REINTEGRA e consequente concretização da imunidade das exportações, é necessário garantir às empresas exportadoras o aproveitamento do REINTEGRA em percentual mínimo de 3%.
Além disso, deve ser garantido às empresas exportadoras a realização de requerimento administrativo objetivando a aplicação de percentual adicional caso se comprove, mediante levantamento ou estudo, que o percentual de 3% não garante a integral restituição dos resíduos tributários que oneram a cadeia de produção das empresas exportadoras.
- CONCLUSÃO
A partir de todos os argumentos expostos nos parágrafos anteriores, pode-se concluir que há forte embasamento jurídico para as empresas exportadoras buscarem junto ao Poder Judiciário o aumento do percentual do REINTEGRA permanentemente para, no mínimo, 3%.
Ainda, é importante atentar que o tema discutido no presente artigo já chegou no Supremo Tribunal Federal (ADIs 6040 e 6055), razão pela qual os contribuintes interessados em aumentar o percentual do REINTEGRA devem se posicionar junto ao Poder Judiciário para evitar que sejam atingidos por eventual modulação de efeitos proposta em caso de julgamento favorável pelo STF.
Por: Wagner Cemin