Deixar de pagar o ICMS na crise é crime?

Em dezembro de 2019, o STF julgou recurso em que se discutiu a criminalização do empresário que deixa de recolher o ICMS.

Como a redução do tributo por meio do emprego de fraude é, notadamente, crime, algumas empresas passaram a registrar as operações regularmente – com emissão de documentos fiscais, declaração em GIA e apuração do ICMS a pagar –, mas passaram a deixar de recolher a guia de arrecadação. Era entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais, inclusive dos tribunais superiores, que o inadimplemento de tributo declarado não configurava ato ilícito – seja para fins tributários, de responsabilização do sócio administrador pela dívida; seja para fins penais.

Tal cenário começou a se alterar há alguns anos, quando o Ministério Público de alguns Estados começou a denunciar os administradores de empresas devedoras de ICMS, sob a alegação de que tal ato configuraria apropriação indébita. Tal crime estaria previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, que assim dispõe:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

(…)

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

Algumas denúncias foram aceitas, processando-se ações penais pelo inadimplemento de ICMS. Neste cenário, um recurso chegou ao STJ e, por maioria, a Corte Superior entendeu, em 2018, que o inadimplemento de ICMS configuraria o crime de apropriação indébita, uma vez que o valor, embutido no preço das mercadorias vendidas, não pertenceria à empresa, mas ao Estado. Deste recurso interpôs-se outro recurso, agora para o Supremo Tribunal Federal, julgando-se, em dezembro de 2019, que o não pagamento do ICMS, de forma reiterada e com o dolo de apropriação, configura o crime de apropriação indébita.

Fixou-se, inclusive, uma tese, que deve orientar os julgamentos daqui em diante. Ei-la:

O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

O acórdão foi publicado em 2020, tendo sido opostos embargos de declaração, ainda sem julgamento pelo STF. De qualquer sorte, mesmo que o Supremo ainda não tenha finalizado o julgamento desta ação, tem-se uma mensagem bastante clara do Judiciário: declarar e não pagar, de forma reiterada, é crime, o que deve ser considerado pelo empresário na condução de sua empresa.

Diz-se isso, porque, primeiro com a pandemia e agora com as enchentes, alguns empresários vivenciaram um rápido esgotamento de caixa, com a continuidade de uma série de despesas correntes. Neste cenário em que o volume de obrigações se tornou maior do que a capacidade de pagamento, a pergunta recorrente é: qual conta deve ser paga primeiro? E mais, qual obrigação pode ser postergada?

Em termos tributários, muitos orientaram que não se poderia deixar de recolher os tributos retidos (contribuição previdenciária, imposto de renda retido na fonte, ICMS-ST), bem como o ICMS, diante do novo entendimento do STF acerca da criminalização do inadimplemento.

De fato, há esse entendimento do STF, mas a própria tese traz duas assertivas que não podem ser desconsideradas. Diz a tese que comete crime o contribuinte que deixa de recolher o ICMS de forma contumaz e com dolo de apropriação.

Há aqui informações relevantes acerca do elemento subjetivo do tipo penal. Não é qualquer contribuinte que deixa de recolher o ICMS que incide no crime. É aquele que o faz de forma contumaz, reiteradamente, com dolo de apropriação, ou seja, como meio de financiamento da sua atividade empresarial e, muitas vezes, praticando concorrência desleal.

Nos parece que, se o inadimplemento se der momentaneamente e em virtude da crise que estamos atravessando, não teremos presente o elemento subjetivo do tipo penal. O empresário não recolherá o ICMS não porque adotou esta prática como meio de financiamento da sua atividade, mas porque teve que escolher quais obrigações adimplir e, sabe-se, há um sem-número de obrigações legalmente preferenciais, como são as de natureza trabalhista.

Por óbvio que tal análise é deve ser feita caso a caso, não havendo uma receita aplicável a todos os contribuintes. O que nos parece certo é que não é possível afirmar que todo e qualquer inadimplemento de ICMS caracterizará o crime de apropriação indébita, de modo que isso não deve se tornar mais um motivo para angústia dos empresários.

Recuperação judicial: novo status do crédito fiscal se reflete em mais transações

A importância da transação tributária federal, importante e eficiente instrumento de política pública

Após a entrada em vigor da Lei de Falências[1], a jurisprudência adotou entendimento de que, por não ter sido editada lei que tratasse especificamente do parcelamento/tratamento dos débitos tributários das empresas em recuperação judicial, não se mostrava exigível a apresentação das certidões que trata o artigo 57[2], da Lei de Recuperação Judicial e Falências e a quitação exigida pelo artigo 191-A[3] do Código Tributário Nacional, sob pena de tornar inviável o instituto da recuperação judicial.

Além disso, se entendia que a dispensa das certidões negativas não traria prejuízo à Fazenda Pública, tendo em vista que as execuções fiscais não são atingidas pelo processamento da recuperação judicial.

O entendimento era de que, se empresas em crise acumulam dívidas perante diversos tipos de credores, como trabalhadores, bancos e fornecedores, tão ou mais frequente é o endividamento tributário. E não havendo mecanismo específico para regularização dos débitos tributários, a exigência de regularidade fiscal poderia simplesmente inviabilizar a reestruturação de empresas em crise.

Entretanto, após as alterações na Lei de Falência e na Lei 10.522/2002[4], introduzidas pela Lei 14.112/2020 – que conferiram ao fisco maiores prerrogativas no âmbito da recuperação judicial, ainda que seu crédito a ela não se encontre subordinado, bem como estabeleceram medidas facilitadoras para o equacionamento das dívidas tributárias federais –, a matéria foi revisitada e reformada pelos ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Este colegiado concluiu, no julgamento do Resp 2.053.240/SP[5], que, após a vigência Lei 14.112/2020, e havendo programa de parcelamento tributário, implementado não apenas na Lei 10.522/2002, mas também na Lei 13.988/2020 (lei da transação tributária federal), tornou-se indispensável a apresentação das certidões negativas de débito tributário – ou certidões positivas com efeito de negativas – para o deferimento da recuperação judicial. Com ressalva feita em relação aos débitos fiscais de titularidade das Fazendas Estaduais, do Distrito Federal e Municípios que não tenham implementado programas de regularização fiscal factíveis para empresas insolventes.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, após tais alterações legislativas, a exigibilidade de regularização fiscal para a concessão de recuperação judicial, “constituiu a forma encontrada pela lei para, em atenção aos parâmetros de razoabilidade, equilibrar os relevantes fins do processo recuperacional, em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro”.[6]

Embora a decisão não tenha sido proferida em sede de recurso repetitivo, trata-se de mudança importante de posicionamento da Corte, reafirmada em recente julgamento da 3ª Turma, no Recurso Especial 2.082.781[7], de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

No mesmo sentido tem sido as decisões da Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Para o desembargador Maurício Pessoa condicionar a concessão da recuperação judicial à regularidade fiscal, é “medida que busca conciliar o princípio da preservação da empresa com a necessidade de se dar efetividade às cobranças de créditos fiscais, as quais não raramente acabavam frustradas ante a escassez de patrimônio penhorável de sociedade em recuperação judicial”.[8]

Entretanto, ainda há tribunais, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[9], que flexibiliza a exigência de apresentação de certidões negativas de débitos tributários para a concessão da recuperação judicial.

Outra consequência das alterações introduzidas pela Lei 11.112/2020, foi a inserção do §7º-B, no artigo 6º, da Lei de Falência, que retirou do juízo do processo de recuperação a competência para liberar penhoras determinadas por outros juízos de execuções fiscais. O juízo da recuperação judicial passou a ter competência somente para autorizar ao devedor a substituição de bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial penhorados na execução fiscal, por um outro que seja suficiente a garantir a execução.

Em decorrência disso, houve o cancelamento do Tema Repetitivo 987, cuja questão submetida a julgamento discutia a possibilidade de atos constritivos contra empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal, por dívida tributária ou não tributária. Com o cancelamento do tema, o colegiado determinou o levantamento da suspensão nacional de processos relacionados ao repetitivo anteriormente afetado. Ou seja, muitas das execuções fiscais que estavam suspensas aguardando o julgamento definitivo do tema pela Corte voltaram a ter seguimento, com diversos pedidos de penhoras de ativos financeiros e expropriação de bens.

Portanto, apesar da jurisprudência ainda oscilar quanto à obrigatoriedade de certidão de regularidade para a concessão da recuperação judicial, é inegável que após as alterações legislativas e jurisprudenciais, que inclusive cancelou o Tema Repetitivo 987/STJ, houve uma mudança do status do crédito fiscal no contexto nos processos de recuperação judicial. E os impactos desta mudança de status já são verificados nos números das transações tributárias federais celebradas.

Isso porque, conforme se infere do 5º Relatório do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, o qual se dedicou ao estudo de dados específicos sobre transações tributárias individuais celebradas por contribuintes em recuperação judicial, foi identificado que aproximadamente um terço destas negociações envolvem empresas sujeitas a processos de recuperação judicial.

Dado interessante apontado pelo estudo é que, ao contrário da transação tributária, cujos números têm aumentado paulatinamente nos últimos anos, entre 2016 e 2022 o número de recuperações judiciais foi decrescente, tendo alcançado o menor patamar em 2022[10].

Ora, se ambos os institutos envolvem débitos de empresas em crise e ocorrem dentro de um mesmo cenário econômico, é provável que uma das principais causas para esta discrepância entre o aumento de transações individuais, mesmo diante das reduções de processos de recuperação judicial, sejam as alterações legislativas e jurisprudenciais. Referidas alterações permitiram ao fisco maior eficiência na cobrança de seus créditos e maior poder de pressão sobre as empresas em recuperação judicial, inclusive com a possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência em caso de não pagamento do parcelamento tributário.

Ademais, a existência de uma grande demanda reprimida de débitos tributários de difícil recuperação ou irrecuperáveis, por métodos autocompositivos de resoluções de conflito em matéria, é outra causa para o aumento expressivo do número negociações por empresas em recuperação judicial. Daí a importância da transação tributária federal, este importante e eficiente instrumento de política pública que visa não apenas arrecadar, mas dar o correto tratamento àqueles contribuintes que não possuem capacidade de pagamento.

Portanto, resta demonstrado que a exigência de regularidade fiscal para concessão do plano de recuperação judicial e o prosseguimento das execuções fiscais por conta do cancelamento do Tema 987/STJ têm refletido no aumento de transações tributárias individuais celebradas por contribuintes em recuperação judicial. Acredito que os números de acordos de transação celebrados certamente só não são maiores por conta das dificuldades práticas que os contribuintes enfrentam nas tentativas de negociação com o fisco federal, em especial o prazo demasiadamente longo para a análise do pedido de transação tributária individual.

[1] Lei 11.101/2005.

[2] Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

[3] Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

[4] Foi introduzido o art 10-A, que passou a prever um parcelamento dos débitos com a fazenda nacional, de natureza tributária em 120 meses, e na hipótese de exclusão deste, outorgaram à Uniao a faculdade de requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 2053240/SP. Terceira Turma, julgado em 17/10/2023. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/dl/ju/juiz-agora-exigir-regularidade-fiscal1.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2024.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 2053240/SP. Terceira Turma, julgado em 17/10/2023. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/dl/ju/juiz-agora-exigir-regularidade-fiscal1.pdf>. Acesso em: 04 de mar. 2024.

[7] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RE nº 2.082.781/SP. Terceira Turma, julgado em 28/11/2023. Disponível em:<https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=219846820&registro_numero=202302259896&peticao_numero=&publicacao_data=20231206&formato=PDF>. Acesso em: 04 de mar. de 2024.

[8] TJSP. Agravo de Instrumento nº 2024687-41.2022.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Itapevi – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2022; Data de Registro: 11/08/2022.

[9] Agravo de Instrumentos n. 51101695620238217000, n. 51861953220228217000 e 51318562620228217000.

[10] CANADO, Vanessa Rahal. (coord.). 5º Relatório de pesquisa (data-base 30.06.2023). Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper – Linha de pesquisa: observatório de transações tributárias. Disponível em:< https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2023/02/Insper_Nucleo-Tributacao_Observatorio-transacao-Tributaria_Relatorio.pdf>. Acesso em: 04 de mar. de 2024.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko

Novas restrições ao uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa na transação

Norma da PGFN impede que empresas inativas possam utilizar seus saldos de PF e BCN em débitos tributários

A transação tributária federal vem se consolidando como um importante e eficiente instrumento de redução da litigiosidade e de arrecadação, e, em decorrência disso, está em constante aprimoramento.

Uma das principais e mais esperadas alterações introduzidas na Lei da Transação ocorreu em meados de 2022, quando da publicação da Lei n. 14.375/2022, que incluiu o inciso IV, ao art. 11, da Lei n. 13.988/2020, permitindo às transações individuais a utilização de créditos de Prejuízo Fiscal (PF) e de Base de Cálculo Negativa (BCN) da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos.

Oportuno destacar que, a teor do §1º, do art. 11, da Lei 13.988/2020, o deferimento do uso de tais créditos é medida discricionária a ser adotada em caráter excepcional, quando demonstrada a imprescindibilidade para composição do plano de pagamento. Isto é, a única condição legal para o uso do PF e BCN é de que este somente será utilizado quando verificado que os descontos máximos e dilação do prazo não serão suficientes para equalização de todo o passivo fiscal transacionado.

E de fato, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) passou a permitir a aplicação deste meio de pagamento historicamente reconhecido pela política tributária como apto para amortização dos débitos tributários. Como noticiado, a maioria dos acordos prevê o uso de PF e BCN[1].

Entretanto, recentemente, sem qualquer alteração na Lei n. 13.988/2020 e/ou na Portaria PGFN n. 6.757/2023, a PGFN passou a condicionar o uso de PF e BCN à permanência do contribuinte no regime de apuração do Lucro Real durante todo o período de cumprimento do plano de pagamento transacionado, e a estar em atividade no momento do deferimento. Ou seja, empresas inativas, cujos débitos são irrecuperáveis justamente pela ausência de faturamento, não podem utilizar seus saldos de PF e BCN.

Melhor dizendo, o devedor que mais necessita de tais créditos, ante a irrecuperabilidade do seu passivo, está impedido de aproveitá-lo. O mais curioso é que a negativa da PGFN se dá sem qualquer fundamentação jurídica. Isto é: não há motivação na decisão administrativa, situação que dificulta, inclusive, as razões recursais. Mas afinal, qual será o argumento para o indeferimento às empresas inativas?

O fato é curioso e desafiou o presente artigo porque a administração tributária federal reconheceu em diversas oportunidades a utilização de PF e BCN como forma de abatimento de débitos federais em programas especiais de parcelamento. Como no Programa de Recuperação Fiscal da Lei n. 9.964/2000; no Refis da Crise (Lei n. 11.941/09); no parcelamento instituído pela Lei n. 12.865/2023; no Programa de Redução de Litígios Tributários da Lei n. 13.202/15; no Programa Especial de Regularização Tributária (Lei n. 13.496/17); e no Programa de Quitações Antecipadas das Transações, denominado QuitaPGFN, fundado na Portaria PGFN n. 8.798/22.

Em tais programas, jamais se condicionou o uso do PF e BCN ao contribuinte estar e/ou permanecer em atividade. E a utilização destes sempre foi extremamente vantajoso para o devedor, visto que: (i) acelerou a quitação da dívida; (ii) estancou a sua atualização pela taxa Selic; e (iii) deu liquidez imediata aos créditos de PF e BCN acumulados pelos contribuintes ao longo dos anos.

Ainda que se argumente que o PF não seria crédito de titularidade do devedor, e sim mero ajuste contábil para diferimento do Imposto de Renda, é importante compreender o motivo pelo qual este instituto contábil e tributário certamente compôs o plano de pagamento de tantos outros programas especiais de parcelamento, sem condicionante, e deve, de igual forma, ser utilizado nas transações individuais.

Pois bem. Visando facilitar a compreensão, é necessário destacar que o PF é a demonstração de um resultado negativo da contabilidade fiscal da empresa, obtido através do ajuste fiscal do lucro real em determinado exercício. Isto porque, a hipótese de incidência do Imposto de Renda é o resultado das receitas menos as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora, calculado durante o período de um ano.

Se ao final deste, vier a ser identificado um lucro real negativo, haverá PF, isentando a empresa do pagamento do IRPJ e CSLL em razão do saldo negativo de apuração de tais tributos. E o PF pode ser compensado com lucros positivos de exercícios futuros da empresa, a ser considerado no cálculo de IRPJ/CSLL.

Entretanto, as Leis n. 8.981/1995 e 9.065/1995 limitaram a compensação de PF e BCN anteriores, com lucros auferidos em anos subsequentes, restringindo-a a uma redução de no máximo 30% do lucro tributável, a chamada “trava dos 30”, cujo objetivo fiscal era de manutenção de um fluxo contínuo de arrecadação tanto do Imposto da Renda quanto da contribuição social sobre o lucro.

Mas como bem leciona o professor Humberto Ávila, “a finalidade das referidas leis foi sempre de alongar o período de compensação, nunca – e isto é decisivo – a de anular o direito à compensação.”[2] A dinâmica de compensação introduzida a partir de 1995 pressupõe a continuidade das operações do contribuinte, de modo a viabilizar a realocação do prejuízo não abatido no momento em períodos posteriores, de forma que não haja supressão de parcela do resultado negativo compensável.

Todavia, para aqueles que suspenderam a atividade operacional, as limitações impostas pelas Leis 8.981/1995 e 9.065/1995 configuraram tributação sobre o patrimônio ou capital, e não sobre o lucro ou renda, tendo sido, portanto, adulterado o conceito constitucional de renda. Ou seja, além de suportar, por anos, o resultado negativo, o contribuinte se viu forçado a recolher tributação que não correspondeu à sua renda, ou ao seu lucro.

E certamente tais razões contribuíram para o inadimplemento das obrigações tributárias, motivo pelo qual é imperioso que se permita agora o uso do resultado negativo compensável, outrora cerceado.

Trata-se de saldo compensável imprescritível, do qual o contribuinte foi impedido de utilizá-lo na integralidade quando de sua atividade, tendo sido, à época, compelido a desembolsar antecipadamente o recolhimento de tributo, cuja expectativa futura de recuperação com PF e BCN não se concretizou, provocando, inclusive, o seu inadimplemento.

Ora, se o contribuinte possui o direito de exercer a compensação sem limitação temporal, é razoável conjecturar que inexiste momento mais oportuno de usá-lo que para quitar seus débitos fiscais, mormente porque, repita-se, parte deles se deu pela indevida limitação da “trava dos 30”.

Há que se perquirir a efetiva redução da litigiosidade, e se, para tanto, mostra-se indispensável a combinação de todos os benefícios previstos na Lei da Transação, é de rigor que se afaste condicionantes não impostas pelo legislador. O uso do PF e BCN como crédito nas transações é decisão acertada para redução do estoque da dívida ativa.

Importante lembrar, outrossim, de se dar o correto tratamento àqueles que de fato necessitam dos benefícios para equalização do passivo, como é o caso das empresas inativas, porque o sucesso do instituto da transação não reside na quantidade de acordos celebrados, mas nos acordos efetivamente cumpridos.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko

Uma última súplica: a imperativa modulação de efeitos dos Temas 881 e 885

No dia 22 de setembro de 2023, foi iniciado o julgamento dos quatro embargos de declaração apresentados nos Recursos Extraordinários 949.297 e 955.227, leading cases dos Temas de Repercussão Geral 881 e 885. Nas motivações dos declaratórios, deixando de lado questões de obscuridade sobre o próprio mérito dos julgados, o tema mais sensível e urgente aos contribuintes está no pedido de reconsideração da modulação de efeitos, que, por um placar de 6 a 5, não foi aplicada quando do julgamento presencial dos recursos em fevereiro de 2023.

Naquele momento, o STF entendeu que não seria necessária a modulação de efeitos da decisão porque a confiabilidade do contribuinte no sistema jurídico estaria assegurada pelo próprio julgamento de constitucionalidade dos tributos; tendo sido afastada, inclusive, a alegação de que o precedente exarado pelo STJ no REsp 1.118.893, julgado em março de 2011 e que fixou a tese em sentido contrário ao decidido em fevereiro pela Corte Suprema [1], seria motivo de confiança jurídica suficiente para ensejar a modulação de efeitos. Agora, com o início do julgamento dos embargos de declaração, o ministro relator Luís Roberto Barroso reiterou as fundamentações expostas quando do julgamento inicial e os negou provimento. Por pedido de destaque do ministro Luiz Fux — grande defensor da modulação no julgamento presencial em fevereiro — o caso aguarda pauta para julgamento presencial.

Em relação à modulação de efeitos, ao nosso ver, dois são os principais problemas com o racional empregado pelo STF para não aplicá-la: (1) as decisões anteriores do STF, em nenhum momento, sinalizaram o conteúdo expresso no julgamento dos Temas 881 e 885; e (2) o novo entendimento de que as decisões do STJ não vinculam o STF e não demandam a modulação de efeitos é contraditório a sua própria jurisprudência e fere a isonomia.

Quanto ao primeiro problema, o que entendeu a corte é que, por ter julgado o mérito sobre a constitucionalidade do tributo em momento anterior, teria sinalizado aos contribuintes sobre o mérito julgado no presente e, então, não haveria “razões de segurança jurídica” que justificariam a modulação de efeitos. No caso concreto posto ao STF, o ministro Luís Roberto Barroso entendeu que, uma vez que a corte teria declarado a constitucionalidade da CSLL lá em 2007, aqueles contribuintes que possuíam coisa julgada que os permitiam não efetuar a cobrança já sabiam, desde lá, que deveriam recolher o tributo. Vejamos nos termos do voto:

“Não me parece, pedindo todas as vênias a quem compreenda de modo diferente, ser o caso de modulação diante do quadro fático e jurídico relativo à contribuição social sobre lucro líquido. […] E aqui, em relação à contribuição social sobre lucro líquido, pedindo todas as vênias, desde 2007, decisão plenária do Supremo em controle por ação direta, já não havia a mais mínima dúvida de qual era a posição do Supremo sobre a exigibilidade daquele tributo. Portanto, parece-me inequívoco que o tributo se tornou devido a partir de 2007 apenas considerando a anterioridade nonagesimal.”

Pelo que se percebe, são confundidos o mérito julgado lá — constitucionalidade do tributo — e o julgado aqui — a cessação ou não dos efeitos da coisa julgada que exime a cobrança de um tributo depois julgado constitucional e devido.

Ainda que tenha julgado que determinado tributo é constitucional (seja no caso da CSLL, seja em outro caso semelhante), em nenhum momento decidiu a Corte, em qualquer um de seus pronunciamentos anteriores, quais os efeitos que tais julgamentos teriam sobre a coisa julgada individual (então) inconstitucional. Ora, sequer se sabia, até agora, se a decisão em controle concentrado ou difuso com repercussão geral poderia alterar o estado da coisa julgada; e, se positivo, se seria necessária ou não ação rescisória ou revisional. A norma interpretada no caso foi criada e inserida no ordenamento jurídico apenas em fevereiro de 2023, com o julgamento dos Temas 881 e 885.

Há uma evidente obscuridade com o que tenta ser conceituado como “confiança na coisa julgada anteriormente formada”. Se não há manifestação anterior do STF sobre a afetação da coisa julgada por suas decisões com efeitos erga omnes em relações tributárias de trato continuado, não há qualquer forma de justa expectativa do contribuinte quanto à necessidade de pagar tributos após declaração de constitucionalidade.

Isso é dizer: as decisões que declararam a constitucionalidade dos tributos não sinalizam àqueles contribuintes que possuíam coisa julgada em sentido contrário sobre os efeitos que a decisão teria sobre a coisa julgada. Tal sinalização aconteceu unicamente a partir julgamento de mérito dos Temas 881 e 885, já que foi a única instância de análise pelo STF. É impossível ao contribuinte determinar, pelos julgamentos anteriores, se deveria ou não efetuar o pagamento do tributo, em especial se seria de forma automática ou não.

Ainda, apontou a ministra Rosa Weber pela ausência de “alteração do entendimento” apta a permitir a modulação de efeitos porque o STF já teria se manifestado pela desnecessidade de ajuizamento de ação rescisória para fazer cessar os efeitos da coisa julgada inconstitucional, conforme consta na ementa do RE 730.462/SP, julgado em 28 de maio de 2015: “Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado“.

O apontamento, contudo, não pode ser considerado como sinalização de entendimento do STF que retiraria a confiança na coisa julgada dos contribuintes. Em primeiro lugar, a referência à ementa realizada pela ministra desconsidera que a frase não está completa.

Naquele caso, relatado pelo ministro Teori Zavaski, a frase foi acompanhada no relatório de mais uma oração, destacando que o tema das relações de trato continuado é “tema de que aqui não se cogita” [2]. Isso é, seja qual for o motivo pelo qual a frase foi inserida de forma incompleta na ementa, a referência a qual ela faz é a expressa exclusão da análise do tema de coisa julgada inconstitucional em relações de trato continuado do julgamento do RE 730.462/SP.

Em segundo lugar, o tema das relações de trato continuado (1) foi citado somente pelo ministro Teori Zavaski (2) para que fosse excluído da aplicabilidade da tese de repercussão geral daquele caso. Isso é, a frase da ementa citada nos Tema 881 e 885, além de ter sido retirada de contexto, não representa o entendimento do colegiado — isso é, não forma ratio decidendi. Não há, portanto, qualquer aplicabilidade do julgado pelo STF no RE 730.462/SP para conceber motivação que exclui a necessidade de modulação de efeitos nos Temas 881 e 885.

Esse primeiro problema, em suas esferas, é ainda mais assentado pelo segundo problema do julgado: quando a Corte entendeu que não seria necessária a modulação de efeitos ainda que o STJ tivesse decidido no REsp 1.118.893, julgado sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, que a coisa julgada inconstitucional manteria os seus efeitos mesmo que o STF teria decidido, posteriormente, de forma contrária as razões que a formaram.

Quanto ao ponto, a argumentação do STF é no sentido de que a corte não precisa considerar o julgamento de outras cortes porque é apenas ela a competente para julgar matéria sob a índole exclusivamente constitucional, não podendo ter seu julgamento vinculado a outro. Nos termos do voto do ministro Luís Roberto Barroso, no início do julgamento virtual dos embargos de declaração nos Temas 881 e 885:

“Em sequência, ressalto, ademais, que o julgamento realizado por outras Cortes não vincula o Supremo Tribunal Federal, que aprecia as questões jurídicas tendo a Constituição como parâmetro. Conforme salientado no voto da ministra Rosa Weber, “a modulação dos efeitos de pronunciamentos desta Corte não compete a nenhuma outra Corte, mas, única e exclusivamente, a esta própria Casa. Vale dizer, se o STF não modulou os efeitos de sua decisão, nenhum outro Tribunal poderá fazê-lo'”.

Essa argumentação é contraditória com a própria jurisprudência do STF e, por si só, deveria impor a alteração do entendimento pela não modulação de efeitos quando do julgamento de mérito em fevereiro de 2023.

É contraditória — e fere a isonomia — porque o STF já decidiu, em mais de uma oportunidade, por modular os efeitos de suas decisões quando verificado precedente anterior do STJ em sentido contrário; e o fez em favor da Fazenda. Seja no Tema 69 ou no Tema 962, decidiu o STF que, uma vez que o STJ teria se manifestado, em momento anterior, pela legalidade das exações depois declaradas inconstitucionais, o requisito de “segurança jurídica” para modulação seria evidente, uma vez que o Fisco teria depositado a sua confiança no precedente vinculante da Corte Superior.

A título de exemplo, no julgamento dos Edcl. no RE 574.706/RS (Tema 69), a ministra Carmen Lúcia decidiu pela modulação de efeitos por constatar que, uma vez existente decisão anterior do STJ em sentido contrário ao que o STF tinha então decidido, havia superado entendimento predominante e, portanto, cabível a modulação de efeitos:

“E o Superior Tribunal de Justiça tinha entendimento sumulado em sentido diametralmente oposto, conforme faziam certo os enunciados 68 e 94 de sua Súmula de jurisprudência (revogados em 27/3/2019). […] Portanto, está mais do que evidenciada a viragem jurisprudencial, fator que habilita o SUPREMO a modular os efeitos de sua decisão, conforme autoriza o § 3º do art. 927 do Código de Processo Civil de 2015.”

Isso é, naqueles casos, o entendimento do STF, ao contrariar entendimento anterior do STJ, promovera “alteração de jurisprudência”, o que seria motivo suficiente para ensejar e permitir que a modulação de efeitos da decisão se desse em prol da Fazenda. Contudo, no caso dos Temas 881 e 885, embora os contribuintes tenham depositado a sua confiança no entendimento vinculante exarado pela Corte Superior no REsp 1.118.893, a Corte Suprema define, agora, a inaplicabilidade da modulação, ressaltando que considerar o precedente de outra corte para tal seria “usurpação de competência”.

O caso e sua fundamentação mostram uma política de dois pesos e duas medidas para modular os efeitos em matéria tributária: as decisões do STJ só garantem a segurança jurídica se forem em prol da Fazenda, e não do contribuinte. Fere-se, ao assim se decidir, o aspecto objetivo de controle da impessoalidade do julgador, que tem parâmetros diferentes para casos semelhantes, distinguidos apenas por quem será o beneficiado.

Soma-se a esses pontos o fato de que o STF, em variadas oportunidades anteriores, declarou que a matéria dos Temas 881 e 885 seria de índole infraconstitucional, e demandou a remessa dos casos ao STJ [3]. Foi então que a Corte Superior, vendo-se obrigada a decidir face a declaração de que a matéria não deveria ser analisada à luz da Constituição, firmou o entendimento exarado no REsp 1.118.893.

Vemos, portanto, que, em relação à justificativa do STF sobre a ausência de razões suficientes de segurança jurídica para permitir que sejam modulados os efeitos da decisão de mérito proferida em fevereiro de 2023, há obscuridade e contradição suficientes a ensejar, ao mínimo, o esclarecimento do julgado pela via dos embargos de declaração; e, com sorte, a sua reconsideração.

O mais preocupante, sem dúvidas, é o entendimento da corte que as decisões do STJ não lhe vinculariam e, portanto, não demandariam a modulação dos efeitos de decisão divergente pelo STF. A questão não é, ao nosso ver, se há vinculação ou não, mas sim a contradição na jurisprudência da corte, que já utilizou-se de precedentes do STJ como razões suficientes para permitir que os efeitos de decisão fossem modulados em benefício da Fazenda; e, se deve julgar-se like case alike, o mesmo entendimento deve ser aplicado no presente caso em prol do contribuinte.

Se quer entender o STF, agora, que precedentes do STJ não são mais suficientes para permitir a modulação de efeitos em seus julgados, a única forma de fazê-lo sem ferir a confiabilidade dos indivíduos é “superando o precedente” dessa própria alteração de entendimento — acontecida no bojo da própria corte, sobre a possibilidade de modular — para o futuro. Aplicar-se-ia, assim, uma espécie de “modulação de entendimento” em forma técnica mais parecida com a concepção de Benjamin Cardozo sobre a aplicação do prospective overruling pela Suprema Corte Americana: informa-se a superação do entendimento, mas decide-se o caso atual de acordo com a jurisprudência até então existente [4]. Tal técnica permitiria que todos fossem sinalizados da alteração do entendimento para casos futuros, enquanto seja assegurado que, no momento, fosse aplicada a norma até então declarada pela Corte na matéria modulação de efeitos em matéria tributária.

De toda forma, a manutenção da fundamentação, nos termos que é empregada no Acórdão dos Temas 881 e 885, é causa e sintoma de um ordenamento jurídico inseguro que não permite a identificação dos motivos e do direito, sendo imperativo — senão a própria modulação — o esclarecimento coerente quanto às justificativas empregadas lá em fevereiro de 2023.

[1] Tese firmada: “Não é possível a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade”.

[2] Conforme consta a frase completa do relatório do ministro Teori Zavascki: “Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, notadamente quando decide sobre relações jurídicas de trato continuado, tema de que aqui não se cogita”.

[3] A própria corte faz referência a isso quando da afetação de repercussão geral dos Temas 881 e 885, julgada em 25 de março de 2016.

[4] Nos termos do Justice Benjamin Cardozo: “The rule that we are asked to apply is out of tune with the life about us. It has been made discordant by the forces that generate a living law. We apply it to this case because the repeal might work hardship to those who have trusted to its existence. We give notice, however, that any one trusting to it hereafter will do so at his peril” (CARDOZO, Benjamin, citado em Prospective overruling and retroactive application in the Federal Courts. The Yale Journal, vol. 71, n. 5, 1962, p. 911).

Por: Lucas Armani Tomazi

Novo capítulo na discussão da incidência de IRPJ e CSLL sobre subvenções estatais

Em 31 de agosto deste ano foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória nº 1.185/2023, revogando todas as disposições tributárias que retiravam as subvenções estatais da determinação do lucro real, criando, em contrapartida, um crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico.

Esta medida provisória veio no bojo de uma série de medidas do governo federal objetivando estabelecer equilíbrio fiscal, como a extinção da isenção tributária dos juros sobre capital próprio e a tributação dos fundos de investimento exclusivos, entre outras.

Além de possuir notório cunho arrecadatório, tal medida traz como fundamento a correção de suposta distorção [1] criada pelos §§4º e 5º do artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, que teria equiparado todos os benefícios e incentivos fiscais de ICMS a subvenções para investimento, retirando-os da determinação do lucro real. Esta suposta distorção gerou corrida aos Tribunais, a fim de que todo e qualquer benefício ou incentivo fiscal de ICMS fosse excluído do lucro real e, desta forma, deixasse de integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em suma, a MP busca aumentar a arrecadação federal e encerrar uma discussão que, embora tenha aumentado desde 2017 (com o advento da LC 160/17), sempre foi relevante nos tribunais, sobretudo no Carf.

O primeiro objetivo deve ser atingido, pelo menos em certa medida, pois se crê numa adesão de grande parte das empesas aos requisitos estabelecidos na MP (sobretudo se convertida em lei nos termos propostos pelo Executivo), pois oferecerão à tributação valores atualmente excluídos do lucro real e deixarão de pleitear os créditos, dados os requisitos exigidos pela lei.

No entanto, o efeito buscado com o segundo objetivo deve ser diametralmente oposto. Aliás, ultimamente temos nos saído muito bem requentando discussões, tornando-as intermináveis. Quando o STJ estava prestes a pacificar a questão, com o julgamento do Tema Repetitivo nº 1182 [2], o governo federal corre para revogar os dispositivos legais sobre os quais o Tribunal se debruçara profundamente. A discussão que parecia estar se encerrando, será retomada, com novos contornos.

E por que retomada?

O cenário jurídico que se tinha até o momento (leia-se até 31/12/2023) era o de que as subvenções para investimento não deveriam ser computadas na determinação do lucro real, desde que registradas na conta de reserva de incentivos fiscais, podendo ser utilizadas para absorção de prejuízos ou aumento de capital, vedada, portanto, a distribuição aos sócios.

Por determinação legal, todos os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS passaram a ser considerados subvenções para investimentos a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 160/17.

Interpretando estes dispositivos, o STJ decidiu, em síntese que, se respeitados os requisitos previstos em lei — entendidos como o registro dos valores em conta de reserva de incentivos fiscais, podendo ser utilizados para absorção de prejuízos ou aumento de capital (a aguardar o julgamento dos embargos de declaração opostos nos processos paradigma) — é possível que os valores relativos aos incentivos e benefícios fiscais de ICMS (todos eles) poderiam ser excluídos do lucro real.

Quanto aos benefícios e incentivos relacionados a outros tributos, tem-se que há a necessidade de demonstração de que foram concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, requisito este dispensado para o ICMS.

Tal cenário, em si, goste-se ou não, passou a contemplar o que há muito a doutrina dispunha sobre a relação das subvenções e a tributação sobre a renda.

Em sua vasta obra sobre o imposto sobre a renda [3], Ricardo Mariz de Oliveira trata as subvenções estatais como transferências patrimoniais — equiparáveis a doações —, sendo ingressos distintos da receita e, portanto, inatingíveis pelo IRPJ e pela CSLL. Segundo o autor,

“Em princípio, e considerando a sua identidade essencial, bem como o gênero e a espécie a que pertencem, ambas as subespécies possuem a mesma natureza jurídica e não devem ser consideradas como receitas, uma vez que receita é o incremento patrimonial que a empresa produz, e não o que vem de fora dela a título de transferência patrimonial, inclusive a título de subvenção para investimento ou de subvenção para custeio de operações.
A subespécie subvenção econômica que se caracteriza como subvenção para custeio de operações, conquanto possua uma margem de aplicação dos respectivos recursos consideravelmente mais ampla ou mais livre do que ocorre com as subvenções para investimento, igualmente representa recebimentos gratuitos, não remuneratórios e não contraprestacionais, embora, tanto quanto as subvenções para investimento, tenha como pressuposto, para ser concedida, a existência de interesse público.”
 [4]

Percebe-se que, conceitualmente, as subvenções, sejam quais forem elas, não devem ser consideradas receitas e, assim sendo, devem escapar da incidência do imposto sobre a renda, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido.

Neste sentido, é possível afirmar que a disposição contida no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, retirando as subvenções da determinação do lucro real, não deve ser considerada um benefício fiscal concedido pela União [5], mas a regulamentação da contabilização de um ingresso que não é receita para que assim seja considerado.

Por este motivo, é possível afirmar que, ao se revogar o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, levando os ingressos decorrentes de subvenções à incidência do IPRJ e da CSLL, a MP 1.185/2023 extrapola a competência tributária da União, fazendo incidir tributos cujas materialidades são renda e lucro sobre ingressos que não integram essas grandezas econômicas.

Este é o primeiro problema da MP: insere no lucro real ingressos que não são receitas.

O segundo problema da MP diz com o crédito fiscal. Inobstante possa o Governo Federal outorgar benefícios fiscais relativos aos tributos de sua competência, não o pode fazer como meio de compensar a incidência de tributo sobre grandeza que escapa a sua competência. E, além de revogar dispositivo legal, passando a tributar as subvenções, inconstitucionalmente, o crédito fiscal criado não basta para compensar o tributo gerado a partir da revogação, sobretudo porque não se dará crédito relativo à CSLL.

Soma-se a isso o prazo certo do crédito fiscal, que valerá somente até 31/12/2028. E se a subvenção tiver prazo superior a cinco anos? Investimentos em empreendimentos econômicos ampliados ou instalados normalmente se recuperam em prazos longos, o que faz com que as subvenções também sejam concedidas em prazos estendidos, não fazendo sentido a revogação do benefício em cinco anos. É mais uma razão que permite afirmar que o crédito fiscal concedido não bastará para compensar a tributação imposta às subvenções.

O benefício fiscal, em si, não é ruim. Ruim é o fato de servir como compensação da incidência do IRPJ e da CSLL sobre as subvenções.

Não bastassem tais razões, a MP traz consigo clara afronta ao pacto federativo, afronta esta já escancarada pela ministra Regina Helena Costa, do STJ, no julgamento do EREsp nº 1.517.492/PR, quando afirmou que

“Com a devida vênia, ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
Com efeito, tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consubstanciados nas Soluções de Consulta da Superintendência Regional da Receita Federal da 6ª Região Fiscal nºs. 144/2008 e 10/2007, e no Parecer Normativo CST n. 112/1978, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas (fls. 2.034/2.037e).
Saliente-se, portanto, que a Fazenda Nacional, mediante simples interpretação estampada em atos administrativos normativos, tem orientado seus órgãos a assim proceder.
Outrossim, remarque-se que a competência tributária consiste na aptidão para instituir tributos, descrevendo, por meio de lei, as suas hipóteses de incidência. No Brasil, o veículo de atribuição de competências, inclusive tributárias, é a Constituição da República. Tal sistemática torna-se especialmente relevante em um Estado constituído sob a forma federativa, com a peculiaridade do convívio de três ordens jurídicas distintas: a federal, a estadual/distrital e a municipal.” 
[6]

Logo, ao submeter as subvenções estatais à incidência do IRPJ e da CSLL, a União está afrontando o pacto federativo, pois invade a competência de outros entes federados, reduzindo o benefício outorgado por meio da tributação.

Em suma, é possível afirmar que, sob vários aspectos, a MP nº 1.185/2023, ao submeter as subvenções estatais à incidência do IRPJ e CSLL extrapola a competência da União, sendo, portanto, inconstitucional.

A concessão de benefício fiscal — sob a forma de crédito — como meio de compensação não retira a inconstitucionalidade da incidência.

Aliás, é plenamente possível que ambos convivam, isto é, retirar as subvenções da incidência do IRPJ e da CSLL e tomar o crédito fiscal criado pela MP em análise.

Certo é que a discussão será levada novamente aos tribunais.


[1] Termo utilizado na Exposição de Motivos da MP nº 1.185/2023 (EM nº 00109/2023 MF).

[2] Definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do entendimento firmado no Eresp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL).

[3] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

[4] Op. cit. p. 159.

[5] Ao contrário do que é dito na Exposição de Motivos da MP nº 1.185/2023 (EM nº 00109/2023 MF).

[6] EREsp 1517492/PR, relator ministro OG FERNANDES, relator p/ Acórdão ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 08/11/2017, DJe 01/02/2018.

Por: Samuel Hickmann

O sucesso da transação tributária federal e a insegurança sobre a sua vigência

O instituto da transação tributária federal veio para quebrar paradigmas. Embora existente no ordenamento jurídico há bastante tempo, foi a partir de 2020, como forma de auxiliar os contribuintes a regularizarem seu passivo tributário federal durante a Pandemia da COVID-19, que a ferramenta da transação ganhou espaço e vem se destacando positivamente a cada ano.

Os números disponibilizados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não mentem. A Procuradoria recuperou R$ 14,1 bilhões em dívidas com a União e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)[1] em 2022, o equivalente a 36% dos recursos recuperados para os cofres públicos. Com base na projeção de contas do Ministério da Fazenda, para alcançar o déficit zero, estima-se uma arrecadação de até R$ 42 bilhões com a ampliação de negociação da Procuradoria da Fazenda e da Receita Federal.[2]

Não há como negar: a Transação Tributária Federal é um sucesso, e não mais o futuro, mas o presente dos métodos alternativos para resolução de conflitos no âmbito tributário. Marca a disrupção de uma cultura marcada pela ausência de diálogo entre o fisco e o contribuinte/advogado.

Dentre os principais benefícios que as transações preveem estão: i) a redução dos juros, multa e encargos legais, ii) a de possibilidade de utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado, ou de precatórios federais próprios ou de terceiros, para fins de amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado, iii) a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

Isto é, inúmeras são as vantagens para o contribuinte regularizar seus débitos, ocasionando na possibilidade de uma melhor movimentação do seu fluxo de caixa, bons resultados na operação, e, por outro lado, aumento na arrecadação pelo Fisco. É uma relação na qual ambos saem vitoriosos.

Desde o ano de 2020, a PGFN já apresentou diversas modalidades de transação, como por exemplo, a transação excepcional, transação extraordinária, transação de pequeno valor… Referidas modalidades tiveram seus prazos de adesão prorrogados, o que é evidência do êxito obtido.

Atualmente, apenas no âmbito da Procuradoria, há duas opções de transação vigentes: individual e por adesão. As propostas de transação individual, aquelas em que é possibilitado apresentar proposta de negociação do contribuinte à Procuradoria, não possuem prazo final para apresentação do requerimento. Já as por adesão, cujas modalidades estão previstas no EDITAL PGDAU Nº 3, de 25 de maio de 2023, se encerram no dia 29 de setembro do ano corrente.

Ao final do mês, se o edital não for prorrogado e não houver novo modelo de transação, os contribuintes terão apenas a opção da transação individual para regularizarem os débitos inscritos em dívida ativa. Apesar de a modalidade contar, a partir de 2023, com a proposta de transação individual simplificada, que possibilita a regularização de débitos acima de R$ 1 milhão de reais, na prática é possível identificar diversos indeferimentos de propostas em razão de o contribuinte possuir Capacidade de Pagamento (CAPAG) A ou B.

De maneira sucinta, a CAPAG possui previsão na Portaria PGFN 6.757/22 e é utilizada pela Procuradoria para aferir a capacidade que o contribuinte tem para pagar a dívida tributária em cinco anos. As classificações “A” e “B” são atribuídas aos devedores que têm condições de cumprir com as obrigações. Já as classificações “C” e “D” se aplicam aos casos em que a PGFN verifica que a capacidade de pagamento do devedor não é suficiente para liquidar todo o passivo[1]. A fórmula da CAPAG, cumpre salientar, tem sido bastante discutida e criticada pelos contribuintes, pois há diferença entre CAPAG presumida, aquela definida “de ofício” pela PGFN, e a CAPAG efetiva, obtida por meio de revisão apresentada pelo contribuinte. No entanto, isto é matéria para outra discussão.

Os citados indeferimentos por parte da PGFN não dão outra opção aos contribuintes senão recorrerem à transação por adesão prevista no edital que irá se encerrar ao final deste mês. Além disso, se até o final do mês não forem disponibilizadas novas modalidades ou prorrogação da transação por adesão atualmente vigente, boa parte dos contribuintes terá como opção apenas o parcelamento convencional em 60 meses. Não é coerente pensar que um instrumento que vem sendo extremamente positivo para o sistema tributário e para a arrecadação do fisco esteja eivado de incertezas sobre a sua duração.

Espera-se que, apesar de ainda ser um instrumento embrionário, pendente de melhoras em diversos pontos sobre questões relativas às funcionalidades e operação, o Governo avance com rapidez no modelo que está sendo nomeado de “transação 2.0” e que busca arrecadar até R$ 12 bilhões em receitas extras[2]. Do contrário, os contribuintes ficarão limitados aos parcelamentos convencionais.

Sobram certezas sobre o sucesso da transação tributária federal, falta segurança sobre a sua vigência. Resta aguardar os próximos passos, na esperança de que se tenha com brevidade a prorrogação do edital ou uma nova modalidade. Da mesma forma, é preciso maior segurança sobre o tempo de duração das modalidades, para que o instituto possa continuar sendo peça essencial na resolução de conflitos entre fisco e contribuinte.

Por : Ana Cláudia Karg



Transação Tributária Federal: A figura da CAPAG e sua relação com o desconto concedido

A transação tributária se tornou uma importante ferramenta para que as empresas com dificuldades financeiras retomem a sua saúde fiscal. No âmbito federal dos débitos inscritos na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), está regulada pela Lei 13.988/20 e Portaria PGFN 6.757/22. O seu objetivo é aproximar contribuintes devedores e o Fisco Federal para a extinção do passivo tributário, com condições especiais que podem chegar a descontos de até 70% e parcelamento em até 145 meses.

Esse método de autocomposição tributária vem trazendo resultados muito positivos. No ano de 2022, apenas com contribuintes de São Paulo foram deferidas transações individuais que somam quase R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)[1]. Créditos tributários esses que eram considerados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação pela PGFN.

A aplicação dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva aos métodos autocompositivos tributários se mostra efetiva, ao analisar a situação específica de cada contribuinte e concedendo-lhes condições que tornem possíveis o recolhimento do passivo tributário em mora.

Ainda que os resultados sejam positivos até o momento, é necessário que o contribuinte se atente a diversos pontos para que obtenha descontos e condições suficientes à pactuação da transação tributária. Aqui, trataremos sobre um elemento essencial e intrínseco ao desconto que será concedido pela PGFN: A CAPAG.

A figura da CAPAG (Capacidade de Pagamento) está prevista na Portaria 6.757/22 e é com base nela que se identifica o grau de recuperabilidade das dívidas sujeitas à transação. Ela nada mais é do que a capacidade que o contribuinte tem de pagar a dívida em cinco anos.

É a partir da CAPAG, também, que se verifica o grau de recuperabilidade da dívida. De acordo com o art. 24 da Portaria PGFN 6.757/22, os créditos são classificados entre “A”, “B”, “C” ou “D”.

  • Os créditos “A” são de alta perspectiva de recuperação, aqueles em que a CAPAG é igual ou superior a 2 vezes o valor consolidado da dívida, sem descontos;
  • Os créditos “B” são de média perspectiva de recuperação, com CAPAG igual ou superior ao valor da dívida, mas sem ultrapassar duas vezes o valor consolidado, sem descontos;
  • Os créditos “C” são de difícil recuperação, com CAPAG igual ou superior à metade da dívida, mas sem ultrapassar o valor consolidado, sem descontos; e

  • Os créditos “D” são considerados irrecuperáveis, nos quais a CAPAG do devedor é inferior à metade do valor consolidado, sem descontos.

A transação tributária individual, aquela na qual se tem maior possibilidade de negociação de condições com o Fisco, é aplicável, prioritariamente, aos créditos classificados como “C” e “D”. Isso pois a transação tem o objetivo de tornar viável o pagamento de dívidas consideradas irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Assim, para que se apresente uma transação individual e se obtenha descontos é necessário que a CAPAG do contribuinte seja inferior ao valor da dívida.  Aqueles contribuintes que tenham créditos classificados como “A” ou “B” não gozarão da concessão de desconto, haja vista sua CAPAG indicar a sua capacidade de pagar a dívida em sua integralidade, sem a concessão de desconto (CAPAG igual ou maior que dívida).

É essencial, então, a análise da CAPAG para que o contribuinte identifique as possíveis condições da sua transação. Além disso, importante que a CAPAG do contribuinte seja a menor possível, dentro da realidade da empresa, pois é com base nela que serão concedidos os descontos da transação.

Veja-se que a CAPAG tem relação direta com o desconto concedido. Em um exemplo abstrato, um contribuinte com dívida de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) que tenha uma CAPAG de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais), terá um desconto de R$600.000,00 (seiscentos mil reais), 60% da dívida. O saldo transacionado, após a concessão dos descontos, será igual à CAPAG, limitado às imposições legais.

Quanto menor a CAPAG, maior o desconto.

Entendida a importância da CAPAG, passa-se à sua análise e possível discussão sobre seu valor.

A análise estratégica da CAPAG do contribuinte – na prática – parte pela sua consulta, o que pode ser feito acessando o portal Regularize. É possível, também, verificar a fórmula e valores utilizados. Essa CAPAG pode ser chamada de presumida (CAPAG-p). Presumida, pois é resultado da aplicação de uma fórmula estatística desenvolvida pela PGFN, na qual são considerados alguns signos contábeis possíveis de serem obtidos nas obrigações acessórias da empresa, tais como: A totalidade da receita bruta declarada em PGDAs, o valor de recolhimentos de tributos, valor das notas fiscais de saída nas quais o contribuinte figura como destinatário, entre outros.

A CAPAG-p, como mencionado, é estatística e não analisa os documentos contábeis mais fidedignos a um efetivo cálculo de CAPAG. Com isso, é possível que ela não represente a realidade da saúde financeira e projeção para o futuro do contribuinte. Nesse sentido, não havendo concordância do contribuinte com a CAPAG-p, ele pode apresentar um pedido de revisão de CAPAG.

O pedido de revisão está previsto, também, na Portaria 6.757/22 e possibilita ao contribuinte a apresentação da CAPAG que ele entende por correta. A CAPAG calculada pelo contribuinte pode ser chamada de CAPAG efetiva (CAPAG-e), considerando que ela utilizará dos documentos contábeis oficiais, que tendem a ser mais fidedignos a um cálculo realista do que a fórmula estatística desenvolvida pela PGFN. O contribuinte deve demonstrar ao fisco a sua capacidade de geração de resultados futuros, o que pode fazer com base em fluxos de caixa presumido, estimativa por receita operacional presente e passada, entre outros.

Com o pedido de revisão de CAPAG, é inaugurado novo procedimento administrativo no qual a PGFN analisará os documentos e fundamentos apresentados pelo contribuinte para a redução de sua CAPAG. O sucesso do pedido de revisão deve representar um aumento direto no desconto concedido na transação.

Ainda que a transação tenha diversas outras etapas de negociação, como a elaboração de um plano concreto de pagamento do saldo transacionado, a Portaria PGFN 6.757/22 deixa clara a importância da CAPAG nas transações tributárias federais. A transação, assim, se apresenta como um método extremamente eficaz de autocomposição tributária. Entretanto, mostra-se, também, a complexidade do instituto para um efetivo uso de todos os seus benefícios. É essencial uma análise completa em todos os passos do processo de negociação, sob pena de não obtenção de todos os descontos permitidos pela legislação.

Por: Paulo César de Lima Júnior

A ATUAL METODOLOGIA DA CAPACIDADE DE PAGAMENTO COMPROMETE O SUCESSO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL

Contribuintes que desejam aderir a uma transação tributária federal, seja ela por adesão ou individual, foram surpreendidos, no mês de março do corrente ano, com a alteração na fórmula de apuração da capacidade de pagamento para equalização do passivo transacionado, cujo resultado determina a aplicação ou não de descontos.

A capacidade de pagamento, apelidada de CAPAG, é calculada de forma a estimar se o contribuinte possui condições de efetuar o pagamento integral em até 5 anos, dos débitos inscritos ou não em dívida ativa da União, sem descontos, considerando a possibilidade de geração de resultados da pessoa jurídica, segundo a ótica das autoridades fiscais.

Quando a capacidade de pagamento do contribuinte não for suficiente para liquidação integral de todo o passivo fiscal, os prazos e os descontos ofertados pela PGFN serão graduados de acordo com a condição de adimplemento dos débitos, observados os limites previstos na legislação de regência da transação.

Pois bem, a fórmula vigente até o início do presente ano para a identificação da categoria do débito – se passível de redução ou não – trazia as seguintes variáveis:

V1: Valor da massa salarial” – Peso 0,08;

V2: Valor total pago com guias da Previdência Social-GPS”-  Peso 0,08;

V3: Valor total pago com documentos de arrecadação de receitas federais-DARF” – Peso 0,08;

“V4: Valor total dos rendimentos pagos por terceiros” – Peso 0,80;

“V5: Valor total de rendimentos em aplicações financeiras+-Peso 10,0;

“V6: Valor total das inscrições em benefícios fiscais”;

“V7: Valor total das inscrições garantidas”

Tais indicadores eram multiplicados aos percentuais aplicados e somados, nestes termos:

Capag-p = 5 x(0,10V1 + 0,10V2 + 0,10V3 + 0,05V4 + 0,05V5 + 0,05V6 + 0,40V7) + V8 + 0,80V9 + 0,80V10).

E mais, até então, para aferição da CAPAG da pessoa jurídica, considerava-se qual o impacto da redução concedida na capacidade de geração de resultados, a partir da inclusão, pelo contribuinte, de dados de receita bruta comparada entre os anos anteriores, o número de funcionários, as demissões, entre outros. O percentual de impacto observado era utilizado como redutor da capacidade de pagamento do contribuinte. Ato contínuo, o sistema da PGFN indicava um rating, de sorte que apenas aqueles que ficarem com a classificação “C” ou “D” eram agraciados pelos descontos. Apesar de não diagnosticar com exatidão a capacidade de pagamento, atendia, na grande maioria dos casos, o objetivo do instituto de conceder descontos aos que de fato necessitavam.

Todavia, sem que tenha havido alteração na Lei nº 13.988/2020 e nos critérios que determinam os parâmetros de mensuração do grau de recuperabilidade do crédito, previstos no art. 19 da Portaria nº 6.757/2022, sobreveio nova metodologia, que de forma alguma representa a real situação econômico-financeira da empresa,, prejudicando a a adesão ou a  negociação

Isto porque a drástica modificação do método traz, entre outras, novas variáveis e novos pesos atribuídos a cada um deles, vejamos:

V4: valor total das notas fiscais de saída que o contribuinte figura como emitente” – Peso 0,05;

V5: valor total das notas fiscais de saída que o contribuinte figura como destinatário”- Peso 0,05;

V6: valor total da receita bruta” – Peso 0,05;

“V9: Valor total dos veículos em nome dos contribuintes” – Peso 0,80;

V10: Valor total das aquisições imobiliárias do contribuinte nos últimos 5 anos (DOI)” – Peso 0,80.

Indicadores estes que são multiplicados aos percentuais aplicados e somados, nestes termos: Capag-p = 5 x(0,10V1 + 0,10V2 + 0,10V3 + 0,05V4 + 0,05V5 + 0,05V6 + 0,40V7) + V8 + 0,80V9 + 0,80V10).

O primeiro ponto que deve ser destacado é que as razões pelas quais as métricas que compõem a fórmula utilizada para calcular a CAPAG não foram publicizadas. Ou seja, o contribuinte conhece apenas os indicadores utilizados para calcular a sua capacidade de pagamento, mas não as razões pelas quais estão sendo utilizados. Para contribuir com o debate, é de suma importância que se tenha conhecimentos dos motivos pelos quais determinadas grandezas integram o cálculo da CAPAG. Com tais informações, poder-se-ia realizar críticas mais assertivas à metodologia de cálculo vigente. Apesar disso, é possível afirmar que tais critérios não identificam a verdadeira capacidade de pagamento dos contribuintes, tolhendo acesso aos descontos previstos na legislação para aqueles que de fato os necessitam. Como se percebe, a fórmula é uma soma simples e que não considera o real nível de endividamento e comprometimento da receita da empresa para com seus compromissos comuns, como com seus funcionários. Observa-se equivocada a adoção do valor das notas fiscais de saídas emitidas pelo contribuinte ou a ele destinadas, uma vez que nem todas significam receitas ou aquisição de bens. Sabe-se que há operações mercantis com os Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOP´s) identificados pelos nº 1.949 e 5.949, que representam entradas e saídas de produtos destinadas apenas para acobertamento de trânsito de mercadorias, não havendo fim comercial em tais transações. Trata-se de simples remessa de determinado produto, como por exemplo nos casos de industrialização por encomenda, em que o contribuinte fatura apenas o valor da mão-de-obra empregada sobre o produto recebido e devolvido ao encomendante. O modelo adotado não filtra este tipo de operação, de sorte a camuflar a efetiva situação econômica da contribuinte

Além da inclusão de CFOPs que efetivamente não representam o ingresso de receitas, a própria utilização do valor das notas fiscais de saídas emitidas pelo contribuinte (métrica “V4”) deve ser criticada. Analisando a descrição das variáveis do CAPAG, constata-se que essa métrica foi pensada para representar a receita bruta do contribuinte. No entanto, já existem outros indicadores na fórmula vigente que trazem essa grandeza. Esse é o caso da métrica “V6 – Receita Bruta”, cujo nome é autoexplicativo. Assim, pode-se concluir que a repetição da receita bruta gera um aumento artificial da CAPAG. Por oportuno, destaca-se que a forma de resolver esse problema específico é simples: basta que a métrica “V4” seja excluída da fórmula, medida que resolve o problema da consideração em dobro da receita bruta e da existência de CFOPs que não representam receitas dos contribuintes.

Outro desacerto é utilizar como métrica para aferir a CAPAG de determinados devedores, como uma transportadora, o valor total de veículos de sua titularidade. Desse modo, o credor considera como ativos passíveis de alienação para equalização do passivo a integralidade da frota indispensável a atividade operacional do contribuinte. Ou seja, basta alienar todos os veículos da transportadora para adimplir o passivo em 5 anos, impedindo, destarte, a continuidade da atividade econômica.

Na prática foi possível vivenciar o quão absurdo foram os critérios utilizados na fórmula vigente, visto que contribuinte com CAPAG de cerca de R$ 1 milhão no ano de 2022, foi agora surpreendido com CAPAG superior a R$ 44 milhões, sem qualquer majoração de seu faturamento ou de ativos.

Entretanto, depreende-se da leitura atenta das portarias, como já mencionado, que não houve qualquer alteração na Portaria 6757/2022 capaz de justificar tamanha discrepância entre o método de apuração realizado nos 3 primeiros anos do instituto e a fórmula recentemente adotada.

É deveras curioso que, sob a égide da mesma legislação, seja procedida severa mudança na aferição da CAPAG, que reduz sobremaneira os benefícios da transação. Aplica-se agora tratamento mais gravoso aos devedores que não aderiram sob a vigência da fórmula anterior, violando o princípio da isonomia.

Não bastasse, os critérios utilizados não levam em consideração o total de endividamento do sujeito passivo. A CAPAG ignora os indicadores contábeis de liquidez corrente, liquidez geral da companhia e nem a geração de fluxo de caixa, os quais são fundamentais para verificar as condições da empresa honrar com suas obrigações a curto e longo prazo A atual metodologia despreza a totalidade do passivo circulante e não circulante, ou seja, não contempla débitos fiscais de outros entes federados, trabalhista, bancário e outros. Sequer o patrimônio líquido do contribuinte é avaliado para a mensuração da capacidade de pagamento nos moldes atuais.

E os requerimentos de revisão não têm surtido o efeito esperado pelos contribuintes, especialmente pela ausência de prazo para a análise dos pedidos, atraindo iminente risco de perda do prazo para as transações por adesão. Além disso, são raros os casos em que os pedidos de revisão são acolhidos.

Resultado: avolumam-se centenas de pedidos de revisão sem prazo para conclusão da análise, agravando o volume de trabalho dos servidores e provocando longos meses de espera para celebração de uma transação  Enquanto isto, diante da ausência de previsão legal para suspensão da exigibilidade do crédito tributário, contribuintes seguem negativados, sem certidão de regularidade e sofrendo atos expropriatórios em execuções fiscais.

A forma de identificação da CAPAG para mensuração do grau de recuperabilidade do crédito tributário federal necessita de urgente revisão, sob pena de pôr em risco o próprio instituto, que visa uma arrecadação justa e eficiente, com tratamento adequado àqueles que carecem de descontos, dilação de prazo e uso do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa.

Há que se construir uma fórmula de CAPAG que permita, a partir da inclusão de dados contábeis no sistema, pelo contribuinte, apurar os índices de liquidez corrente, de liquidez seca, de liquidez geral, de capital circulante líquido, de endividamento geral e a composição do endividamento, dentre outros, para adoção de critérios fidedignos de possibilidade de adimplemento.

Sabe-se que as alterações à fórmula da CAPAG aqui propostas não serão aptas a solucionar todos os problemas inerentes à aferição da real capacidade de pagamento do contribuinte. É evidente que nenhuma fórmula será capaz de equacionar todas as variáveis necessárias à análise da real capacidade de pagamento dos contribuintes. O que se pretende é alterar o atual método de cálculo para evitar uma enxurrada de pedidos de revisões de capacidade de pagamento. Uma solução simples, prática e eficiente seria o retorno da antiga fórmula, a qual retratava com maior assertividade a situação econômica do devedor. Sem dúvida alguma, tal providencia iria diminuir a quantidade de pedidos de revisões apresentados pelos devedores.

Sobre o tema, é de suma importância que nos pedidos de revisão da CAPAG, os contribuintes tragam sua inconformidade de forma clara, precisa e documentada. Mediante impugnações com fundamentos coerentes acompanhados de documentação idônea, tem-se a certeza de que a PGFN irá analisar cada peculiaridade do caso concreto para aferir a real capacidade de pagamento de cada devedor.

Não nos esqueçamos que um dos objetivos do instituto é assegurar aos contribuintes em dificuldades financeiras nova chance para retomada do cumprimento voluntário das obrigações tributárias, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

É preciso corrigir as distorções ora apresentadas para fortalecimento e ampliação do instituto que vem se consolidando como o principal método alternativo de resoluções de conflito em matéria tributária.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko

A Nova Lei Geral do Esporte e a tributação da imagem do atleta

No último dia 15 de junho entrou em vigor a Lei nº 14.597/2023, conhecida como Lei Geral do Esporte e que tem como principal objetivo regulamentar o desporto no país [1].

Além da construção de pontos importantes para o sistema nacional do esporte, tais como a promoção da paz nas praças de prática esportiva, incentivo ao esporte e combate à corrupção, há alterações relevantes na relação entre os atletas profissionais e às entidades de prática esportiva, merecendo destaque à tributação da imagem dos profissionais do esporte.

O direito de imagem ou na definição mais correta, a cessão de direitos de imagem dos atletas, é o campo para uma antiga e longa discussão que envolve os contribuintes e o fisco, mesmo com várias tentativas, por meio de alterações legislativas, que buscaram, no decorrer dos anos, pacificar os pontos mais controversos do debate [2].

Toda a polêmica está na possibilidade, ou não, dos atletas profissionais criarem pessoas jurídicas que lhe permitam explorar sua imagem, considerada como um direito personalíssimo. Como consequência da criação da pessoa jurídica com o objetivo exclusivo de exploração da imagem, os valores auferidos pelo profissional serão tributados com menor onerosidade se comparados com a alíquota de tributação realizada no rendimento auferido diretamente pela pessoa física.

Analisando o tema quando enfrentado pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), é possível identificar que não há um entendimento uniforme entre os conselheiros, podendo se verificar interpretações da legislação até então vigente, favoráveis aos contribuintes quanto ao fisco, no que diz respeito a tributação pela cessão do uso da imagem dos atletas.

Na tentativa de encontrar uma pacificação quanto ao assunto, a nova Lei Geral do Esporte buscou dar maior segurança jurídica aos contribuintes quanto à exploração da imagem na figura dos atletas, porém é necessário manter a atenção quanto a análise subjetiva que o fisco poderá realizar com o fito de comprovar efetivamente o uso da imagem do desportista.

Muito embora a Lei Pelé tenha sido alterada em 2011, através da Lei nº 12.395, adequando a redação do artigo 87 — A, deixando o texto mais evidente que a cessão do direito de imagem é permitida para exploração econômica, por força de ajuste contratual de natureza civil, com a devida fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo (CETD), a discussão na ótica do fisco não se encerrou [3].

A cessão do direito de imagem do atleta é derivada do contrato de trabalho e, por mais que o pacto principal esteja em legalidade, pode o fisco entender que a licença da exploração da imagem entabulada entre o atleta e a entidade de prática desportiva seja um drible de evasão fiscal.

Assim, a nova Lei Geral do Esporte no artigo 85, §1º vislumbra ao contribuinte uma maior segurança jurídica, pois é elucidativa ao definir que “o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil”.

Nítida a vontade do legislador expressa, indo ao encontro da doutrina e legislação pertinente no que diz respeito a possibilidade de celebração de dois contratos a partir de uma relação, quais sejam, o contrato especial de trabalho desportivo e o contrato de cessão de direito de imagem.

Nessa senda, o artigo 164 da nova Lei Geral do Esporte é ainda mais enfático na permissão de exploração econômica da imagem dos atletas, pois no caput do mencionado dispositivo é permitida a cessão ou exploração de terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja o atleta profissional sócio.

O parágrafo primeiro do artigo 164 é elucidativo quanto a cessão do uso da imagem do atleta profissional, frisando que inexiste impedimento para a formalização do instrumento junto à entidade de prática desportiva que mantém vínculo empregatício concomitantemente ao ajuste da exploração da imagem do esportista.

As alterações promovidas na legislação sobre a cessão da imagem do atleta, na Seção IV da Lei Geral do Esporte vão em linha com a proteção aos direitos da personalidade que estão conferidos no artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea “a” da Constituição.

É possível observar, ainda, que a nova redação é receptiva ao disposto pelo artigo 49 da Lei nº 9.610/98, possibilitando que direitos personalíssimos sejam utilizados por terceiros, através de licenciamento e cessão.

Aliás, a mencionada Lei foi editada com objetivo de regulamentar os direitos autorais e conexos, permitindo à pessoa detentora, o direito de conceder o seu uso a terceiro, sem qualquer óbice quanto a forma de exploração comercial, lhe rendendo frutos econômicos [4].

Nessa esteira, em 2005 foi sancionada a Lei nº 11.196, visando pacificar ainda mais a possibilidade de exploração de terceiros desse direito personalíssimo e, em seu artigo 129 estabeleceu que eles podem ser objetos de exploração pela pessoa jurídica.

A ideia principal do legislador à época foi de estabelecer que o direito personalíssimo pode ser explorado através da constituição de uma pessoa jurídica especifica para tal fim, sendo respeitados os aspectos tributários dessa exploração econômica.

Embora a legislação já tenha se adaptado e tentado pacificar o assunto, o fisco, em determinados casos, ainda entende que a prestação do serviço intelectual e a exploração da imagem de um atleta não poderia ser através da concessão de licença, pois os serviços não seriam efetivamente prestados pela pessoa jurídica constituída para tal fim, mas, sim, pela pessoa física, no caso o atleta, o que restaria configurado numa burla à tributação do imposto de renda pessoa física [5].

Assim, com o objetivo de pôr fim a essa interpretação, o parágrafo 3º do artigo 164 da nova Lei Geral do Esporte estabelece como sendo próprio de uma pessoa jurídica a cessão da imagem do esportista, pois independentemente da atividade empresarial, a sua atuação sempre dependerá, obrigatoriamente, de uma atividade humana, executada por um indivíduo que é a razão e o motivo da celebração do CETD e do contrato de exploração de cessão de direitos de imagem.

Entretanto, a leitura dos incisos I, II e III do parágrafo 3º do artigo 164 da Lei nº 14.597/23 deve ser realizada de modo exemplificativa e não taxativa, não sendo requisitos para a configuração da validade do contrato de cessão de imagem do atleta, pois a remuneração pela exploração dessa licença autorizada representa o pagamento pelo direito da entidade de prática desportiva de uma prerrogativa.

Em outras palavras, a nova Lei Geral do Esporte permite ao atleta a possibilidade de constituir uma pessoa jurídica para que seja explorada sua imagem junto ao Clube com quem mantém o vínculo empregatício, podendo este se valer da imagem do esportista em seus canais oficiais, redes sociais, revistas, programas de entretenimento, conforme o seu critério, mesmo quando opte por não utilizar tal modalidade de exploração econômica em sua intensidade máxima.

Assim, o parágrafo 4º do artigo 164 da Lei Geral do Esporte, estabelece uma redação positivista acerca da exploração da imagem do atleta, definindo que “deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a se combater a simulação e a fraude”.

Expectadores como todos somos do esporte, é notório que a prática esportiva e principalmente o futebol nacional está passando por uma transformação de consumo, deixando de ser encarado pelas novas gerações como uma paixão incondicional e migrando para mais uma opção de entretenimento, sendo uma consequência natural para os organizadores de competições e das entidades de prática desportiva uma maior exploração da imagem dos seus atletas com o objetivo gerar conteúdo para esse novo público.

Em outras palavras, como a evolução do esporte é cada vez maior, a produção de conteúdo de mídia com os atletas também é maior, tendo como consequência lógica o uso da cessão de imagem na concepção integral do parágrafo 4º do artigo 164 da Lei Geral do Esporte, afastando qualquer intenção de dolo para evasão fiscal.

Dito isso, mesmo que os empregadores não façam a utilização com frequência do uso da imagem dos atletas com quem possuem o contrato especial de trabalho desportivo, não caracterizará fraude ou simulação.

Assim, restando evidente no caput do artigo 164 da Lei Geral do Esporte que o direito do uso da imagem pode ser explorado por terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja o atleta sócio, maior é a segurança jurídica do contribuinte, afastando cada vez mais a possibilidade de simulação por constituir uma pessoa jurídica exclusivamente para o recebimento da remuneração referente a licença de imagem.

 Aliás, embora o fisco ainda possa entender que a constituição da pessoa jurídica de um esportista para o recebimento de valores referente à cessão do uso da imagem seja um drible tributário, é necessário frisar que há muito tempo é autorizada pela legislação e, em especial pela do Imposto sobre a Renda, através da Lei nº 154/47 a permissão de pessoas jurídicas prestarem serviços cuja principal atividade fosse a pessoalidade.

É de longa data que o ordenamento jurídico, em especial a legislação tributária, uma pessoa jurídica posa realizar atividades envolvendo direitos de personalidade, pois no artigo 44 do Decreto nº 24.239/47, que versa sobre a incidência do imposto sobre a renda da pessoa jurídica, é estabelecido que para fins tributários são consideradas as sociedades comerciais quanto as civis.2

Todo esse embate existente se deve à diferença existente entre a carga tributária incidente sobre os resultados apurados diretamente na pessoa física se comparados com a pessoa jurídica constituída para tal fim, porém a ideia é que com a sanção da Lei nº 14.597/23 o assunto seja pacificado em favor dos contribuintes.

A diferença ao contribuinte quando tributado pela pessoa jurídica cuja principal atividade seja a exploração da imagem de um atleta e esteja ela submetida à sistemática da apuração do lucro presumido, por exemplo, estará diante de uma redução na carga tributária de mais de 50% (cinquenta por cento) em relação aos resultados apurados pelo idêntico rendimento na figura da pessoa física.

Outro ponto importante acrescentado no artigo 164 da Lei Geral do Esporte é o parágrafo 2º que aumenta o limite da porcentagem para 50% na soma total em conjunto com o valor recebido no contrato especial de trabalho desportivo, já que antes da entrada em vigor do dispositivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderia ultrapassar o limite de 40% da remuneração total paga ao atleta.

Assim, é evidente a preferência dos profissionais do esporte por apurar os seus rendimentos oriundos da cessão da imagem por meio de uma pessoa jurídica da qual seja sócio.

Ainda, considerando que a nova Lei Geral do Esporte concedeu maior segurança jurídica aos contribuintes nesse ponto, em sintonia com os já existentes dispositivos em nosso ordenamento que autorizam a exploração de direitos personalíssimos por meio da pessoa jurídica, esvaziam-se os argumentos do fisco de oposição à utilização da PJ por atletas para o recebimento dos direitos de imagem.

Por: Raphael Monteiro Fonseca Perdomo

Cost sharing e a possibilidade de se defender a não incidência tributária

Na busca por redução de custos, o rateio é um ato cada vez mais explorado dentro de empresas. Partindo disso, um modelo de negócio utilizado com maior frequência entre pessoas jurídicas é o cost sharing agreement (CSA), no Brasil chamado por contrato de compartilhamento de custos e rateio de despesas.

Apesar de não possuir previsão legal na legislação brasileira, a ferramenta vem sendo utilizada por empresas que buscam meios eficientes e seguros para otimizarem custos e despesas em seus negócios, devido aos resultados positivos que são possíveis de alcançar com a sua formalização,

Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) [1], referido contrato é um negócio jurídico celebrado entre empresas com o intuito de dividir os custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção conjunta de bens, serviços ou direitos, e de estabelecer a natureza e extensão dos benefícios auferidos de forma consistente com a participação de cada empresa do grupo. Ainda, e principalmente, que também gerem benefícios para o negócio individual de cada participante.

Enquanto uma empresa líder centraliza as atividades comuns, garantindo suporte aos outros envolvidos, as empresas beneficiadas pelo suporte, nomeadas de descentralizadas, assumem o compromisso de arcar com o rateio das despesas e custos, sem inclusão do elemento lucrativo.

cost sharing agreement, portanto, é aceito na hipótese de rateio de despesas relativas à prestação de serviços de backoffice, assim entendidos aqueles que constituem simples atividade-meio para as empresas integrantes do grupo, bem como de outros gastos comuns, a exemplo de aluguéis de sedes empresariais, contas de água, luz, limpeza e manutenção. Como nesse tipo de contrato não consta a atividade principal que é desempenhada pelos envolvidos, mas sim apenas as atividades-meio comuns às empresas, não há que se falar em intenção de lucro.

Por essa razão, o CSA é utilizado, única e exclusivamente, para fins de rateio de custos relacionados a serviços de natureza administrativa e de apoio corporativo [2]. Com base nisso, a empresa que assumiu a despesa relativa a terceiros não pode ter como objeto social o exercício da atividade causadora do dispêndio. Do contrário, não restaria caracterizado o reembolso de custos e despesas, mas sim uma remuneração pela prestação de atividade do objeto do contrato social.

A problemática desse tipo de contrato no Brasil não resulta da sua atipicidade, uma vez que embora sem previsão específica na legislação brasileira, a ausência de regulação específica não impede ou macula sua existência e validade, desde que as regras gerais que são aplicadas aos demais contratos sejam observadas, a saber: objeto lícito e partes capazes. Outrossim, é recomendável a observância das normas gerais previstas no Código Civil Brasileiro.

A dificuldade reside no tratamento tributário dado aos referidos contratos, bem como os efeitos fiscais provenientes desta relação contratual. Receita Federal já manifestou seu entendimento sobre o correto tratamento tributário, instituindo requisitos para a implementação dos contratos de cost sharing agreement.

Por intermédio da Solução de Divergência nº 23/2013, a Receita se posicionou trazendo o conceito dos contratos de compartilhamento de custos e rateio de despesas, e explicou como se dá sua ocorrência. Outrossim, confirmou a possibilidade de concentrar controle de gastos de mais de um departamento de apoio administrativo, em uma empresa centralizadora, para o rateio de custos e despesas entre outras empresas coligadas, posteriormente. Já a Solução de Consulta Cosit nº 8/2012, trouxe uma lista de requisitos obrigatórios para os contratos de compartilhamento de custos e despesas, no intuito de afastar a incidência tributária. O mais recente ato administrativo emanado pela Receita, a Solução de Consulta Cosit nº 149/ 2021, além de ratificar as exigências definidas nas soluções acima mencionadas, novamente elenca e aclara as condições para a isenção de tributos nos contratos de CSA em território brasileiro.

Ocorre que mesmo com a lista de requisitos obrigatórios das referidas Solução de Consulta, a Receita tem estabelecido unilateralmente características essenciais desses contratos, bem como tem verificado se as referidas características têm sido cumpridas nos casos concretos para que não haja a incidência de tributos. Ademais, frequentemente o órgão tem solicitado novos requisitos para que os contratos sejam validos.

Uma dessas características é o benefício mútuo, que prevê que as empresas participantes necessitam possuir uma expectativa razoável de que se beneficiarão dos objetivos da própria atividade do contrato de CSA. Referido critério é de extrema importância e deve ser levado em consideração pelos contratantes, uma vez que a Receita Federal já desqualificou contrato em razão da não identificação do benefício, argumentando que somente uma das empresas participantes se beneficiava com a contratação [3].

No tocante aos tributos, é possível sustentar a não incidência de tributos sobre a renda, receita e prestação de serviços, em relação aos respectivos valores. Se analisados conjuntamente a exposição da natureza jurídica dos contratos de CSA no Brasil, bem como seus elementos, e os atos administrativos proferidos pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, plausível concluir sobre a possibilidade de rateio de despesas sem a incidência do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

De forma a embasar o entendimento, passemos a uma breve análise individual dos referidos impostos.

No que tange ao Imposto sobre a Renda, verifica-se que o seu regramento é incompatível com o reembolso realizado nos contratos de compartilhamento, já que estes têm por objetivo a recomposição do que fora adiantado inicialmente pela centralizadora e aquele intenciona tributar o acréscimo. Em razão dos ingressos financeiros relativos ao rateio de despesas ou compartilhamento de custos possuírem natureza jurídica de reembolso de despesas, não englobam o conceito de remuneração. Nesse sentido possível concluir pela não incidência do IRPJ no âmbito do CSA, não havendo que se falar em tributação. Relativamente à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da mesma forma, constata-se não ocorrer a sua materialidade, auferir lucro, nos contratos de Cost Sharing Agreement. Vista disso, e em razão da semelhança com o IRPJ, não há a ocorrência do fato gerador da CSLL.

Com relação ao PIS e à Cofins, o núcleo compositivo do critério material de incidência do cada um deve ser buscado a partir da noção de receita bruta, devendo ser compreendido como elemento definitivo e positivo de acréscimo patrimonial da empresa. Isso posto, somente poderiam ser consideradas receitas e, consequentemente tributáveis para fins de PIS e Cofins, as entradas relevantes para a composição da renda da pessoa jurídica. Em razão de os ingressos dessa natureza não se amoldarem ao conceito de receita, não compondo a receita bruta da pessoa jurídica, independentemente do regime de tributação, constata-se não haver a incidência do PIS e da Cofins sobre o reembolso de custos e despesas à centralizadora realizados nos contratos em comento.

Indo de encontro ao acima exposto, em março do ano passado a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, responsável por uniformizar a jurisprudência desse tribunal administrativo, se posicionou no sentido de que, embora reconhecida a possibilidade de concentração das despesas em uma única empresa, para posterior reembolso das despesas adiantadas, os valores recebidos pela PJ integrariam a base de cálculo da Cofins [4]. A Câmara entendeu que em razão de o tema não possuir previsão legal no Brasil, não tendo semelhança com casos de consórcio ou mandato, estaria diante de uma receita de prestação de serviço, motivo pelo qual incidiria PIS/Cofins.

Ocorre que o entendimento do CSRF diverge da Receita Federal, vez que conforme Soluções de Consulta e Divergências, entende a Receita pelo afastamento do PIS e da Cofins sobre gastos relativos à atividade-meio no contrato de compartilhamento. De qualquer forma, até o presente momento, ao que parece não houve nenhuma mudança na Receita, sem revisão do posicionamento das Soluções de Consulta. Ainda, caso sobrevenha alguma alteração, entende-se que a questão em discussão possa ser judicializada.

Por fim, no tocante ao ISS, a hipótese de incidência somente acontece quando os serviços prestados são efetuados com o objetivo de auferir remuneração. Nessa toada, verificadas as características e natureza dos contratos de cost sharing agreement, resta compreendido não haver prestação de serviços com a finalidade de lucro nos referidos contratos, e, portanto, não incidir o ISS. Ainda que a jurisprudência de alguns tribunais entenda pela incidência do imposto em comento sobre os reembolsos provenientes dos contratos, identifica-se que nesses casos estão presentes cláusulas em sentido contrário aos requisitos emanados pela Receita Federal nas soluções de consulta e divergência, descaracterizando o CSA e ocasionando a incidência do imposto.

No entanto, por se tratar de um tema que ainda carece de segurança jurídica tributária, muito embora as exigências emanadas pela Receita Federal do Brasil sejam procedentes para a não incidência tributária, o contribuinte deve estar atento às Soluções da Receita, bem como estar com a sua documentação contábil devidamente organizada, pois o entendimento da Receita Federal pode ser complexo e por vezes comportar mais de uma interpretação, podendo vir a ser necessário a aferição de seus registros contábeis.

Assim, muitas vezes as autoridades fiscais podem vir a ter interpretação diferente, estabelecendo unilateralmente características essenciais que deverão ser observadas na elaboração desses contratos, ou que resultarão na necessidade de elaboração de aditivos contratuais para aqueles que já os tiverem firmado.

Por: Ana Cláudia Karg

DA ILEGAL VEDAÇÃO DO DIREITO AO CRÉDITO DE PIS/COFINS SOBRE O IPI NÃO RECUPERÁVEL

            Em dezembro de 2022, foi editada a Instrução Normativa RFB n° 2121/2022, que revogou a IN RFB 1919/2021, passando a se tornar a principal consolidação das normas infralegais sobre o PIS e a COFINS. Dentre as alterações trazidas pela nova IN há a exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos. Esta alteração resultou em redução nas apurações de créditos das contribuições para empresas não contribuintes de IPI que adquirem produtos sobre os quais o imposto é recolhido pelo fornecedor. A redução do crédito, é claro, resulta em um recolhimento maior de tributos.

            A IN 1919/2021 trazia a possibilidade de o contribuinte incluir na base de cálculo do crédito de PIS/COFINS a parcela do IPI não recuperável[1]. Ou seja, o valor de IPI que havia sido recolhido pelo fornecedor/indústria e não pode ser compensado pelo adquirente, uma vez que ele não seja contribuinte de IPI. Por não poder tomar o crédito de IPI, ele é, então, entendido como imposto não recuperável na escrita fiscal e poderia ser utilizado como base de cálculo de crédito do PIS/COFINS.

            O novo entendimento da RFB na IN 2121/2022, entretanto, trata a matéria de forma desfavorável ao contribuinte. Segundo o art. 170, II[2], as parcelas sobre as quais não incide o pagamento do PIS/COFINS não geram direito ao crédito. É expressamente citada a verba do IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor como uma parcela sobre a qual não se pode tomar crédito das contribuições. As empresas varejistas, atacadistas e distribuidoras, entre outras, são exemplos de contribuintes que foram afetados negativamente pela alteração. Assim, nas competências posteriores à IN 2121/22, a apuração de créditos de PIS/COFINS restou sendo significativamente reduzida para alguns contribuintes.

            A proibição abrupta do creditamento, contudo, não poderia ter sido realizada pelo modo como foi na IN 2121/2022. Isso por dois motivos: (i) O IPI não recuperável constitui custo de aquisição e (ii) não houve aplicação da regra da noventena.

I) O IPI não recuperável como custo de aquisição de mercadoria

As Leis 10.637/02 e 10.833/03 trazem em seu art. 3°, I[1] a possibilidade de se tomar crédito sobre o custo dos bens adquiridos para a revenda. Impende identificar, então, o que seria efetivamente custo de aquisição e se o IPI não recuperável o compõe ou não. O Regulamento do Imposto de Renda (RIR)[2] traz a definição do custo de aquisição e expressamente menciona que os tributos recuperáveis na escrita fiscal não compõem tal custo. O IPI sobre o qual se está discutindo aqui é o não recuperável que, logo, compõe o custo de aquisição.

Há tese com fundamentos semelhante em discussão no judiciário brasileiro: A inclusão do ICMS ST na base de cálculo do crédito do PIS/COFINS. Em ambas as teses se defende que os tributos não recuperáveis na escrita fiscal compõem o custo de aquisição e, em razão disso, o contribuinte poderia apurar créditos de PIS/COFINS sobre essas verbas. Na tese relativa ao ICMS- ST, a Primeira Turma do STJ vem entendendo de maneira favorável ao contribuinte, decidindo pela possibilidade de tomada do crédito analisado[3].

II) A não aplicação da regra da noventena

Ainda que venha a se entender pela aplicação da IN 2121/22 e a impossibilidade da tomada de créditos de PIS/COFINS sobre o IPI não recuperável, deve-se observar a regra da noventena prevista no art. 150, III, “c” da CF/88[4]. Não se pode cobrar tributos antes de noventa dias da publicação do ato que majorou a contribuição. Inegável, nesse sentido, que a redução dos créditos resulta nessa majoração da carga tributária, devendo, portanto, ser observado princípio da anterioridade nonagesimal.

Isso posto, verifica-se que a IN 2121/22 viola as Leis 10.637/02 e 10.833/03, ao limitar a tomada de crédito de PIS/COFINS sobre o IPI não recuperável, uma vez que essa parcela do imposto compõe o custo de aquisição do produto. As empresas afetadas por essa alteração têm fundamentos significativos e relevantes para judicializar a matéria e buscar a manutenção do entendimento anterior, no qual era possível a tomada de créditos. O resultado positivo dessa discussão resultaria na redução do PIS e da COFINS devidos mensalmente.

Por: Paulo César de Lima Júnior


A transação tributária por adesão: avanço ou retrocesso?

Nova modalidade abre caminho para frustração das expectativas dos contribuintes

A transação tributária, em suas mais variadas modalidades, de forma inequívoca, vem demonstrando ser um instrumento de arrecadação eficiente, justo e que atende tanto aos objetivos de cobrança da dívida ativa quanto às necessidades dos contribuintes. Trata-se de política pública em constante aprimoramento, sempre inovando na resolução de conflitos tributários para redução do estoque de créditos e de execuções fiscais.

Após o encerramento das diversas modalidades de transações tributárias por adesão, ocorrido em 30/12/2022, contribuintes aguardavam a disponibilização de novas possibilidades de regularização do seu passivo tributário, já que 2023 inicia apenas com a vigência das transações individual, e individual simplificada – destinada aos devedores cujo passivo supere R$ 1 milhão.

Nesse sentido, já em 18 de janeiro foi publicado o Edital PGDAU 1/2023, reservado aos devedores do Simples Nacional, cuja adesão esteve disponível até o dia 31 de janeiro. A fim de atender aos demais casos, bem como viabilizar a arrecadação tributária, a PGFN publicou o Edital PGDAU 2/2023, que trata, em síntese, da instituição de três novas modalidades de transação por adesão, quais sejam: (i) transação por adesão na cobrança da dívida ativa da União; (ii) transação do contencioso de pequeno valor relativo ao processo de cobrança da dívida ativa da União; e (iii) transação de inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança. O presente artigo visa analisar a modalidade por adesão na cobrança da ativa da União, que parece ter vindo para substituir as opções antes denominadas de excepcional e extraordinária.

Apesar da similaridade com as transações por adesão anteriores, é possível inferir uma redução expressiva de benefícios outrora concedidos para equalização do passivo fiscal. Isso porque, de pronto, já se percebe que as condições de pagamento são mais desvantajosas quando comparadas com aquelas das transações excepcional e extraordinárias, ou até mesmo com os termos de negociações de transação individual. Importante ressaltar que o edital em comento é endereçado aos devedores com passivo de até R$ 50 milhões.

Na transação excepcional, exigia-se uma entrada de 4% do valor consolidado do débito, que poderia ser parcelada em até 12 meses. A nova transação, por sua vez, prevê o pagamento de uma entrada de 6% do valor do total devido, sendo que esse montante poderá ser parcelado em apenas seis meses. Além disso, aos contribuintes cujos créditos eram classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, e requeriam a dilação máximo para pagamento (120 meses), era permitida a concessão de até 100% de descontos em juros, multas, e encargos legais, limitados a 35% do valor do débito.

Na nova transação, esse limite será reduzido para 20% do montante devido, o que implicará em significativa diminuição dos descontos concedidos. Pelo menos nesta modalidade, as parcelas não serão determinadas em função do maior valor entre 1% da receita bruta do mês anterior ou da divisão do valor consolidado, tal como era na transação excepcional, o que trazia imprevisibilidade e prejuízo ao cumprimento do plano. Agora, o contribuinte saberá o montante de cada prestação no momento da adesão, uma vez que as parcelas são fixadas apenas com base na divisão do saldo remanescente, mensalmente atualizadas pela taxa Selic.

Enquanto a transação extraordinária permitia a regularização dos créditos de alta ou média perspectiva de recebimento, em até 120 meses, o edital em análise prevê prazo de pagamento idêntico ao de um parcelamento convencional, uma vez que limita em 54 meses a quitação do saldo remanescente – tal alteração não deixa dúvida quanto a intenção de restringir o uso desta política pública para aqueles que, no entender da Fazenda Nacional, possuem maior capacidade de pagamento.

Outro aspecto negativo é que o Edital PGDAU 2/2023, assim como as transações por adesão anteriores e a individual simplificada, mantêm a vedação de uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para amortização do saldo devedor, tornando a nova modalidade ainda menos atrativa para regularização de passivo superior a R$ 10 milhões.

A nova proposta também é desvantajosa para contribuintes com débitos de mais R$ 1 milhão, pois, ainda que estes não possam usufruir do benefício da utilização do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa, lhes é permitido propor um plano de pagamento customizado, de acordo com o seu fluxo de caixa, por meio da transação individual simplificada. Ademais, por se tratar de uma proposta por adesão, não faculta ao proponente a apresentação de um plano de regularização fiscal diferenciado, que atenda às necessidades de cada devedor. A este cabe apenas aceitar todas as condições fixadas pela PGFN.

Por isso, a proposta do edital em questão, como meio alternativo de resolução de conflitos em matéria tributária, é uma modalidade que frustra as expectativas de contribuintes e operadores do Direito, justamente por não permitir uma composição bilateral. Nesta, assim como na excepcional e extraordinária, não há qualquer tipo de negociação entre os representantes do fisco e do devedor, nem mesmo de forma assíncrona, como ocorre na transação individual simplificada.

Infelizmente, a modalidade de transação prevista neste edital, que poderia ser importante ferramenta para desafogar o elevado número de requerimentos de transações individuais, tende a ter baixa adesão, vindo a socorrer apenas os contribuintes cujos créditos tributários sejam de até R$ 1 milhão. Apesar de demandar mais prazo para ser concretizada, as transações individuais e individuais simplificadas são opções muito mais interessantes aos contribuintes cujos créditos nestas consigam acessar.

As novas condições ofertadas, especialmente de majoração do valor da entrada e redução de descontos para optantes do prazo máximo de pagamento, representam um retrocesso para o instituto que tanto avançou nos últimos três anos, e que vem se consolidando como o principal meio de resolução de passivos fiscais no Brasil.

Entretanto, diante da ausência de alternativa mais benéfica, a opção ofertada no Edital 2/2023 é, sem sombra de dúvida, a única oportunidade de regularização para devedores com baixa capacidade de pagamento e que não podem acessar as demais modalidades.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko e Mariana Rodrigues