Grupo sucroalcooleiro fecha acordo bilionário com a Fazenda Nacional

Transação prevê desconto de 46% na dívida e conta com ativo de recuperação judicial

O Grupo Virgolino de Oliveira (GVO), do setor sucroalcooleiro, fechou acordo com a Fazenda Nacional (transação tributária) para a quitação de uma dívida de R$ 1,3 bilhão. O desconto obtido com a negociação foi de 46% e, após a sua aplicação, foi admitido uso de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL – para abater até 70% do saldo a pagar.

Esse acordo é importante porque foi aceito também, como parte do pagamento, os recursos da venda de um ativo, aprovada no processo de recuperação judicial do grupo. Trata-se da Usina Catanduva, localizada no interior de São Paulo.

O grupo, pelo acordo, deverá desembolsar uma entrada de R$ 43 milhões e o restante será pago com a usina e os créditos tributários. As negociações, segundo o advogado Carlos Roberto Occaso, do BBMO Sociedade de Advogados, que representa o grupo sucroalcooleiro na transação, foram iniciadas em 2021.

Elas se estenderam, afirma o advogado, porque os recursos necessários ao pagamento da entrada estavam bloqueados no processo de recuperação judicial. Só poderiam ser liberados com a homologação do plano aprovado pelos credores. Por outro lado, acrescenta, o juízo da recuperação judicial, exigia certidão de regularidade fiscal para dar o seu aval ao plano.

O acordo só foi possível, de acordo com Occaso, após decisão judicial que homologou o plano, exigindo posterior comprovação da regularidade fiscal com a União, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência. “Foi o que permitiu à recuperanda utilizar uma parcela dos recursos então bloqueados para o pagamento da entrada ao Fisco”, diz o advogado.

Occaso destaca que as negociações não envolveram só a Fazenda Nacional. Foi necessário, afirma, negociar com os credores do grupo. Foi o que permitiu a transação individual, segundo ele, possibilitando à União recuperar créditos tributários considerados irrecuperáveis.

Procuradora da Fazenda Nacional, Débora Martins de Oliveira, que atuou no caso, destaca que foi importante o fato de o órgão ter sido procurado pela empresa antes da aprovação do plano de recuperação. “As condições que acertamos puderam ser previstas no plano de recuperação”, afirma ela, ponderando que a previsão da venda de imóveis dentro de uma recuperação judicial para pagamento já foi um mecanismo utilizado em outras negociações.

Esse foi o segundo grande negócio fechado pela PGFN só em 2023. A Mundial, fabricante de artigos de cutelaria, firmou um acordo para redução e pagamento parcelado de débitos fiscais em um total de R$ 1,77 bilhão. De acordo com Débora, existem pelo menos mais três transações em negociação, que podem ser fechadas nas próximas semanas, com dívidas que somam R$ 1 bilhão.

Em 2022, as transações tributárias somaram R$ 14,1 bilhões. Essa forma de negociação é um dos mecanismos que a PGFN tem utilizado para tentar recuperar valores da dívida ativa, que chega a R$ 2,7 trilhões.

A transação tributária é uma alternativa interessante para as empresas em recuperação judicial, segundo André Mendes Moreira, sócio do escritório Sacha Calmon e Misabel Derzi Advogados. Ele aponta que é possível se valer de créditos líquidos e certos – como precatórios e créditos fiscais -, homologados previamente pela União, para o pagamento de débitos tributários. “Mas não basta apenas informar a existência de um crédito e querer utilizar. Esses créditos precisam ser previamente homologados”, afirma ele.

Gustavo José Mizrahi, sócio na Vieites, Mizrahi, Rei Advogados, lembra que uma mudança na legislação de 2020 (Lei nº 14.112) atribuiu maior segurança jurídica na venda de ativos de empresas em recuperação judicial. “A lei deu clareza ao conceito de Unidade Produtiva Isolada (UPI). Esclareceu quais ativos podem ser UPI e que em nenhuma dívida de qualquer natureza, nem mesmo ambiental, há sub-rogação do comprador”, diz.

O advogado acrescenta que, depois de vendido o ativo para um comprador de boa-fé, a operação não estará sujeita a anulação. “Esses itens deram muita tranquilidade para o mercado de compra de ativos de empresa em recuperação judicial, tornando ativos mais valiosos, melhorando os pagamentos aos credores e criando oportunidade para pessoas que se aventurem em comprar essas unidades produtivas isoladas.”

Mizrahi ainda destaca que houve uma evolução jurisprudencial. “Em decisões recentes, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] autorizou que seja feita a modalidade de alienação desse bem [UPI] de forma livre”, diz.

Em 2020, a 3ª Turma do STJ decidiu que apesar da previsão de hasta pública para a alienação de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial, em situações excepcionais, podem ser utilizadas outras modalidades que devem ser explicitamente justificadas para os credores. No julgamento, os ministros ponderaram que existem situações em que a flexibilização da forma de alienação é a única maneira de viabilizar a venda (REsp 1689187).

Fonte: Valor Econômico

STF marca julgamento sobre local de incidência de ISS para planos e serviços financeiros

Ministros já votarão o mérito da questão e não apenas o referendo da liminar dada por Moraes em março de 2018.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou o julgamento da ação que discute o local de incidência do ISS no caso de serviços como planos de saúde, administração de fundos e de carteira de cliente; administração de consórcios e de cartão de crédito ou débito e de arrendamento mercantil (leasing). A discussão ocorre na ADI 5835, e Moraes é o relator.

O tema será analisado em plenário virtual do dia 24 a 31 de março, e os ministros já votarão o mérito da questão e não apenas o referendo da liminar dada por Moraes em março de 2018. Na ocasião, o relator suspendeu trechos da Lei Complementar 157/2016 e da Lei Complementar 116/2003 que determinavam que o ISS deveria ser pago no município do tomador de serviços. Assim, desde 2018, a cobrança tem sido feita no modelo anterior, ou seja, no local onde está localizada a sede da empresa.

O julgamento vai ocorrer ao mesmo tempo em que a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) fará um grande evento em Brasília com prefeitos de várias cidades brasileiras e uma das pautas é, justamente, esse julgamento do Supremo. O interesse é que haja uma maior distribuição de ISS entre os municípios no país. A CNM tem dito que ministros do STF participarão do evento. No entanto, ainda não confirmou os nomes e não há indicação na agenda oficial dos magistrados da participação.

Na noite de quarta-feira (15/3), a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (Cnseg) anexaram memoriais pedindo a manutenção da liminar.

As confederações sustentam que a alteração traz elevados custos de conformidade; que a lei não definiu quem seriam os tomadores dos serviços e que não estabeleceu o conceito de domicílio fiscal, nem esclareceu como seriam tributáveis, pelo ISS, as situações de múltiplos domicílios, de operações feitas pela internet, de dispositivos móveis e do exterior. Por fim, argumentam que ainda não há estrutura entre os municípios para operacionalizar a cobrança do imposto.

Fonte: Jota

STF: Maioria vota para derrubar multa de 50% nas compensações de crédito tributário

União estima R$ 3,7 bilhões de perda se não puder mais aplicar a punição

Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram contra a possibilidade de aplicação de multa de 50% sobre os valores de restituição, ressarcimento ou compensação tributária considerados indevidos pela Receita Federal — a chamada multa isolada. Trata-se de uma disputa cara para a União. Serão R$ 3,7 bilhões de perda se não puder mais aplicar a punição, segundo indica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023.

O julgamento ainda não terminou. Outros cinco ministros tem até a meia-noite desta sexta-feira para depositarem seus votos ou pedirem vista e suspenderem o julgamento.
Há uma pequena diferença entre os votos depositados até o momento. O ministro Alexandre de Moraes considerou que em casos em que ocorrer má-fé a multa deve ser aplicada.

Segundo estimativa da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), que é parte interessada (amicus curiae) na ação, o total de multas já aplicadas pode chegar a R$ 44,3 bilhões. A entidade se baseia em números e valores de declarações de compensação tributária e aplicação da multa isolada da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Já os dados da LDO consideram valores estimados pela Receita Federal sobre as teses e somam, no máximo, cinco anos.
No processo, a Abat pede o reconhecimento da inconstitucionalidade da multa de 50% , desde o início da aplicação das multas.

Entenda
Quando considera ter direito a um crédito contra a União, por pagamentos feitos a mais, o contribuinte pode fazer a compensação, ou seja, usar esse crédito para quitar tributos correntes, de forma administrativa. A Receita Federal tem prazo de cinco anos para validar essa operação. Se entender que o crédito não era devido, a compensação não é homologada. O débito que havia sido pago com o crédito fica em aberto e sobre esses valores são aplicadas a multa de 50% e a de mora, de 20%.

O tema é julgado por meio de duas ações (ADI 4905 e RE 796939). A maioria de votos está sendo formada na repercussão geral.

Falta de proporcionalidade
Na ADI apenas o voto da ministra Cármen Lúcia foi computado, assim como o do relator, ministro Gilmar Mendes.

Para o relator da ADI, ministro Gilmar Mendes, a aplicação de multa isolada por mera não homologação de declaração de compensação, sem que esteja caracterizada a má-fé, falsidade, dolo ou fraude, “fere o direito fundamental de petição e o princípio da proporcionalidade”.

No outro recurso, o relator, ministro Edson Fachin, também considerou inconstitucional a multa isolada. Para ele, não há ato ilícito com aptidão para propiciar penalidade pecuniária automática.

O voto foi seguido pelos ministros Celso de Mello (aposentado), Cármen Lúcia e André Mendonça.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o relator “com ressalvas”. Para Moraes, se deve possibilitar a imposição da multa isolada quando comprovada, mediante processo administrativo, a má-fé do contribuinte no lançamento efetuado de forma errônea.

Ainda segundo o ministro, a má-fé não se caracteriza pela mera reiteração de pedidos de rubricas já rejeitadas anteriormente, mas sim quando essa conduta, analisada no caso concreto, “ultrapassa os limites do exercício legítimo do direito de petição a ponto de configurar abuso desse mesmo direito”.

Fonte: Valor Econômico

Operações de ITCMD recuperam R$ 100 milhões em São Paulo

Valor se refere à autorregularização do pagamento do imposto sobre heranças; autuações somam R$ 36,4 milhões

Três ações fiscais realizadas pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) sobre a transferência de patrimônio devem recuperar mais de R$ 100 milhões para o Estado. Os valores se referem a cobranças de ITCMD, imposto cobrado sobre doações ou transmissão em razão da morte do titular do bem, com alíquota de 4%

Os recursos referem-se a pagamentos e parcelamentos decorrentes de autorregularização nas operações Vaisyas II, Vaisyas III e Donatio XVIII. Além dos valores regularizados foram formalizadas autuações que somam R$ 36,4 milhões.

Dos R$ 100 milhões, R$ 79,2 milhões já foram recolhidos à Sefaz-SP. Outros R$ 21,1 milhões foram parcelados.

A fiscalização foi realizada por 23 auditores fiscais, da Delegacia Regional Tributária Especializada do ITCMD. De acordo com Leonardo Balthar, delegado regional tributário do ITCMD, o resultado obtido nas três operações confirma o bom uso e eficácia de novas ferramentas de análise utilizadas pelo Fisco paulista.

Subavaliações
A Operação Vaisyas fiscaliza se os valores utilizados como base de cálculo do ITCMD nas doações declaradas estavam de acordo com o valor patrimonial. Uma das fraudes mais comuns verificada pelo Fisco paulista foi a subavaliação de patrimônio transmitido por meio de títulos representativos do capital de empresas.

A Donatio audita doações declaradas pelos contribuintes à Receita Federal do Brasil, sem que o ITCMD tenha sido declarado ou pago ao Estado de São Paulo. A Vaisyas II foi finalizada em fevereiro de 2023. A Vaisyas III e Donatio XVIII continuam em andamento.

Em 2022, a arrecadação de ITCMD no Estado foi de R$ 4,154 bilhões, próximo dos R$ 4,375 bilhões de 2021. Até 10 de março de 2023 foram arrecadados R$ 585 milhões.

Fonte: Valor Econômico

Supremo afasta IR sobre doação ou herança tributada por ITCMD

Turmas da Corte proferiram duas recentes decisões contrárias à cobrança pela União

Duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) impedem a União de exigir o Imposto de Renda (IR) sobre ganho de capital decorrente da valorização de bens transmitidos por herança ou doação. A discussão levada aos ministros é se acaba ocorrendo uma dupla tributação porque os Estados já têm o poder de cobrar o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre bens doados ou herdados.

Essas decisões são das turmas do Supremo, que são compostas por cinco ministros cada uma. Ambas mantêm decisões de tribunais regionais federais, embora os fundamentos para beneficiar o contribuinte sejam diferentes. Ainda assim, segundo advogados tributaristas, são importantes sinalizações da mais alta Corte do país sobre o tema.

Na prática, explica o especialista Daniel Franco Clarke, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, admitir ou não a taxação pelo IR impacta, no fim das contas, “na atribuição dos montantes a serem distribuidos aos herdeiros no inventário”.

O ITCMD recai na transferência da propriedade de bens em razão do falecimento ou de doação. Quem recolhe é o herdeiro ou o donatário, aquele que recebe a doação. As alíquotas variam de Estado para Estado, mas podem chegar a 8%.

A União tem exigido o IR – com alíquota entre 15% e 22% – sobre eventual ganho auferido na atualização do valor do bem no momento da transferência da propriedade. Mas, diferente do que ocorre com o ITCMD, o IR é cobrado do doador ou do espólio, explicam advogados.

“Não há propriamente para o doador acréscimo patrimonial quando faz a transmissão. Pelo contrário. Bens foram retirados do seu patrimônio”, afirma Clarke. “Pode haver ofensa à capacidade contributiva com a exigência do imposto”, acrescenta a advogada Nina Pencak, do mesmo escritório.

Os advogados explicam que a lei dá a opção para o contribuinte declarar os bens pelo valor de mercado ou pelo valor original, previsto na declaração de bens do falecido ou do doador. Essa faculdade consta no artigo 32 da Lei nº 9.532, de 1997.

Se a transferência for efetuada pelo valor de mercado, a diferença positiva será tributada pelo IR. Um imóvel que tinha o valor histórico de R$ 100 mil e hoje vale R$ 500 mil pode ser transmitido, para fins do IR por R$ 100 mil. Mas se o for pelo valor maior, os R$ 400 mil de “saldo” serão tributados.

Essa opção não existe para o ITCMD, que recai – sem opção do contribuinte – sobre o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Segundo o mapeamento da banca Mannrich e Vasconcelos Advogados, existem decisões a favor dos contribuintes nos Tribunais Regionais Federais da 1ª (TRF-1), da 2ª (TRF-2) e da 4ª Regiões (TRF-4). Ainda não haveria, de acordo com a banca, precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No Supremo, a disputa ainda está em aberto. A Fazenda Nacional contabiliza dois precedentes favoráveis à tributação. Uma decisão individual (monocrática) da ministra Cármen Lúcia (RE 1392666) e uma decisão da 2ª turma, em que os ministros consideraram legítima a exigência do IR sobre ganhos de capital do doador no adiantamento de herança (RE 1269201).

“Nos dois casos, o STF abonou a tese da União e afirmou que a legislação – Leis nº 7.713/1988 e nº 9.532/1997 – não estabeleceu fato gerador do imposto de renda, mas limitou-se a explicitar o momento de apuração do acréscimo patrimonial ocorrido”, afirmou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em nota ao Valor.

A União tem defendido que não haveria uma cobrança dupla. Isso porque, diz, não há tributação da herança ou da doação, mas do ganho de capital decorrente da valorização que já havia ocorrido anteriormente, e que somente foi aferida no momento da transferência. “Por essa razão, não cabe falar-se em bitributação, considerado o fato gerador do ITCMD”, diz.

Em decisão recente, no entanto, a 1ª Turma do STF brecou a exigência do IR por entender estar configurada a bitributação. Manteve, com isso, decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, favorável ao contribuinte.

Segundo o relator, ministro Luís Roberto Barroso, o Supremo tem entendimento de que o IR incide sobre acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente. E que a Constituição repartiu o poder de tributar entre os entes federados.

“Admitir a incidência do imposto sobre a renda nos moldes defendidos pela Fazenda acabaria por acarretar indevida bitributação, na medida em que também incidiria o imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD)”, afirmou o ministro, no voto (ARE 1387761).

A decisão foi por maioria de votos. A ministra Cármen Lúcia divergiu e deu razão à União. Segundo ela, as normas que preveem a tributação não inovam sobre o fato gerador do Imposto de Renda nem na determinação de incidência desse tributo sobre a doação ou sobre a herança.

“Trata-se apenas da definição do momento para a apuração do ganho de capital tributável”, diz, acrescentando que também não haveria bitributação porque o Imposto de Renda recai sobre o ganho de capital apurado na doação em antecipação da legítima, e não sobre a doação em si.

Na outra decisão, do início de março, a 2ª Turma do STF não entrou no mérito da discussão. Entendeu, por unanimidade, que não haveria, no caso, discussão constitucional para a Corte analisar.

“Eventual discussão acerca da ocorrência de bitributação – nas hipóteses de incidência do IR sobre imóveis recebidos em herança – exigiria a reinterpretação de norma infraconstitucional (Lei 9.532/1997), o que é vedado em sede de recurso extraordinário, além de revelar afronta meramente reflexa ou indireta ao texto constitucional”, afirmou o relator, ministro Nunes Marques (RE 943075).

Com isso, na prática, os ministros mantiveram decisão do TRF-1 que, além de reconhecer a bitributação, entendeu não ter ocorrido ganho de capital na transferência do bem herdado.

Para o tributarista Leonardo Moraes e Castro, sócio do VBD Advogados, é questionável a posição do Supremo de que a discussão seria infraconstitucional e, dessa forma, teria que ser resolvida em última instância pelo STJ.

“É uma questão de repartição de competências. A doação e a transmissão de herança são tributadas pelos Estados, mas o são exclusivamente? Há uma lacuna”, diz.

Fonte: valor Econômico

A transação tributária por adesão: avanço ou retrocesso?

Nova modalidade abre caminho para frustração das expectativas dos contribuintes

A transação tributária, em suas mais variadas modalidades, de forma inequívoca, vem demonstrando ser um instrumento de arrecadação eficiente, justo e que atende tanto aos objetivos de cobrança da dívida ativa quanto às necessidades dos contribuintes. Trata-se de política pública em constante aprimoramento, sempre inovando na resolução de conflitos tributários para redução do estoque de créditos e de execuções fiscais.

Após o encerramento das diversas modalidades de transações tributárias por adesão, ocorrido em 30/12/2022, contribuintes aguardavam a disponibilização de novas possibilidades de regularização do seu passivo tributário, já que 2023 inicia apenas com a vigência das transações individual, e individual simplificada – destinada aos devedores cujo passivo supere R$ 1 milhão.

Nesse sentido, já em 18 de janeiro foi publicado o Edital PGDAU 1/2023, reservado aos devedores do Simples Nacional, cuja adesão esteve disponível até o dia 31 de janeiro. A fim de atender aos demais casos, bem como viabilizar a arrecadação tributária, a PGFN publicou o Edital PGDAU 2/2023, que trata, em síntese, da instituição de três novas modalidades de transação por adesão, quais sejam: (i) transação por adesão na cobrança da dívida ativa da União; (ii) transação do contencioso de pequeno valor relativo ao processo de cobrança da dívida ativa da União; e (iii) transação de inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança. O presente artigo visa analisar a modalidade por adesão na cobrança da ativa da União, que parece ter vindo para substituir as opções antes denominadas de excepcional e extraordinária.

Apesar da similaridade com as transações por adesão anteriores, é possível inferir uma redução expressiva de benefícios outrora concedidos para equalização do passivo fiscal. Isso porque, de pronto, já se percebe que as condições de pagamento são mais desvantajosas quando comparadas com aquelas das transações excepcional e extraordinárias, ou até mesmo com os termos de negociações de transação individual. Importante ressaltar que o edital em comento é endereçado aos devedores com passivo de até R$ 50 milhões.

Na transação excepcional, exigia-se uma entrada de 4% do valor consolidado do débito, que poderia ser parcelada em até 12 meses. A nova transação, por sua vez, prevê o pagamento de uma entrada de 6% do valor do total devido, sendo que esse montante poderá ser parcelado em apenas seis meses. Além disso, aos contribuintes cujos créditos eram classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, e requeriam a dilação máximo para pagamento (120 meses), era permitida a concessão de até 100% de descontos em juros, multas, e encargos legais, limitados a 35% do valor do débito.

Na nova transação, esse limite será reduzido para 20% do montante devido, o que implicará em significativa diminuição dos descontos concedidos. Pelo menos nesta modalidade, as parcelas não serão determinadas em função do maior valor entre 1% da receita bruta do mês anterior ou da divisão do valor consolidado, tal como era na transação excepcional, o que trazia imprevisibilidade e prejuízo ao cumprimento do plano. Agora, o contribuinte saberá o montante de cada prestação no momento da adesão, uma vez que as parcelas são fixadas apenas com base na divisão do saldo remanescente, mensalmente atualizadas pela taxa Selic.

Enquanto a transação extraordinária permitia a regularização dos créditos de alta ou média perspectiva de recebimento, em até 120 meses, o edital em análise prevê prazo de pagamento idêntico ao de um parcelamento convencional, uma vez que limita em 54 meses a quitação do saldo remanescente – tal alteração não deixa dúvida quanto a intenção de restringir o uso desta política pública para aqueles que, no entender da Fazenda Nacional, possuem maior capacidade de pagamento.

Outro aspecto negativo é que o Edital PGDAU 2/2023, assim como as transações por adesão anteriores e a individual simplificada, mantêm a vedação de uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para amortização do saldo devedor, tornando a nova modalidade ainda menos atrativa para regularização de passivo superior a R$ 10 milhões.

A nova proposta também é desvantajosa para contribuintes com débitos de mais R$ 1 milhão, pois, ainda que estes não possam usufruir do benefício da utilização do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa, lhes é permitido propor um plano de pagamento customizado, de acordo com o seu fluxo de caixa, por meio da transação individual simplificada. Ademais, por se tratar de uma proposta por adesão, não faculta ao proponente a apresentação de um plano de regularização fiscal diferenciado, que atenda às necessidades de cada devedor. A este cabe apenas aceitar todas as condições fixadas pela PGFN.

Por isso, a proposta do edital em questão, como meio alternativo de resolução de conflitos em matéria tributária, é uma modalidade que frustra as expectativas de contribuintes e operadores do Direito, justamente por não permitir uma composição bilateral. Nesta, assim como na excepcional e extraordinária, não há qualquer tipo de negociação entre os representantes do fisco e do devedor, nem mesmo de forma assíncrona, como ocorre na transação individual simplificada.

Infelizmente, a modalidade de transação prevista neste edital, que poderia ser importante ferramenta para desafogar o elevado número de requerimentos de transações individuais, tende a ter baixa adesão, vindo a socorrer apenas os contribuintes cujos créditos tributários sejam de até R$ 1 milhão. Apesar de demandar mais prazo para ser concretizada, as transações individuais e individuais simplificadas são opções muito mais interessantes aos contribuintes cujos créditos nestas consigam acessar.

As novas condições ofertadas, especialmente de majoração do valor da entrada e redução de descontos para optantes do prazo máximo de pagamento, representam um retrocesso para o instituto que tanto avançou nos últimos três anos, e que vem se consolidando como o principal meio de resolução de passivos fiscais no Brasil.

Entretanto, diante da ausência de alternativa mais benéfica, a opção ofertada no Edital 2/2023 é, sem sombra de dúvida, a única oportunidade de regularização para devedores com baixa capacidade de pagamento e que não podem acessar as demais modalidades.

Por: Jussandra Hickmann Andraschko e Mariana Rodrigues

STF pode definir tese do Funrural nesta semana

Discussão tem impacto estimado em R$ 12,2 bilhões pela União

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode definir uma tese bilionária para a União nesta semana. E só falta mesmo a tese. O mérito já foi julgado em dezembro. Os ministros decidiram, na ocasião, que a contribuição previdenciária do setor agropecuário (Funrural, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) pode incidir sobre a receita bruta.

Essa definição da base de cálculo do Funrural para pessoas jurídicas é uma discussão de impacto estimado em R$ 12,2 bilhões pela União (RE 700922).

Os contribuintes queriam voltar a pagar o Funrural com base na folha de pagamentos, conforme previa o artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1991. A alegação era de que o Funrural não poderia incidir sobre a receita bruta porque essa já é a base de cálculo da Cofins.

No STF, prevaleceu o entendimento de que é constitucional a previsão da Lei nº 8.870, de 1994, que instituiu contribuição à seguridade social, a cargo do empregador produtor rural, pessoa jurídica, sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes.

Ficou pendente a definição da tese de repercussão geral. Esse ponto que será discutido na quarta-feira. A definição da pendência é importante porque o enunciado deverá ser seguido pelas instâncias inferiores do Judiciário.

Fonte: Valor Econômico

Receita Federal reconhece que MP do Perse restringiu desoneração

Programa voltado para setor de eventos e turismo passou a conceder alíquota zero de tributos só para 38 atividades

A Receita Federal reconheceu que uma medida provisória do governo federal, de dezembro, teve o objetivo de reduzir o alcance da desoneração tributária concedida aos setores de eventos e de turismo por meio do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).O posicionamento consta das Soluções de Consulta nº 51 e 52, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o que obriga os auditores fiscais do país a aplicar esse entendimento nas fiscalizações.

Segundo especialistas em tributação, essa espécie de “confissão” do Fisco reforça os argumentos, em ações judiciais, de empresas que perderam o direito de usufruir do benefício na virada do ano.

“Só se pode reduzir algo que existia antes”, diz o advogado Thiago Marques, sócio do escritório Bichara Advogados.

O Perse foi instituído ainda durante a pandemia, por meio da Lei nº 14.148, de maio de 2021. Prevê alíquota zero de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins pelo prazo de cinco anos. É uma medida temporária para incentivar a retomada dos setores de eventos e de turismo impactados pelas medidas de isolamento social para contenção do contágio do contágio do coronavírus.

Em meados de dezembro, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.147, estabelecendo que seria publicado novo ato do então Ministério da Economia para relacionar as atividades com direito ao Perse. Justificou que a “amplitude do alcance da norma poderia comprometer o orçamento público e o cumprimento das metas fiscais”. O Congresso Nacional tem até o fim de maio para analisar a MP.

Nos primeiros dias de janeiro, a pasta reduziu de 88 para 38 as atividades beneficiadas pela desoneração por meio da Portaria nº 11.266. Agora, estão contemplados hotéis, cinemas, prestadores de serviços turísticos e empresas de eventos – que realizam, por exemplo, congressos, feiras e shows. Bares e restaurantes, por outro lado, ficaram de fora e estão recorrendo à Justiça.

“Vamos discutir se a compensação concedida aos setores poderia ser restringida”, afirma Thiago Marques. Segundo ele, o benefício concedido até dezembro de 2022 era bem mais abrangente do que o atual. “Em discussões judiciais em andamento, a Fazenda não faz esse corte, alega que o contribuinte não tem direito ao benefício e ponto. Mas será necessário fazer o ‘split’ entre 2022 e os próximos anos”.

Nas soluções de consulta, a Receita Federal reforçou posicionamentos que, na prática, reduzem a abrangência do benefício fiscal. “Já imaginávamos que as posições da Receita seriam mais restritivas”, diz a advogada tributarista Carolina Romanini, sócia do escritório Cescon Barrieu. “Questões polêmicas deverão ser objeto de ação judicial”, acrescenta.

Na Solução de Consulta nº 52, por exemplo, o Fisco frisa que a desoneração não atinge todas as receitas da empresa, só as geradas com o exercício de atividades integrantes do setor de eventos, “devendo haver segregação das referidas receitas e resultados, para fins de aplicação do mencionado benefício fiscal de redução de alíquotas a zero”, pontua.

Na Solução de Consulta nº 52, por exemplo, o Fisco frisa que a desoneração não atinge todas as receitas da empresa, só as geradas com o exercício de atividades integrantes do setor de eventos, “devendo haver segregação das referidas receitas e resultados, para fins de aplicação do mencionado benefício fiscal de redução de alíquotas a zero”, pontua.

Acrescentou que apenas a prestação de serviços em geral a beneficiários da lei do Perse não gera direito ao benefício fiscal.

“Não adianta ter o CNAE previsto na portaria [nº 11.266]. A empresa deve atuar nos setores contemplados e auferir receitas decorrentes deles”, afirma Carolina Romanini.

A restrição feita pela Receita é alvo de discussão na Justiça. Em meados de fevereiro, cita o advogado Thiago Marques, sentença do juiz Marcelo Barbi Gonçalves, da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, garantiu o direito a uma empresa que loca aparelhos de refrigeração e eletrônicos para os setores de eventos e hotelaria de usufruir da alíquota zero.

“A lei estabeleceu a redução das alíquotas sobre o resultado das pessoas jurídicas que pertenciam ao setor de eventos, de acordo com o ato do Ministro da Economia, não tendo restringido o benefício ao resultado direto das atividades relacionadas ao setor de eventos”, entendeu o magistrado (processo nº 5097908-31.2022.4.02.5101). Cabe recurso da decisão.

Nas soluções de consulta, o Fisco também tirou uma dúvida sobre o termo inicial para aproveitamento do benefício: vale para as receitas e resultados das empresas no período entre março de 2022 a fevereiro de 2027.

A incerteza surgiu porque a lei do Perse foi publicada em maio de 2021, mas o então presidente Jair Bolsonaro vetou o benefício. Os vetos foram derrubados pelo Congresso apenas em março de 2022, quando o Fisco entende ser a data inicial para uso da alíquota zero.

As soluções de consulta ainda detalham como os contribuintes devem informar o Fisco sobre a aplicação da alíquota zero em notas fiscais e declarações. “Está expresso que os incentivos devem ser explicitados na contabilidade fiscal, reduzindo a chance de o tema passar despercebido em auditorias”, alerta o advogado Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers.

Fonte: Valor Econômico

STF suspende liminares que reduziam PIS/Cofins

Decisão do ministro Ricardo Lewandowski impõe alíquota de 4,65% sobre receitas financeiras

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski deu uma medida cautelar para suspender todas as decisões liminares do país que concediam aos contribuintes o direito de recolher o PIS e a Cofins, sobre receitas financeiras, com alíquotas reduzidas — de 2,33% no total — por 90 dias.

Existem mais de 400 ações que discutem o tema pelo Brasil, segundo o último balanço divulgado pela Procuradoria-Geral da Fazenda (PGFN), em 14 de fevereiro.

A redução das alíquotas tinha sido instituída pelo Decreto nº 11.322, assinado pelo então presidente em exercício da República, Hamilton Mourão. O texto foi publicado no dia 30 de dezembro e passava a vigorar no dia 1º de janeiro. O impacto da medida foi calculado em R$ 5,8 bilhões. Porém, a norma foi revogada pelo Decreto 11.374, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo dia 1º de janeiro, mas publicado no dia 2.

Com isso, contribuintes começaram a recorrer à Justiça. Alegam que a elevação das alíquotas das contribuições sociais só poderia entrar em vigor após 90 dias da publicação do decreto do governo Lula — ou seja, do cumprimento da “noventena”.

Essa movimentação no Judiciário fez com que o próprio governo federal entrasse, no dia 3 de fevereiro, com a ação agora analisada por Lewandowski (ADC 84). Nela, além de pedir, com urgência, a suspensão das decisões judiciais que permitem o recolhimento das alíquotas reduzidas, requer que seja declarado válido o Decreto nº 11.374, de 2023, que restabeleceu as alíquotas das contribuições em 4,65%.

Decisão
Ao analisar o caso, em sede de medida cautelar, Lewandowski entendeu estarem presentes os requisitos para suspender essas decisões. Segundo ele, o Decreto nº 11.374, de 2023, que revogou o Decreto nº 11.322, de 2022, apenas trouxe de volta o que dispunha o Decreto nº 8.426, de 2015, “mantendo os índices que vinham sendo pagos pelo contribuinte desde 2015”.

Ainda concluiu que o decreto de 2023 não pode ser equiparado à instituição ou aumento de tributo e “não viola os princípios da segurança jurídica e da não surpresa, na medida em que o contribuinte já experimentava, desde 2015, a incidência das alíquotas de 0,65% e 4%.”

Para Lewandowski, “não há falar em quebra da previsibilidade ou que o contribuinte foi pego desprevenido”.

O ministro ainda ressaltou que não desconhece os precedentes do STF, ambos de relatoria do ministro Dias Toffoli, que deram 90 dias de prazo no caso de aumento de PIS Cofins sobre receitas financeiras (RE 1.043.313/RS ou Tema 939 da Repercussão Geral e ADI 5.277/DF). “Contudo, não se trata também, no caso sub judice, de restabelecimento de alíquota de PIS/Cofins incidentes sobre receitas financeiras, mas tão somente manutenção do índice que já vinha sendo pago”, diz na decisão.

Lewandowski citou outros dois precedentes do STF no mesmo sentido do seu entendimento (RE 584.100/SP e RE/RG 566.032/RS). Neles, a Corte entendeu que não houve majoração da alíquota e que, portanto, não se deveria respeitar os 90 dias para a entrada em vigor.

Além de suspender a eficácia das decisões proferidas pelo país, Lewandowski pediu a inclusão da medida cautelar para julgamento no Plenário Virtual.

Análise
Com essa decisão, segundo o advogado Edison Fernandes, do FF Advogados, todos os contribuintes que tinham conseguido liminares deverão recolher o valor de PIS e Cofins referente a janeiro — cujo vencimento foi dia 25 de fevereiro -— em 30 dias, sem aplicação de multa, mas com incidência de juros Selic.

“Além disso, todos os contribuintes brasileiros de PIS e Cofins deverão seguir recolhendo normalmente os valores devidos referentes aos meses de fevereiro e março”, afirma o tributarista.

Ainda que a decisão deva ser referendada pelo Pleno, Fernandes afirma que a suspensão das liminares já está dada e que não acredita que o Pleno contrarie este entendimento.

O posicionamento de Lewandowski surpreendeu, segundo o advogado Rubens Souza, do escritório W Faria. Isso porque vai na contramão das inúmeras liminares favoráveis aos contribuintes e eram poucas as desfavoráveis. “As liminares seguiam precedentes do próprio STF que asseguravam a anterioriedade nonagesimal”, diz o tributarista.

Para Souza, apesar de o entendimento do ministro de que a segurança jurídica não estaria violada porque foi apenas um dia útil de vigência do decreto que fez a redução das alíquotas, a decisão estaria relativizando o princípio constitucional da anterioriedade nonagesimal.

Na prática, esse período de 90 dias para a entrada em vigor é necessário para os contribuintes se prepararem. Souza afirma que o primeiro decreto foi anterior à virada do ano, época que as empresas fecham seu planejamento para o ano seguinte. Portanto, teriam sido tomadas de surpresa com o retorno das alíquotas.

Procuradas pelo Valor, a Advocacia Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não retornaram até o fechamento da reportagem.

Fonte: Valor Econômico

STJ decide que incidem IR e CSLL sobre correção monetária

1ª Seção da Corte definiu questão em recurso repetitivo e por unanimidade

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu a favor da União no julgamento que analisou a cobrança de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e CSLL sobre o valor equivalente à correção monetária em aplicações financeiras. A decisão da 1ª Seção foi unânime.

O entendimento praticamente encerra a discussão sobre essa tese na Justiça. Pelo menos um recurso apresentado para que o tema fosse analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) já foi rejeitado em 2021. Cabem apenas embargos de declaração, que é um recurso usado para pedir esclarecimentos ou apontar omissões no próprio STJ.

O tema foi julgado pela Corte em recurso repetitivo. Portanto, a decisão servirá de orientação para as instâncias inferiores fazendo com que processos sobre o assunto não cheguem mais na Corte (Tema 1160). Nos sistemas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) constam 1781 processos sobre o assunto na Justiça federal e no STJ. O entendimento se aplica a todas as aplicações financeiras, o que inclui as operações de renda fixa, por exemplo.

A questão foi analisada por meio de cinco processos. Em um deles, a Fertilizantes Piratini alega que aplica no mercado financeiro valores significativos para ter rendimentos e evitar o efeito corrosivo da inflação sobre o patrimônio.

A empresa de fertilizantes defendeu que seria ilegal a exigência do IR e da CSLL calculados sobre a parcela correspondente à correção monetária (variação do IPCA) das aplicações financeiras. Ainda segundo a empresa, se trataria apenas de recomposição do próprio patrimônio corroído.

O advogado Rafael Nichele, do escritório que leva seu nome, representante da Fertilizantes Piratini, afirmou na sustentação oral que não há dúvida de que correção monetária não é remuneração de capital, apenas recomposição de patrimônio. “O que se discute é saber se a totalidade dessas receitas deve ser tributada pelo imposto de renda, ainda que não haja acréscimo patrimonial.”

Segundo o advogado, se for considerado que variação monetária sem acréscimo patrimonial deve ser tributada, há tributação de receita, que é base de cálculo do PIS e da Cofins e não do IR.

Decisão
O relator, ministro Mauro Campbell Marques, negou o pedido das empresas. Para ele, o contribuinte não teria direito à dedução da base de cálculo do IR e da CSLL de inflação e correção monetária, entre a data base e a data de vencimento do título. O rendimento é calculado a partir da diferença entre situação inicial e final, segundo o relator.

Como a correção monetária também é moeda não há como excluí-la do cálculo, segundo o relator. “O contribuinte também ganha com a correção monetária porque seu título foi por ela remunerado”, afirmou.

Para Campbell Marques, os rendimentos das aplicações financeiras incrementam o patrimônio do contribuinte, diferente do que ocorre nos valores mantidos depositados em conta sem rendimento. “Em uma economia desindexada, a correção monetária, pactuada ou não, é parte do rendimento da aplicação financeira”, afirmou.

O relator reconheceu a legalidade da tributação e sugeriu, como tese do recurso repetitivo, que o STJ adote o seguinte enunciado: “O IR e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras porquanto essas se caracterizam, legal e contabilmente, como receita bruta na condição de receitas financeiras componentes do lucro operacional”.

A ministra Regina Helena Costa afirmou que ficou vencida ao manifestar entendimento contrário sobre o tema, em julgamento realizado na 1ª Turma do STJ. Mas disse que passou a seguir a decisão dos colegas, mantendo a sua ressalva de ter posição pessoal divergente — apesar da ressalva, a decisão foi unânime.

Análise
De acordo com Nichele, havia jurisprudência favorável aos contribuintes no STJ, mas em decisões monocráticas. Em 2021, a 2ª Turma já decidia de forma contrária aos contribuintes e a 1ª Turma acompanhou o entendimento. Ainda segundo o advogado, o recurso apresentado no seu caso para tentar levar a discussão ao STF foi rejeitado pela Corte em 2021. Agora, Nichele pretende apresentar embargos de declaração ao STJ, recurso usado para pedir esclarecimentos ou apontar omissões.

“A decisão afeta todos os setores econômicos, tendo em vista as práticas de mercado, já de muitas décadas, e a dinâmica das empresas com suas finanças”, afirma Caio Cesar Nader Quintella, sócio do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

Haveria ainda um espaço para discussão, segundo Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados. Trata-se da parcela equivalente à correção monetária recebida pelas empresas no curso de suas atividades, não decorrente de aplicações financeiras, mas de alguma questão contratual, por exemplo. “Esse exemplo de recebimento de valor a título de correção financeira não entra nessa decisão”, afirma o tributarista.

Fonte: Valor Econômico

Carf retoma sessões e presidente quer julgar R$ 500 bilhões até o fim do ano

Carlos Higino Ribeiro de Alencar pretende retomar a normalidade das atividades e reduzir o estoque do órgão pela metade

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) retoma hoje as sessões de julgamentos depois de sucessivas sessões desmarcadas. Ainda não há uma definição sobre eventuais alterações no voto de qualidade, o desempate pelo voto duplo do presidente, que acaba beneficiando a Fazenda Nacional. Agora, o presidente do Conselho, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, pretende retomar a normalidade das atividades e reduzir o estoque do órgão pela metade.

Para o presidente, o estoque de R$ 1 trilhão do Carf é “escandaloso”. “A gente acaba se acostumando com coisas que não fazem o menor sentido em nível internacional”, afirma. Alencar destaca que esse é o volume de litígio só no Carf, segunda instância administrativa de tributos federais, ainda há valores em disputas tributárias nas esferas estaduais e municipais.

O presidente gostaria de reduzir o estoque do Carf pela metade, se possível. “Já tivemos em outras épocas estoques variando em R$ 500 bilhões, queria votar pelo menos R$ 500 bilhões até o fim do ano”, afirmou.

Para isso, as pautas devem continuar trazendo processos de valores elevados. Esses casos estão entre as prioridades de julgamento no órgão, assim como casos envolvendo idosos, discussões penais que podem prescrever além dos processos mais antigos. Essas já eram as prioridades antes mesmo da gestão de Alencar.

O presidente destaca que respeita muito o Congresso, que vai dar a palavra final sobre a MP do Carf, mas espera que o acordo firmado com a OAB em processo sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF) seja uma inspiração. Pelo acordo, o desempate segue pelo voto de qualidade, mas sem juros e multa. “Os julgamentos agora vão continuar normalmente”, destaca.

Quando os julgamentos começaram, algumas empresas solicitaram na Justiça a retirada dos casos de pauta para que não fossem julgados com o voto de qualidade, reintroduzido no órgão por meio de Medida Provisória. Os pedidos que foram atendidos pela Justiça foram retirados da pauta. “A maioria nós ganhamos”, A maioria nós ganhamos”, afirma o presidente, sobre os pedidos de retirada de pauta.

Fonte: Valor Econômico

Novo imposto só deve entrar em vigor em 2025, diz Appy

Cronograma prevê taxação à renda no 2º semestre junto com nova tributação da folha de pagamento

O novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que pode resultar da reforma dos tributos sobre consumo, só deve começar a ser aplicado em 2025, segundo cronograma considerado possível pelo secretário especial de Reforma Tributária, Bernard Appy.

Não há prazos definidos, disse ele em entrevista ao Valor Fiscal, mas uma possibilidade é aprovar a emenda constitucional da reforma tributária sobre consumo na primeira metade do ano. Depois, no segundo semestre, discutir a reforma da tributação na renda, possivelmente junto com uma mudança na tributação sobre folha.

Uma lei complementar definindo detalhes imprescindíveis para garantir segurança jurídica do IBS, porém, só seria enviada ao Congresso no primeiro semestre do ano que vem. Não haveria tempo hábil para colocá-la em vigor em 2024, avaliou. Essa legislação complementar deve definir características cruciais do IBS, como fato gerador e base de cálculo. “É um tributo novo, é preciso fazer isso com muita segurança jurídica para evitar que depois tenhamos litígio.” A lei também deve dizer o que é destino, diz, definição importante na distribuição federativa da receita.

A promessa de que não haverá aumento da carga tributária na transição para o novo tributo também estará apoiada na lei complementar, que trará em um anexo a fórmula de um cálculo cujo objetivo é assegurar a neutralidade.

É também nessa etapa posterior que será detalhado o ponto de maior interesse popular da reforma, o cashback para a população de renda mais baixa.

Appy não quis comentar se regimes especiais e alíquotas diferenciadas estariam também em lei complementar, conforme o último relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110/19. Na PEC 45/2019, lembrou ele, no texto que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou à comissão mista, já há exceção para um conjunto de setores.

Apesar da resistência de prefeituras à fusão do municipal Imposto sobre Serviços (ISS) com o estadual Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o secretário avalia que essa é a melhor opção. Para Appy, a reforma perderia qualidade sem a junção.

Em relação aos Estados, Appy diz que há “convergência” sobre pontos importantes. No entanto, ainda se busca consenso com governadores novos.

Demanda histórica dos Estados de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a criação de um fundo de desenvolvimento regional para substituir as atuais políticas de incentivos fiscais do ICMS conta com apoio do Ministério da Fazenda. Esses fundos existiriam “enquanto houver desigualdades regionais”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: A desoneração da folha será discutida junto com a reforma dos tributos sobre o consumo?

Bernard Appy: Não tem nada definido. No segundo semestre, nós vamos tratar da tributação da renda e, possivelmente, da tributação da folha. Faz sentido tratar as duas junto, porque a tributação da folha é uma forma de tributar a renda do trabalho, ainda que vinculada a benefícios. E, idealmente, a mudança na tributação da folha deveria ser financiada com mudança na de renda. Temos duas bases muito tributadas no Brasil: consumo e folha. Não dá para desonerar a folha e financiar [com aumento da carga] no consumo.

Valor: O ex-secretário especial da Receita Marcos Cintra trabalha em proposta defendida por empresas do setor de serviços que coloca a desoneração da folha na primeira etapa da reforma. O setor diz que, se aumentar a tributação sobre serviços, precisa desonerar a folha. Pode haver aí uma moeda de troca?

Appy: A discussão setorial acontecerá no Congresso. Não dá para afirmar se haverá ou não aumento da carga tributária sobre serviços sem a definição da reforma. Não queremos CPMF [a proposta de Cintra contempla tributo sobre operações financeiras para substituir tributos federais, inclusive os cobrados sobre folha]. Mas não dá para discutir desoneração da folha sem discutir como pode ser financiada. Não somos contra a discussão. Nossa preocupação é fazer isso de forma fiscalmente responsável.

[Reforma terá] transição longa, mas é claramente uma política para elevar potencial de crescimento do país”

Valor: O relatório mais recente da PEC 110 deixa as questões setoriais para lei complementar. O senhor avalia que essa discussão não entrará na PEC?

Appy: O relatório da PEC 110 diz que a lei complementar tratará desses regimes favorecidos. O relatório do deputado Aguinaldo [para a PEC 45] tinha benefício temporário por 12 anos para alguns setores: serviço de saúde, de educação, produtos agropecuários e agroindustriais, transporte público coletivo de passageiros, transporte rodoviário de carga, entidades beneficentes de assistência social. Como isso vai ser tratado no novo relatório, eu não sei.

Valor: Quando o governo fala em seis meses para terminar de discutir no Congresso a reforma no consumo, está incluindo a lei complementar? Qual o cronograma?

Appy: Não. O Arthur Lira [presidente da Câmara, PP-AL] diz que pretende votar [a emenda constitucional] em maio. Não sei qual será o tempo no Senado. Se votar a lei complementar no primeiro semestre de 2024, é bom. Politicamente, a emenda é complexa. A lei complementar é politicamente mais simples, mas tecnicamente mais complexa. Tem de ter tempo para discussão bem feita e tem de trazer Estados e municípios. Não é uma construção em que o Ministério da Fazenda vai atropelar outros entes da Federação.

Valor: Por que a lei complementar é tecnicamente mais complexa?

Appy: Porque envolve dimensões de como vai funcionar [o novo tributo]. Como vai ser o conselho federativo, definições claras sobre fato gerador, base de cálculo. É um tributo novo, é preciso fazer isso com segurança jurídica para evitar que depois tenhamos litígio. Vai ter de definir o que é destino, ponto extremamente importante, que precisa estar muito bem redigido porque tem efeito na distribuição federativa da receita.

Valor: A definição da lei complementar pode correr paralelamente à reforma do Imposto de Renda?

Appy: A ideia é aprovar primeiro a emenda constitucional da reforma do consumo e depois, o Imposto de Renda [IR]. Se o IR for rápido, até o fim deste ano, talvez a discussão da lei complementar possa ser feita depois. Podemos mandar no começo do ano que vem o projeto de lei complementar, para votar no primeiro semestre. É um exemplo. O prazo não está definido. Não vejo problema em ter IR e lei complementar tramitando simultaneamente, mas também não acho que precise acontecer isso. Pode ser que sejam feitos em sequência.

Valor: Mas se a lei complementar fica para o primeiro semestre de 2024, o IBS entra só em 2025?

Appy: Provavelmente, sim. Não há tempo hábil para a mudança na tributação do consumo ter efeito ainda em 2024.

Valor: O senhor falou em insegurança jurídica. Secretários de Fazenda dos grandes municípios dizem que vão judicializar uma eventual fusão do ISS com o ICMS. Como o governo responde a isso?

Appy: Se houver judicialização, que seja resolvida o mais rápido possível, para poder ter segurança jurídica na hora que o novo sistema começar a funcionar.

Valor: É possível manter o ISS?

Appy: Não. Achamos que se perde muito dos efeitos positivos da reforma. Seria ruim do ponto de vista do crescimento econômico e federativo, porque criaria competição entre Estados e municípios. Estamos dispostos a conversar com os municípios, entender suas preocupações e, na medida do possível, atender às demandas.

Valor: Que garantias temos que essa reforma não vai trazer aumento de carga tributária?

Appy: Isso está no texto constitucional, que é redigido para garantir que a alíquota de referência, que é aquela que é adotada automaticamente na reforma, mantém a carga. Isso é muito claro.

Valor: Não pode subir depois?

Appy: Os entes da Federação e a União têm autonomia para fixar sua alíquota acima ou abaixo da de referência, como já fazem hoje. Mas a transição da reforma será feita de forma neutra. Sem tirar a competência dos entes para poder definir sua arrecadação, só que para isso tem que ter o custo político de aprovar uma lei que aumenta a tributação do consumo no Estado ou no município, ou no país. Não haverá teto tributário.

A questão fundamental é que o poder de compra da família pobre vai ser maior com a reforma do que sem”

Valor: A carga tributária neutra não corre risco de virar texto normativo sem aplicação prática, como é hoje a não cumulatividade?

Appy: Não. Vai ter um conceito na emenda constitucional e, na lei complementar, vai ter um anexo com fórmula. Um parâmetro absolutamente objetivo de como vai ser mantida a neutralidade da carga tributária. Não faz sentido colocar uma fórmula na Constituição.

Valor: E qual carga tributária será considerada? Os Estados dizem que a receita deles caiu. Vai ser levada em conta essa base deprimida?

Appy: Será discutida no Congresso. Houve Estados que aumentaram alíquotas e não sei qual o efeito disso. Mas ao longo do tempo a arrecadação dos cinco tributos que devem ser substituídos – PIS, Cofins, ISS, ICMS e IPI – tende a ficar sempre perto de 12% do PIB, embora haja flutuações.

Valor: Como a reforma se relaciona com o arcabouço fiscal? Pelo que se sabe, o arcabouço vai depender de aumento da arrecadação. Vão aumentar a carga tributária para poder aumentar gastos?

Appy: Não sei. É preciso ter o arcabouço fiscal, ele ainda não existe. O que tem é o compromisso, que está claríssimo, que a transição na reforma da tributação sobre consumo vai ocorrer sem aumento de carga tributária. A reforma tem um efeito muito positivo sobre o crescimento da economia, na distribuição de renda e na redução de desigualdades regionais. Mas é preciso entender que os efeitos da reforma são de longo prazo. Há transição longa. Não estou falando da transição de receitas para Estados e municípios. Mesmo para a sociedade, é uma transição em alguns anos. Pela PEC 45, são dois anos de teste mais quatro de transição. Na PEC 110, são dois testes mais cinco de transição. É uma transição longa, mas é claramente uma política para aumentar o potencial de crescimento do país.

Valor: Há cálculo sobre isso?

Appy: Há estudos feitos quando eu estava no CCiF [Centro de Cidadania Fiscal, do qual Appy era diretor até sua nomeação para o cargo de secretário]. Há estudos que pegam uma parte dos efeitos da reforma. Por exemplo, um estudo do Edson Domingues e da Débora Freire Cardoso [estudo que Domingues e Débora fizeram na Universidade Federal de Minas Gerais; hoje Débora é subsecretária de Política Fiscal no Ministério da Fazenda] mostrando que só a eliminação da cumulatividade, basicamente, daria aumento de 4% no PIB potencial. Há um estudo do Bráulio Borges [pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia – FGV Ibre] que tenta estimar todos os efeitos e chega a aumento de 20 pontos percentuais do PIB potencial em 15 anos. É difícil dizer qual é o efeito com precisão, mas eu diria que mais de 10% de aumento do PIB potencial é muito razoável.

Valor: Na semana passada foi anunciada uma taxação na exportação de petróleo, por quatro meses. Não é incongruente com essa reforma, na qual um dos objetivos é a desoneração da exportação?

Appy: A medida que foi tomada agora é conjuntural, tem finalidade fiscal e temporária. A reforma tributária tem efeito positivo sobre a competitividade de todos os setores da economia brasileira. Não vejo incompatibilidade.

Valor: E a taxação sobre apostas on-line? Não estão começando a entrar aí puxadinhos para aumentar receitas que podem atrapalhar a discussão da reforma tributária?

Appy: Não estou com esse tema. Mas não sei se é um puxadinho. Será que não é correção de uma distorção? Puxadinho é quando se faz alguma coisa que cria distorção para poder arrecadar mais. Se você faz alguma coisa que corrige distorção é uma mudança correta.

Valor: Quando o senhor fala que a reforma vai redistribuir renda, o senhor fala sobre o cashback?

Appy: Estou falando também do cashback, que é claramente focalizado. E tem estudos mostrando que a adoção de alíquotas uniformes para bens e serviços teria efeito positivo distributivo também. Valor: Como vai funcionar o cashback e qual o valor que poderia ser redistribuído?

Appy: O que vai entrar na emenda em princípio é só o conceito. A calibragem, definição do tamanho, o público-alvo, isso tudo será definido depois, com detalhamento em lei complementar. O conceito do cashback é a devolução do imposto incidente no consumo das famílias de baixa renda. Há várias formas de implementar. Pode-se definir um público-alvo, um limite de devolução do imposto, porque não pode ter uma conta em aberto. E até aquele limite, por exemplo, todas as famílias dentro do público-alvo terão devolução todo mês. E precisa ser mensal? Não. Hoje pode ser em tempo real. Gastou agora, passou alíquota no sistema, já credita no cartão do programa social. Se tiver sistema para isso, não há problemas. Estamos estudando experiências internacionais. Já agendamos conversa com o Ministério do Desenvolvimento Social. Não sabemos como vai ser, mas o conceito é bom.

Valor: Isso pode trazer maior apoio popular para a reforma?

Appy: Se estamos falando de uma medida que vai fazer o país crescer 10% ou 20% a mais em 10, 15 anos, temos que fazer a população entender isso. É um desafio nosso de comunicação. Um cashback complementa a reforma, traz dimensão distributiva importante para dentro da reforma da tributação do consumo, mas o maior crescimento da economia beneficia todos. A reforma vai aumentar a renda e o poder de compra de todos.

Valor: Mas o cashback é para os mais pobres…

Appy: A reforma beneficia todos. O modelo aumenta mais renda e poder de compra para os mais pobres do que para os mais ricos. O cashback entra nessa equação.

Valor: Há quem diga que Lula vai entrar para história como o presidente que voltou a tributar arroz e feijão. Como explicar isso?

Appy: Primeiro, como vai ficar a questão do arroz e feijão é o Congresso que vai definir. Segundo, a questão fundamental é que o poder de compra da família pobre vai ser maior com a reforma tributária do que sem. Isso é certeza.

Valor: Mas não difícil falar de algo que ainda vai acontecer?

Appy: O cashback é algo que as pessoas verão. Vai depender da regulamentação, mas na hora que tiver regulamentação as pessoas saberão como será. A reforma tributária começa a ter efeito a partir de 2025. O cashback começa a funcionar somente com o novo modelo.

Valor: Haddad tem falado do IVA dual como mais factível politicamente. Esse já é o entendimento do Ministério da Fazenda?

Appy: Do ponto de vista do contribuinte o modelo de IVA único é melhor. Do ponto de vista federativo o modelo de IVA dual tem mais apoio. O que o ministro falou é que ele entende que do ponto de vista político o modelo do IVA dual provavelmente ajuda mais, para aprovação da reforma. Qual vai ser o modelo? Vai ser aquele que politicamente ajuda mais a aprovação da reforma. A diferença entre os dois modelos é enorme? Não. Ela é pequena e esse é um ponto importante. Se tiver uma mesma legislação para os dois tributos, do ponto de vista dos contribuintes, é muito melhor do que o que temos hoje.

Valor: O Simples e a Zona Franca serão resguardados?

Appy: Simples está resguardado. A empresa do Simples poderá ficar como está ou optar por entrar no regime do IBS. Em relação à Zona Franca há compromisso do governo de que não será prejudicada. Já estamos discutindo com o Estado do Amazonas e com os parlamentares um sistema que garanta no mínimo manutenção dos empregos e da renda gerados hoje no local, com transição suave para as empresas já instaladas. Se chegarmos a uma proposta comum, podemos levar ao Congresso, que pode incorporar ou não. A palavra final é sempre do Congresso.

Valor: A reforma chegou a ter o consenso a favor de todos os Estados. Isso se mantém?

Appy: As grandes linhas gerais estão bem encaminhadas. Mas há novos governadores e tem pontos nos quais não há posição definida e fechada de todos os Estados.

Valor: Por exemplo?

Appy: Não colocarei aqui os detalhes.

Valor: Fundo regional vai ter?

Appy: A posição do governo é de que vai ter fundo de desenvolvimento regional. Os detalhes serão definidos no Congresso. A posição do ministério é que é importante ter o fundo como instrumento para substituir a política baseada na concessão de benefícios fiscais.

Valor: Será algo temporário?

Appy: Não é temporário. A rigor, enquanto existir desigualdades regionais faz sentido ter um fundo de desenvolvimento regional.

Valor: E a alíquota do IBS?

Appy: A alíquota de referência, aquela adotada automaticamente, será a que mantém a carga tributária atual. As pessoas precisam entender que já pagamos isso, de um jeito todo torto, de forma não transparente. No longo prazo, o efeito da reforma é de redução do custo do consumidor. Porque hoje a pessoa paga a carga tributária e paga pela ineficiência do sistema. Então se tenho um custo burocrático enorme, isso será reduzido com a reforma, o que tende a ser repassado para preço. No longo prazo, mesmo mantendo a carga, a tendência da reforma é ser deflacionária. No curto prazo há mudança de preços relativos.A alíquota também é determinada pelas exceções. Quanto mais exceções e tratamentos favorecidos, maior será a alíquota básica para manter a carga. Outro fator é o grau de sonegação e evasão. Nossa avaliação é de quando se simplificam as regras, isso tende a cair. A alíquota será calibrada ao longo da transição. Vendo o efeito positivo da reforma sobre a sonegação, por exemplo, isso se refletirá na alíquota ao fim da transição. Essa é a nossa posição, que o Congresso pode mudar.

Fonte: Valor Econômico